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1955 - 1963





 




 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955-1963

Faço-me homem em Lisboa. Autonomizo-me cedo.

O meu pai deixa-me no Pilão. Vejo-o partir, cada dois passos olha para trás para me acenar, não está a dizer-me adeus, está a hesitar entre deixar-me aqui e levar-me de volta com ele para Tomar. Fico sozinho.

Antes de partirem, o meu pai e o pai do GB, que se conhecem, transferem para nós esse conhecimento. Num minuto ficamos amigos, quase meio século depois ainda somos.

Sou puto, por definição bombo de praxe. Protejo-me, esquivo-me, defendo-me.

Estou sempre rodeado por gente, uma nova família de quatrocentas pessoas. Aprendo a isolar-me no meio da algazarra. Giro os meus gostos e os meus gastos; o meu tempo, a minha impaciência; as minhas preferências e aversões; sou autónomo, senhor precoce de mim próprio.

Vou de férias a Tomar. Tomo o comboio em Santa Apolónia, mudo no Entroncamento, e uma eternidade depois, chego aos braços dos meus pais e da minha irmã. Aos 10 anos, robustecido por esta solitária aventura, olho de cima para os meus colegas de escola que nunca saíram de casa.

Continuo a ir, enquanto os meus pais não partem para Moçambique, em 59. Passo a ir de férias para Leiria, e descubro a minha terra natal. Tenho acne, buço, e tudo o que lhes está associado. Vou a Moçambique de férias, duas vezes, encanto-me com as praias, com o remanso, com o exotismo, com os camarões grelhados.

Cresço. Leio tudo o que me vem à mão, o Século, a Bola, a Seara Nova, o London Illustrated News, o Jane’s War Airplanes, o Punch, Dostoievski, Tolstoi, Faulkner, Hemingway, Steinbeck, Stendhal, Pascal, não sei como é que tenho tanto tempo e apetite. Estudo, penso, escrevo. Descubro a força das ideias, e algumas ideias fortes. Uma vez, seguro da minha razão, insubordino-me, e para surpresa minha, saio incólume. Insubordino-me mais vezes.

Sou soldado em miniatura. Tenho farda, ando de arma ao ombro. Esforço tanto a mente como o físico. Faço ginástica, jogo todos os jogos de bola, e alguns sem ela, calço luvas de boxe, remo no Tejo em Xabregas, voo em Alverca e sou piloto aos 17. Faço tiro de metralhadora aos 15, exercícios de ordem unida todas as quartas-feiras; marcho à conquista da Serra de Monsanto, ali em Benfica, para surpresa das marafonas e da respectiva clientela; defendo o aeroporto da Portela de inimigos imaginários numa fria noite de Junho, antes de trocar o meu posto por um baile de aldeia às portas da capital.

Recebo educação militar, fico esclarecido. Já tenho o meu quinhão, não me fez mal, talvez me tenha mesmo feito bem, mas não quero mais, obrigado.

Entretanto, faço amizades para a vida, mesmo quando as perco. Ao fim de semana saio, cometo o pecado de esquecer a farda, e fico paisano. Primeiro, assento arraiais em Arroios, depois perto da Morais Soares, e descubro Lisboa. A boa, e a assim-assim. Quase sempre com o MM, que vive intensamente, como que adivinhando o fim precoce.

Os fins de semana são curtos, e as paredes do Pilão permeáveis e perfuradas, como é de praxe em convento que foi de frades. Aprendo passagens, sou paisano clandestino algumas noites de algumas semanas.

Entro puto, saio homem.

 

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