No caso dos possessivos, algumas
das observações produzidas sobre os demonstrativos
podem ser conservadas: os possessivos parecem variar, nestas
línguas, entre o estatuto de especificador e o de
núcleo. Esta proposta está de acordo com algumas teses
--por exemplo, Giorgi & Longobardi (1991)-- segundo as quais os
possessivos podem variar de língua para língua, sendo
numas núcleos determinantes e noutras especificadores
funcionais, ou adjectivos. Em Francês, os possessivos como
le sien podem ser considerados pronomes que legitimam nomes
vazios. A minha hipótese é que também estes
pronomes são gerados em [Spec,XP], e tal como os
demonstrativos e quantificadores, legitimam por Concordância
Especificador-Núcleo o nome vazio correspondente. Os dados do
Francês indicam contudo que os possessivos devem ser gerados de
modo complementar: como o pronome possessivo em Francês
é um composto constituído de um artigo definido seguido
de uma forma propriamente possessiva, conclui-se que cada elemento
ocupa posições diferentes. Em Francês, na forma
le mien, o artigo le estaria em Dº, mas o
possessivo mien seria gerado como especificador da
projecção funcional do núcleo
[+possessivo]. Quanto aos determinantes possessivos, como
son, a impossibilidade de legitimar nomes nulos sugere que
são gerados como núcleos.
Relativamente à construção
[Poss+pro] em Português, baseando-me no facto de
não existir nesta língua distinção
morfológica entre as formas determinante e pronominal dos
possessivos, sugiro que estes projectam igualmente uma estrutura
complementar: em formas como o meu, o artigo definido o
é gerado em Dº, e a forma possessiva meu é
gerada no especificador da projecção funcional
correspondente. Assumo que essa projecção funcional
é PossP, e está situada acima de QP e NumP, mas
abaixo de DemP. Deste modo, o possessivo em Português pode ser
visto exclusivamente como especificador. A assimetria em
relação ao determinante possessivo em Francês
--mon, son--, gerado como núcleo em Possº,
confirma que a posição sintáctica do possessivo
como especificador de uma projecção funcional justifica
as diferenças anteriormente detectadas. Em Português, os
possessivos são sempre especificadores, e em Francês
são núcleos ou especificadores. Esta diferença
é ilustrada nos exemplos dados em (7), citados de novo em
(67):
(67)
a. * Jean aime ton style, mais Marie n'aime que [ son
[e]]
b. O João gosta do teu estilo, mas a Maria só aprecia
[ o seu [e]]
c. Jean aime ton style, mais Marie n'aime que [ le sien
[e]]
O significado partitivo que estes elementos podem eventualmente
implicar, como sugere Sleeman (1996), deve ser considerado
secundário relativamente ao seu estatuto de especificadores. A
gramaticalidade de (67b), por exemplo, parece-me poder ser
relacionada com a própria estrutura do constituinte DP
elíptico. Os possessivos podem em Português legitimar a
elipse do nome, na medida em que, como é ilustrado em (68b),
são gerados na posição de especificador de um
núcleo funcional e podem legitimar por Concordância
Especificador-Núcleo um nome nulo. A mesma proposta pode ser
feita para os possessivos que em Francês ocupam
[Spec,PossP] em (68a), ou seja os chamados pronomes
possessivos. Em ambas as línguas, o
artigo definido está em Dº, e não desempenha
nenhum papel relevante na legitimação deste tipo de
elipse do nome. Os determinantes possessivos franceses, por seu lado
--mon, etc.--, estão em Possº, e como tal,
são núcleos e não legitimam formalmente os nomes
vazios.
Dou a seguir uma representação das estruturas
anteriormente sugeridas, deixando de foras as
projecções funcionais não relevantes:
(68)
a. Francês
b. Português
Assim como os demonstrativos,
também a co-ocorrência entre possessivos e outros
constituintes obedece a algumas restrições. Dadas as
estruturas apresentadas em (68), existem restrições de
natureza sintáctica e/ou semântica que impedem certas
co-ocorrências:
(69)
a. * le son livre
b. * seu / o seu livro
Simplificando, as restrições podem resumir-se às
duas seguintes: (i) não podem co-ocorrer dois constituintes
com o traço [+possessivo]; (ii) não podem
co-ocorrer dois constituintes com o traço [+definido].
Refira-se, por exemplo, que a expressão * le son livre
é agramatical porque implica dois traços
[+definido], e que, em Português, a expressão
*seu livro é agramatical --embora seja gramatical no
Português do Brasil--porque não manifesta o traço
[+definido]. Este sistema de traços permite
também concluir que em Português e em Francês o
possessivo é a combinação de um artigo
[+definido] e de um especificador [+possessivo], mas
o Francês dispõe ainda da forma determinante son
em Possº que verifica estes dois traços em
simultâneo.[41]
O modelo proposto em (68) permite explicar um largo leque de dados.
Levanta-se no entanto a questão da inexistência em
Português de um possessivo [+definido, +possessivo],
como son em Francês. A observação dos
modelos apresentados em (68) mostra que a diferença estrutural
entre núcleo determinante e pronome especificador implica que
um determinante como son é um núcleo
[+definido], enquanto um especificador como sien
é [-definido], não havendo em qualquer caso
especificadores [+definido, +possessivo]. Observe-se no
entanto que o modelo proposto não dá conta de
co-ocorrências ilustradas no exemplo (70), pois em formas como
estas, os dois constituintes un e sien devem ser
considerados ambos [-definidos]:
(70) Il est venu avec un sien
ami
Embora estes casos sejam relacionados com a língua
literária e possam por isso ser considerados marginais, a
história da língua francesa mostra que o possessivo
passou por um estatuto de adjectivo atributivo pré-nominal, de
que alguns modelos literários conservam o vestígio --cf
Grevisse & Goosse (1988:173)[43],
o que implica que un sien ami é na realidade uma
expressão indefinida na qual sien é um adjectivo
possessivo pré-nominal.[44]
Em Português, os especificadores possessivos são
[-definidos]. Na realidade, a definitude é dada pelo
artigo, que é sempre obrigatório em Português;
não há diferença estrutural nem semântica
entre formas fortes e fracas, o que justifica que os especificadores
possessivos nunca sejam [+definidos]: só o artigo
definido é --obviamente-- [+definido]. Exceptuam-se,
nesta análise, certos casos muito particulares como em meu
pai está contente, em que, dada a natureza lexical de
certos núcleos --como pai--, o artigo definido parece
poder ser omitido.
Também é de referir que, em determinados casos, o
possessivo pode em Português aparecer à direita do nome
sem artigo definido, o que equivale a um adjectivo pós-nominal
(cf Brito 1984):
(71)
a. Alguém tocou, ou é impressão minha?
b. Já não recebo uma carta tua há dois anos.
Observe-se ainda que o Português Europeu admite, em alternativa
a o meu, uma forma simples meu num certo número
de casos, nomeadamente nas construções predicativas
(72a) e (72c), e em vocativos (72b) --além de certos
núcleos lexicais já referidos, como pai--,
podendo, num caso como no outro, talvez considerar-se que não
chega a ser projectada a categoria DP:
(72)
a. Este livro é meu !
b. Sente-se, meu amigo.
c. É meu desejo nunca mais te ver
Além destas e de outras construções em
Português Europeu[47],
a ausência pronunciada de artigo definido numa expressão
possessiva caracteriza também o Português do Brasil. Na
realidade, na variante brasileira, a ausência de artigo
definido em construções claramente definidas é
mais generalizada do que em Português, podendo talvez dizer-se
que, nesses contextos, a categoria DP é projectada mas que o
determinante definido não chega a realizar-se
lexicalmente:[48]
(73) Meu avô materno foi
minha primeira amizade
Observe-se que, crucialmente, o uso da forma possessiva sem artigo
definido leva à impossibilidade de legitimar um nome
vazio:
(74) Queres o teu copo ou queres o
pro da tua irmã? -- * Quero meu pro
Considero que, nestes casos, uma restrição
sintáctica impede o nome vazio de ser legitimado, na medida em
que, presumivelmente por faltar o artigo, o elemento possessivo
meu deve aqui ser considerado um núcleo
[+definido], isto é, um determinante possessivo do
mesmo tipo que o Francês mon. Isto equivale a dizer que,
em (74), meu é um núcleo em Possº, e que,
como tal, não legitima formalmente o nome nulo numa
relação de Concordância
Especificador-Núcleo. Neste caso, estamos perante uma elipse
nominal agramatical.
Em síntese, as observações anteriores sobre as
construções [Dem+pro] e
[Poss+pro] são ilustradas na seguinte
representação simplificada de um DP nas duas
línguas:
(75
a. Francês
b. Português
Este modelo implica mecanismos de restrição
semântica, nomeadamente destinados a justificar a
impossibilidade de misturar demonstrativos e possessivos. Note-se no
entanto que o Português permite uma construção
que combina ambos os especificadores numa ordem fixa (ver 76d):
(76)
a. * celui son / * celui sien livre
b. * ce son / * ce sien livre
c. * este o seu / * o este seu livro
d. Este seu livro
Relativamente ao Francês, penso que existe, como foi já
sugerido, uma restrição sobre a redundância do
traço [+definido], que permite rejeitar (76a.b).
Quanto ao Português, penso que o mesmo tipo de
restrição poderá ser invocada: nesta
língua, o artigo [+definido] exclui a ocorrência
de elementos com o mesmo traço. Além disso, o exemplo
(76d) sugere que, em Português, o possessivo meu pode
provavelmente ser usado com adjectivo atributivo pré-nominal,
em eco ao Francês un sien ami.
A questão da legitimação formal dos nomes vazios
nas construções [Poss+pro] e
[Dem+pro] pode agora ser reavaliada. Em primeiro
lugar, as diferenças estruturais apontadas nas
representações em (75) explicam os casos referidos
anteriormente. A ideia central é que, em todos os casos em que
um nome vazio é legitimado nas construções
[Dem+pro] e [Poss+pro], estamos perante
um elemento em posição de especificador de uma
projecção funcional de NP, pelo que a hipótese
central da dissertação pode ser alargada a estas
construções: em Português e em Francês, os
nomes nulos são legitimados por Concordância
Especificador-Núcleo, por elementos possessivos ou
demonstrativos. O nome vazio é legitimado por um
especificador, sendo o seu conteúdo semântico recuperado
junto de um elemento fornecido contextualmente. Esta sugestão
permite generalizar a ideia de que um núcleo funcional
não pode legitimar um nome vazio, e confirma que os nomes
vazios só são possíveis quando o seu elemento
legitimador é um especificador lexicalmente preenchido.
Como mostram os dados apresentados de (70) a (74), o morfema
possessivo em [Spec,PossP] pode corresponder a um adjectivo,
que, como vimos na estrutura apresentada em (37), também
é projectado em [Spec,XP]. Do mesmo modo, os exemplos
em (61) indicam que o demonstrativo pode ser considerado em certas
construções um adjectivo em DP.
[53]
Neste aspecto, os casos de elipse do nome com demonstrativo ou
possessivo assemelham-se aos casos de elipse com adjectivos
atributivos analisados adiante neste trabalho --ver parágrafo
3.3.3. Como para adjectivos atributivos e quantificadores, as
construções aqui analisadas ilustram a tese de que
especificadores, mas não núcleos, legitimam nomes
vazios. Vejamos agora a questão da identificação
do nome elíptico nestas construções.