Foi apresentada no parágrafo
3.1 evidência de que, em Português, os constituintes
demonstrativos e possessivos admitem sistematicamente complementos
vazios, em contraste com o Francês, que só os parece
admitir com as formas pronominais ou formas fortes. Tradicionalmente,
considerava-se que, quando isoladas, as formas DEM e POSS eram
pronomes, e quando precedendo nomes, eram determinantes ou
adjectivos. Os constituintes envolvidos nestas
construções pertencem a vários grupos de
elementos tradicionalmente distintos e classificados como
adjectivos ou pronomes: além dos demonstrativos
e possessivos, que aqui analisamos, citam-se tradicionalmente, entre
outros, os interrogativos, os relativos e os quantificadores. Do
ponto de vista da estrutura de constituintes projectada, levanta-se a
questão do seu estatuto categorial --serão
núcleos, especificadores ou adjuntos? Na literatura sobre a
questão, têm sido adiantadas propostas diferentes. De
acordo com Abney (1987), que reflecte sobre o paralelismo entre
artigo e pronome em Inglês, estes últimos constituintes
são ambos gerados em Dº, mas o artigo distingue-se do
pronome por tomar um NP complemento pleno, enquanto o pronome
é intransitivo. Para Lobeck (1995), a maioria destes
constituintes são núcleos, distribuídos
complementarmente entre Dº e Numº. Lobeck considera, por
exemplo, que demonstrativos como these são gerados no
núcleo funcional Dº e podem legitimar um nome vazio por
meio de traços morfológicos fortes --ver
capítulo 2. Para Sleeman, estes elementos são gerados
em projecções funcionais acima de NumP, e legitimam
sistematicamente um nome vazio porque o regem estritamente.
A minha proposta para este tipo de elipse consiste em considerar o
papel legitimador dos determinantes demonstrativos e possessivos em
função da sua posição estrutural.
Mostrarei que as construções [Poss+pro]
e [Dem+pro] são a consequência directa do
estatuto de especificador dos elementos DEM e POSS, e não dos
traços semânticos envolvidos. Esta análise
relaciona-se com a proposta adiantada para a
legitimação de nomes vazios complementos de
quantificadores. Ver-se-á também que se deve distinguir
entre o Francês e o Português relativamente à
identificação dos nomes vazios envolvidos em
[Dem+pro] e [Poss+pro].
Relativamente aos demonstrativos,
vou seguir Sleeman (1996), no sentido de considerar que alguns dos
constituintes no domínio das projecções
alargadas do nome podem ser considerados pronomes gerados em
posição de especificador e seguidos de pro. Em
Francês, considero que demonstrativos como celui
são pronomes que legitimam nomes vazios. Estes pronomes
são gerados em [Spec,XP], e tal como os
quantificadores, legitimam formalmente por Concordância
Especificador-Núcleo o nome vazio correspondente. Do ponto de
vista semântico, estes pronomes poderão estar associados
a um significado partitivo: formas como celui/ceux denotam
sub-conjuntos distintos do conjunto de referência, pelo que
podem ser consideradas como incluídos nos elementos
partitivos. No exemplo seguinte, o demonstrativo ceux denota o
conjunto de elementos extraído do conjunto anteriormente
referido:
(55) Quels livres penses-tu
prendre? -- Je prends ceux pro de gauche
Pelo contrário, os exemplos em (56) sugerem que alguns
demonstrativos franceses --ces em particular--não
são especificadores partitivos, mas presumivelmente
núcleos em Dº, o que explica que não legitimem
nenhum nome vazio:
(56)
a. Je préfère celui pro que j'ai
b. Je préfère ces livres / * ces pro
Em Português, contudo, a inexistência de contrastes como
os anteriores sugere que não é preciso postular uma
diferença entre adjectivos e pronomes demonstrativos. No
modelo aqui adoptado para a categoria DP em Português, falar de
adjectivo --quando o demonstrativo é seguido de N-- ou de
pronome --quando não há N-- não parece
justificar-se. Na realidade, não existe em Português
distinção morfológica entre adjectivos e
pronomes. Os demonstrativos não evidenciam nenhum paradigma
adjectivo/pronome, exibindo as mesmas formas quando seguidos de nome
ou quando isolados, o que implica que os dois casos em (56) podem em
Português ser reduzidos a um só:
(57) Prefiro estes livros / estes
pro
De que maneira podem as diferenças anteriormente apontadas ser
justificadas? Penso que o que está em causa é a
própria estrutura interna do DP, pelo menos nas suas
projecções funcionais mais altas. A minha
proposta é que os demonstrativos não ocupam em
Português e em Francês a mesma posição
estrutural --presumivelmente, só os pronomes teriam uma
distribuição idêntica. Para o Francês,
adopto temporariamente as propostas de Brito (1993) e Lobeck (1995)
segundo as quais o determinante demonstrativo ocupa a
posição Dº, e a ideia de Sleeman de gerar o
pronome demonstrativo francês em [Spec,DP]. Esta
última posição, característica de formas
como celui, é justificada pela autora por dados de
extracção. Sleeman considera que o pronome partitivo
en, que se move para fora do DP nas construções
elípticas quantitativas, servindo-se da posição
[Spec,DP] como lugar de poiso intermédio, é
bloqueado pela presença de um demonstrativo, mas não,
por exemplo, por um quantificador --que sabemos não estar em
[Spec,DP]:[39]
(58)
a. * Parmi ces verbes, il y eni a ceux ti qui
sont toujours impersonnels
b. J'eni ai lu tous/plusieurs/deux ti
chapitres
Em Português, o facto de os adjectivos não se
distinguirem morfologicamente dos pronomes sugere que não
existe uma diferença de posição como em
Francês. A minha sugestão --provisória-- é
que todos os demonstrativos em Português são
especificadores, talvez gerados em [Spec,DP], tal como os
pronomes correspondentes em Francês. Ao passo que o adjectivo
demonstrativo está em Francês em Dº, estaria em
Português em [Spec,DP]. Esta diferença, que
equivale a dizer que o demonstrativo em Português é
sempre um especificador, pode numa primeira análise explicar
(57) versus (56). Note-se que, crucialmente, estes dados podem ser
explicados por mecanismos puramente sintácticos, isto
é, o significado partitivo que estes elementos podem
eventualmente implicar é aqui irrelevante, sendo, em
contrapartida, essencial a sua condição estrutural de
especificadores. A gramaticalidade vs agramaticalidade dos
casos referidos não me parece pois dever-se a imperativos de
natureza semântica, mas à própria estrutura de
constituintes.
Em resumo, se os demonstrativos são em Português
unanimemente especificadores, podem legitimar sistematicamente a
elipse do nome. Em Francês, pelo contrário, só os
elementos demonstrativos em especificador, ou seja os chamados
pronomes demonstrativos, podem legitimar nomes vazios. Os
demonstrativos gerados em Dº não são legitimadores
de pro.
Dou a seguir uma representação da estrutura sugerida
para a construção [Dem+pro], nas duas
línguas, deixando de foras as projecções
funcionais não relevantes:
(59)
a. Francês

b. Português

Note-se que a estrutura apresentada deve, em Francês e em
Português, ser associada a mecanismos de
restrição semântica, de modo a explicar a
proibição de ocorrência de formas como as
seguintes, em que o demonstrativo não pode aparecer em
co-ocorrência com o artigo definido:
(60)
a. *le celui / *ce celui livre
b *ce le / *le ce livre
c. * o este livro
Para explicar por que razão este é
incompatível com o, podemos sugerir que em
Português este, e em Francês ce e
celui, são [+definidos] (Brito 1993). Sendo
assim, o artigo definido não pode ser projectado; se o for, a
estrutura é rejeitada, talvez ao nível da Forma
Lógica. A mesma observação pode ser alargada
à restrição de co-ocorrência entre
núcleos e especificadores definidos: como ambos são
[+definidos], a construção *ce celui, ou
o este, violaria a restrição acima proposta.
A análise sugerida para os demonstrativos em (59), segundo a
qual os demonstrativos estão em Português em
[Spec,DP], não é desprovida de dificuldades. Em
primeiro lugar, note-se que em Português o demonstrativo tem um
uso diversificado: pode entrar em construções
predicativas (61a), aparecer numa posição
pós-nominal (61b), surgir como um aposto (61c) ou como
nominativo (61d):[43]
(61)
a. O meu livro é este
b. O Nome da Rosa foi o livro que mais vendeu em 1982, livro
esse que tornou o seu autor mundialmente conhecido
c. O João, esse, anda todo contente
d. Essa é boa! Essa, não!
Além disso, parece-me que o equivalente sintáctico do
demonstrativo Francês celui não é em
Português, ao contrário do que seria de esperar, o
demonstrativo este, mas um artigo definido, presumivelmente
projectado em Dº:
(62)
a. Marie a acheté ceux pro de Paul
b. * Marie a acheté ces pro de Paul
c. A Maria comprou os pro do Paulo
Outro contexto sugere que, se o demonstrativo não ocupa
Dº, pode também não ocupar [Spec,DP]:
trata-se de frases com extracção como as seguintes, em
que se observa uma assimetria entre o artigo definido e o
demonstrativo:
(63)
a. [De quem]i é que viste ti o
carro ti ?
b. *? [De quem]i é que viste ti
este carro ti
As frases em (63) sugerem por um lado que o e este
não podem ocupar a mesma posição de
núcleo Dº --o que era esperado--, e, por outro, que a
extracção do genitivo só é boa quando o
demonstrativo não é projectado, isto é,
aparentemente quando a subida do constituinte extraído
não viola regras de Minimalidade. Observe-se que os dados de
(63) podem levar a concluir que algumas das projecções
alargadas do NP bloqueiam o movimento de constituintes para fora do
DP, presumivelmente as projecções funcionais cujos
especificadores tenham material lexical ou referencial, como é
o caso do demonstrativo. (63) sugere pois que, se o demonstrativo
não pode estar em Dº, poderia contudo estar em
[Spec,DP], na medida em que a presença de material
nesta última posição pode ser considerada como
um obstáculo à extracção de constituintes
--[Spec,DP] é uma posição
intermédia obrigatória para os constituintes WH movidos
para fora do DP. Contudo, os dados seguintes mostram que, na
hipótese de todos ocupar a mesma posição,
o demonstrativo também não pode ser considerado um
especificador de DP. O exemplo (64a) indica que o quantificador
todos ocupa uma posição mais alta que o
demonstrativo, que deve corresponder a [Spec,DP], e em (64b),
a operação de extracção pode ser
bloqueada pela presença de todos:
(64)
a. A Maria comprou todos estes livros do Saramago ontem
b. *? [De quem]i é que a Maria comprou
todos estes livros ti ?
Os exemplos anteriores indicam que o modelo apresentado em (59b) deve
ser ligeiramente revisto. Vou pois propor que o demonstrativo
é de facto em Português sempre um especificador, mas,
contrariamente àquilo que é sugerido por Sleeman,
Lobeck e Brito, não está nem em [Spec,DP],
posição que reservo para elementos como o quantificador
universal, com o qual o demonstrativo co-ocorre livremente ("todos
estes..."), nem em Dº. Proponho que, em Português, o
demonstrativo --tal como o possessivo e os demais adjectivos
atributivos-- seja também gerado em especificador de uma
projecção funcional específica. Denomino
DemP esta projecção funcional, e considero que
é projectada acima de QP e dos possessivos, mas abaixo de DP,
de modo a explicar a ordem Todos+Dem+Poss, Dem+Q e Dem+Poss+Q
nos seguintes exemplos:
(65)
a. Estes teus livros são raríssimos
b. Estes dois livros são caros
c. Estes teus dois livros são caros
d. Todos aqueles livros são caros
e. Estes pro são caros
De acordo com Drijkoningen (1993), os núcleos determinantes
serão formas não específicas, e os
especificadores formas fortes, ou específicas, o que equivale
a considerar que a especificidade de um constituinte pode ser (em
parte) determinada pela sua posição estrutural. Assumo
que em Francês, a categoria funcional DemP é
também projectada, sendo o demonstrativo fraco ce
gerado em Demº e o demonstrativo forte celui gerado em
[Spec,DemP] --ver a representação em (66).
Deste modo, a projecção funcional DemP permite, por um
lado, restabelecer o formato geral de legitimação de
nomes vazios por um especificador com base na relação
de Concordância Especificador-Núcleo, e permite, por
outro, dar conta das diferenças apontadas entre o
Português e o Francês por motivos de ordem estrutural. Os
demonstrativos que não admitem nomes vazios são aqueles
que estão em Francês em Demº, isto é,
aqueles que são núcleos. Quanto à
diferença evidenciada em (62), pode explicar-se pelos mesmos
motivos: seria a consequência do facto de o demonstrativo
Francês ces ser sempre um núcleo em Demº,
que, como tal, não pode legitimar um complemento vazio.
Estas observações são ilustradas em (66).
Note-se que os mecanismos de restrição semântica
que foram apontados para a estrutura em (59) devem aqui ser de novo
considerados: dois elementos definidos não podem co-ocorrer
numa expressão nominal. Precisamente, a
distribuição do traço [+definido] mostra
que são excluídas todas as combinações em
que haveria redundância, como le ce, o este ou
ce celui:
(66)
a. Francês

b. Português
