Os constituintes em causa nestas construções são
todos flexionados. Os demonstrativos e possessivos podem verificar
por Concordância Especificador-Núcleo os traços
associados ao núcleo Numº, o que explica que sejam, nas
Línguas Românicas, flexionados. Uma vez que a estrutura
interna do DP impõe também mecanismos de
Concordância Núcleo-Núcleo entre Numº e os
núcleos funcionais Dº, Demº e Possº, a
morfologia do possessivo e do demonstrativo em Português e em
Francês é sempre verificada.
Estes mecanismos de concordância podem servir de base para
avaliar a identificação do nome vazio legitimado nas
construções [Dem+pro] e
[Poss+pro]. Vimos que, para Sleeman (1996), a
identificação dos nomes nulos está ligada a um
elemento com interpretação específica. A
ocorrência de especificidade é considerada por esta
autora como um mecanismo geral de identificação dos
nomes vazios --ver parágrafo 2.5.2.2. A especificidade pode
ser desencadeada entre outros por um elemento partitivo --é o
caso na construção [Q+pro], como
vimos--, por um determinante definido, ou por um DP sujeito. Como se
viu no capítulo anterior, Sleeman assume que pro
é legitimado pelo traço [+partitivo], que
possessivos e demonstrativos podem considerados elementos partitivos,
e que a identificação de pro consiste em
associar o traço [+partitivo] a uma
interpretação específica.
Para Kester (1996), a legitimação e a
identificação dos nomes vazios pode ser
atribuída à flexão adjectival. Nas
línguas analisadas por esta autora, os dados indicam que
determinadas flexões são realizadas para fins de
legitimação e identificação de pro
--caso de [-n] em Neerlandês-- e outras para
identificar o conteúdo dos nomes vazios --caso de
[-s] nas construções genitivas
partitivas em Neerlandês --cf. quadro (50).
Assumo que, em [Dem+pro] e em
[Poss+pro], a legitimação de pro
é baseada numa relação de Concordância
Especificador-Núcleo entre o especificador e pro, e
deve ser distinguida da sua interpretação: se um
elemento especificador legitima pro como um pronome vazio, um
antecedente contextual, presumivelmente com determinados requisitos,
deve fornecer-lhe conteúdo semântico. Penso que existe,
nestas construções, uma relação entre
flexão e identificação semântica de nomes
nulos. Proponho, a seguir, que, nas línguas en análise,
a interpretação específica no antecedente
é um dos mecanismos de identificação dos nomes
vazios, mas que outras estratégias existem. Mais precisamente,
vou sugerir que, em Português e em Francês, a
identificação de pro em [Dem+pro]
e [Poss+pro] não está associada ao
traço [+específico], mas a certos traços
morfológicos.
Nas frases seguintes, os possessivos e demonstrativos que legitimam
pro implicam um referente contextual; note-se que, embora
pro seja sempre formalmente legitimado, a frase é
ambígua quando o referente não é
específico:
(77)
a. Que livros pretende levar? --Levo estes pro / ?? o outro
pro
b. Jean a une voiture neuve, mais la mienne / *? la bleue
pro a déjà dix ans
Do mesmo modo que os pronomes explícitos, os pronomes vazios
também referem um nome no contexto, isto é, são
constituintes referenciais. Na linha do modelo traçado por
Lobeck (1995), haverá contudo que distinguir entre os pronomes
plenamente referenciais, como pro sujeito nulo, e os pronomes
elípticos, cuja identidade é determinada pelo referente
do seu antecedente -- cf. parágrafo 2.3.1. Sendo um pronome
vazio, pro deve ter um referente contextual, mas é de
presumir que tal só é possível se o DP que
contem pro tiver um significado específico, no sentido
de que é ligado a um nome cuja existência foi
anteriormente referida, ou é implícita pelo contexto
situacional. O DP elíptico não pode em caso algum ter
uma interpretação puramente existencial. Assumo que a
interpretação específica, entendida como uma
informação familiar no contexto, permite que o nome
vazio seja associado a um nome semanticamente e sintacticamente
equivalente no DP fornecido previamente pelo discurso ou pelo
contexto. Faço no entanto a proposta que o constituinte que
identifica a elipse do nome deve obedecer a uma regra de
equivalência flexional. Essa equivalência, ilustrada a
seguir, é verificada em (78a.b), mas não em (78c.d).
Observe-se que, neste último caso, pro não
é identificado presumivelmente porque a flexão de
género do especificador esta não concorda com a
do antecedente: esta é [-masc] , mas
livros é [+masc]. A mesma conclusão,
contudo, não pode ser aplicada à flexão de
número (78b):
(78)
a. O João comprou os dois livros, mas a Maria já tinha
lido este pro
b. Não gosto deste livro. Vou levar aqueles
pro
c. * Gosto muito de livros antigos. Vou levar esta
pro
d. * O João comprou os dois livros, mas a Maria já
tinha lido esta pro
e. * Não gosto destes livros. Vou levar a minha pro
A possibilidade de o nome ser suprimido em [Dem+pro]
está pois aparentemente relacionada com imperativos de
concordância em [+género]. Estas
considerações podem ser relacionadas com algumas das
propostas sobre a elipse do nome apresentadas no capítulo 2
por Kester (1996). Esta autora admite que, em determinadas
línguas, a presença de flexão adjectival deve
ser associada à elipse do nome. Como vimos, a flexão
desempenha nas Línguas Germânicas um importante papel de
legitimação e identificação de nomes
vazios. No caso do Holandês, Kester sugere que o género
gramatical do determinante permite identificar o nome vazio associado
às chamadas construções humanas e
às construções abstractas, estando por
exemplo o género [+neutro] associado aos nomes vazios
abstractos --observação que se pode alargar a
Línguas Românicas com género neutro, como o
Espanhol. Para Lobeck (1995), algumas flexões fortes,
isto é, morfologicamente realizadas, como
[±género] ou [±plural], podem ser
associadas à legitimação de nomes vazios,
nomeadamente em Alemão e Francês. Considero, por meu
lado, que o papel legitimador das flexões referidas deve ser
minimizado, mas que o seu papel identificador pode, pelo
contrário, ser valorizado. Assim, as flexões
adjectivais não me parecem ter qualquer incidência no
mecanismo sintáctico de legitimação da elipse do
nome nas Línguas Românicas, mas, em contrapartida, pode
considerar-se que intervêm na identificação
contextual dos nomes nulos, pelo menos nas construções
[Dem+pro] e [Poss+pro], nomeadamente
por meio da flexão de [±género].
Não é clara contudo a razão pela qual a
flexão adjectival dos demonstrativos e possessivos identifica
nomes vazios. Nas Línguas Românicas, a presença
de flexão é constante no DP, pelo que não
deveria servir de base para mecanismos particulares.
[46]
Estas reflexões levam-me a sugerir que é
possível conciliar as teses de Kester e de Sleeman, ou seja,
proponho que a flexão de [±género]
identifica pro elíptico porque um elemento flexionado
deve ser considerado como específico. Assumo que flexão
e especificidade estão estreitamente ligados. Para discutir
esta ideia, baseio-me em Williams (1997). Este autor nota uma
relação estreita entre a flexão e traços
semânticos como a especificidade. Williams refere Obenauer
(1994) para quem a concordância implica a especificidade e a
não-concordância a não-especificidade. No caso da
concordância com extracção do objecto directo em
Francês, analisada por este autor, constata-se que, em alguns
casos --raros--, a concordância é facultativa. No
entanto, esta opção é significativa: Williams
nota que a concordância implica especificidade, e a falta de
concordância implica não especificidade:
(79)
a. Combien de fautes a-t-elle faites ?
(específico)
b. Combien de fautes a-t-elle fait ? (não
específico)
Crucialmente, Williams observa que os clíticos são
intrinsecamente definidos, e por consequência
específicos, pelo que são também
obrigatoriamente flexionados. Williams conclui que a
concordância obrigatória do objecto e do clítico
em (80) funciona como uma marca de
especificidade:[48]
(80) Ces erreurs, je les ai fait
*(es) par accident
Podemos considerar que, em Português e em Francês, o
sistema de flexões manifestado pelos constituintes
demonstrativos e possessivos está também relacionado
com uma interpretação
específica.[50]
Como vimos, estas duas classes de constituintes flexionam por
mecanismos de Concordância formais. Existe no entanto uma
assimetria entre a flexão de [±número] e a
de [±género]. Por que razão desempenha o
traço [±género] em Português e em
Francês um papel semântico na elipse do nome, mas
não o traço [±número] --cf. (78b)?
Esta questão pode ser parcialmente resolvida se se considerar
que o traço [±género] é fornecido
pelo próprio léxico, e não pela
projecção de uma categoria funcional específica,
como é o caso de [±número]. Embora existam
tentativas de projectar o traço [±género]
como núcleo de uma categoria funcional --é o caso, por
exemplo, de Picallo (1991) e Bernstein (1993) que associam uma
projecção funcional GenP, ou WordMarkerP, ao
traço [±género]--, considera-se
habitualmente o género como informação puramente
lexical.[51]
Crucialmente, para Kester, o traço
[±número] é um dos vários
traços codificados em Sintaxe a nível dos
núcleos funcionais que dominam N, mas a
informação de género é lexical e
não tem o estatuto de núcleo sintáctico.
Concluimos que, sendo de natureza lexical, o género seria um
meio de identificar o antecedente contextual lexicalmente realizado
do nome vazio.
Penso pois que, na estratégia da interpretação
dos nomes vazios, existem mecanismos de identificação
alternativos ao traço [+específico], sendo um
deles a verificação da concordância em
género entre o legitimador, o nome vazio e o antecedente. A
interpretação específica nem sempre está
presente no antecedente de uma elipse do nome, ao contrário da
concordância em género, que aparece como uma
condição de identificação estável
nas construções [Dem+pro] e
[Poss+pro]. Nenhum dos DP antecedentes do DP
elíptico em (81) pode ser considerado
[+específico], contudo a elipse do nome em (81)
é gramatical. Mas em todos os casos de elipse em (81), existe
concordância entre o género manifestado pelo nome
antecedente --por exemplo, livro, que é
[+masc]-- e a flexão de género realizada pelo
especificador que legitima formalmente o nome nulo --estes
é também [+masc]. A flexão de
género torna o nome nulo interpretável, enquanto o
especificador estes o legitima formalmente:
(81)
a. Procuro um livro realmente interessante. Estes pro
não me interessam
b. Já algum dia viste um ovni? --Nunca vi nenhum / * nenhuma
pro
Penso que estes casos podem ser confrontados a outros, em que um
especificador não legitima a elipse do nome, como os
quantificadores cada, chaque e quelques:
(82)
a. * Os alunos sentaram-se, mas cada pro estava calado
b. * Les étudiants sont entrés, mais chaque / quelques
sont restés debout
Este tipo de exemplo pode ser interpretado com base na especificidade
do traço [±género]: estas frases
não admitem elipse do nome porque não existe meio de
identificar o antecedente contextual, na medida em que o elemento
legitimador não é [+partitivo] --é o
caso dos quantificadores cada, chaque e
quelques-- e também não manifesta qualquer
flexão de [±género].[54]
Em conclusão, proponho que a elipse do nome nas
construções [Dem+pro] e
[Poss+pro] é formalmente legitimada por um
especificador. Quanto à identificação de
pro, fiz uma proposta segundo a qual o género do
especificador identifica o seu antecedente. No caso dos possessivos,
assumo que, em Francês e em Português, o elemento
pro é identificado pelo traço
[±género] do artigo definido gerado em Dº,
e, no caso dos demonstrativos, assumo que, em Português,
pro é identificado pelo traço
[±género] do especificador de DemP. Estas
observações podem ser resumidas afirmando que a
interpretação específica relacionada com a
identificação da elipse do nome deve ser considerada
como associada ao traço [±género]. Resta
contudo explicar como em Francês o demonstrativo identifica o
seu antecedente.
Vejamos os exemplos seguintes:
(83)
a. As-tu déjà vu un perroquet chanter en
français? --Le mien / * mon pro parle le
français
b. As-tu acheté le journal? --Celui pro de ce matin
No caso da construção [Poss+pro],
um elemento como mon em (83a) deve ser considerado como
flexionado, razão pela qual identifica pro. A elipse do
nome não é boa, contudo, por razões de
legitimação: mon é um núcleo
funcional, e como tal, não pode legitimar nomes vazios. Quanto
a le mien, le manifesta flexão de género
e mien legitima pro, pelo que a elipse do nome é
boa. Mas como o exemplo (83b) sugere, a identificação
contextual de pro nas construções
[Dem+pro] pode em Francês não estar
associada ao traço [±género], mas ser
desencadeada, entre outros, pela presença de elementos
específicos, como um PP. Neste caso, a concordância,
manifestada em celui na flexão de género,
não desempenha um papel identificador --é um mero caso
de concordância interna--, sendo essa função
reservada para o PP de ce matin.
Em Português, contudo, a identificação de pro
é rigorosamente paralela às condições
de legitimação apontadas anteriormente para o
possessivo: é presumível que a
interpretação específica coincida com o
traço [±género], e esteja
disponível no DP independentemente do demonstrativo
projectado, ou seja, as formas fortes em especificador são
sempre constituintes flexionados e específicos. As frases
seguintes ilustram este princípio: o especificador legitima o
nome vazio, e o traço [±género]
identifica-o especificamente; a interpretação é
sempre específica, mesmo sem um PP, que em (84b) é
redundante. Em Francês, contudo, a presença de um
legitimador não específico deve ser compensada pela
projecção de um complemento específico --ver
(85):
(84)
a. Que pessoas reconheces na fotografia? --Esta pro e esta
pro
b. Que livro quer levar? --Aquele pro (do Eco)
(85)
a. Quelles personnes reconnais-tu sur cette photo? --Celle pro
*(qui est debout)
b. Vous prenez quel livre? -- * Ce pro / celui pro *(de
Eco)
Outro tipo de construção pode pois ser associado a
mecanismos de identificação de nomes vazios,
nomeadamente os genitivos.