Na estrutura do DP proposta em
(79), as várias projecções funcionais acima de
NP podem todas conter no seu especificador elementos que permitem a
elipse do nome. A capacidade de um elemento legitimar a elipse do
nome não parece pois relacionada com a projecção
funcional na qual é projectado, nem com a sua
posição na estrutura. Por outro lado, os adjectivos que
não legitimam a elipse do nome também são
gerados em algumas dessas projecções funcionais. O
adjectivo intelligente em (81), por exemplo, é gerado
em [Spec,postAP], tal como os adjectivos de cor,
mas não legitima, segundo Sleeman, a elipse do nome.
Já que a possibilidade de um elemento legitimar a elipse do
nome não está relacionada com a projecção
funcional que o recebe, Sleeman propõe em alternativa que os
elementos que legitimam a elipse do nome devem ter em comum um
significado partitivo. Isto é claro no caso dos elementos que
se podem combinar com um PP partitivo (84a), como por exemplo os
ordinais em [Spec,ordAP]. Mas mesmo sem PP
partitivo, estes elementos ainda expressam um significado partitivo
(84b):
(84)
a. Je préfère le troisième de vos livres
b. Tu as lu tous ses livres? Non, je n'ai lu que le
troisième
Para a autora, partitivo não significa necessariamente
combinado com um PP partitivo, como em (84a). Sleeman refere a
proposta de Enç (1991), que associa partitividade e
especificidade. Segundo Enç, os DPs partitivos
incluídos num conjunto estabelecido no domínio do
discurso, como é o caso em (84), são sempre
específicos. Em ambos os casos em (84), existe um conjunto no
domínio do discurso, do qual o DP que contem o ordinal
troisième é um sub-conjunto. Em (84a), o PP
partitivo denota o conjunto de referência, e em (84b), o mesmo
é denotado pelo DP tous ses livres, situado na
oração anterior. Enç associa a partitividade a
uma leitura familiar (específica). Se o DP contem
informação que é mencionada no domínio de
discurso, não é pois informação nova, mas
antes familiar. Se o DP contem informação nova,
não há leitura específica. Um exemplo é
dado em (85): o DP duas meninas tem uma
interpretação específica, já que
há inclusão de um conjunto (duas meninas) num
conjunto presente no domínio de discurso (várias
crianças), pelo que o sub-conjunto contem
informação familiar.
(85) Várias crianças
entraram na sala. Duas (meninas) começaram a falar para
mim
Sleeman assume que a legitimação de nomes vazios --pelo
menos em Francês e línguas afins-- só é
possível se o nome vazio ocorre num DP com
interpretação partitiva/específica. DPs com nome
vazio devem ser associados a outro DP no contexto, porque o nome
vazio tem que receber interpretação. Sleeman usa o
termo partitivo de um modo informal: partitivo
significa propriamente ou impropriamente
incluído em, isto é, potencialmente mas
não necessariamente específico.
[52]
A partitividade assim vista implica a inclusão própria
ou imprópria num conjunto, e tem um papel importante na
legitimação dos nomes vazios. Sleeman distingue entre
elementos que implicam a inclusão num conjunto
--inclusão própria-- e elementos que não
implicam.[53]
Os primeiros são os quantificadores, superlativos, ordinais,
adjectivos como seul, autre, etc, todos eles elementos que
não denotam por si próprios propriedades e portanto
só podem ser usados como atributos para formar um
sub-conjunto. Sleeman usa a noção de D-partitividade
para referir este grupo de elementos. Os D-partitivos
--inerentemente partitivos-- permitem elipse do nome em todas as
Línguas Românicas e em Inglês.
D-partitivos distinguem-se de N-partitivos. Estes são
elementos que denotam eles próprios uma propriedade e podem
ser usados como predicados. Já que N-partitivos denotam uma
propriedade, o seu uso atributivo implica a intersecção
da propriedade denotada pelo adjectivo com a propriedade denotada
pelo nome. Essa intersecção forma um sub-conjunto do
tipo --Inglês kind-- denotado pelo nome. Para Sleeman,
os N-partitivos legitimam os nomes vazios em Francês, embora o
façam marginalmente em outras das línguas abordadas
--ver exemplos (78).
Uma parte substancial dos adjectivos são N-partitivos e podem
legitimar a elipse do nome: é o caso dos adjectivos de cor e
outros adjectivos classificadores de qualidade. Sleeman
propõe que estes elementos são partitivos num
sentido mais vasto: os adjectivos de qualidade que legitimam nomes
vazios devem expressar noções distintivas, como as
cores, e distinções do tipo bom/mau,
velho/novo, etc. Estes adjectivos de qualidade servem
universalmente para criar sub-conjuntos, e o seu uso é quase
naturalmente associado à existência de um conjunto de
referência. Neste aspecto, são próximos dos
D-partitivos, mas os adjectivos de qualidade não formam
necessariamente sub-conjuntos --também podem ser usados
predicativamente--, enquanto os D-partitivos formam necessariamente
sub-conjuntos. Para Sleeman, adjectivos de qualidade que expressam
noções distintivas, são suficientemente
partitivos para legitimar nomes vazios. Estes adjectivos, que
podem criar um sub-conjunto de um conjunto denotado pelo nome, mas
que não têm forçosamente essa
função, são pois N-partitivos, isto é,
acidentalmente partitivos. Um pequeno número de adjectivos de
qualidade são N-partitivos, mas os restantes não
são nem D-partitivos nem N-partitivos, e não podem
legitimar a elipse do nome.
Embora esta proposta permita explicar casos salientes em
línguas como o Francês, Sleeman nota que a
presença de um elemento partitivo --N-partitivo ou
D-partitivo-- no DP não chega no entanto para legitimar a
elipse do nome:
(86) * c'est la troisième
intéressante.
Este exemplo mostra claramente que o partitivo deve ser adjacente ao
nome vazio[55],
e não separado dele, o que leva Sleeman a acrescentar ao
requisito de traço [+partitivo] para legitimar a
elipse do nome, a noção de regência
estrita.[56]
Como os quantificadores e adjectivos intransitivos são gerados
em especificador de projecções funcionais de NP,
não podem estruturalmente reger estritamente o NP da sua
posição. A Concordância
Especificador-Núcleo --entre o adjectivo e o núcleo
funcional-- faz no entanto com que o núcleo vazio da
projecção funcional seja capaz de reger estritamente o
NP vazio.[57]
Nestes casos, o núcleo funcional torna-se no regente estrito
por Concordância Especificador-Núcleo.[58]
Em suma, a elipse do nome é legitimada por um elemento
[+partitivo] que rege estritamente o nome vazio. Esses
requisitos são formulados a seguir (Sleeman 1996:39):
(87)
Regência estrita de nomes elípticos em Francês
[e] deve ser canonicamente regido por um núcleo
funcional (ou o seu especificador) marcado por
[+partitivo].
Embora o traço [+partitivo] possa ser
morfológico --forte-- em algumas línguas, para
Sleeman, a partitividade é um traço semântico e
não morfológico, e tem um papel importante na
legitimação dos nomes vazios, já que indica como
um antecedente pode ser recuperado do contexto. Embora não
seja um traço morfológico, Sleeman propõe que
[+partitivo] legitima todos os casos de elipse do nome,
incluindo os casos em que Lobeck atribui um papel central aos
traços [+plural] (these) ou
[+possessivo] (Mary's). Se para Lobeck, os nomes
vazios são ao mesmo tempo formalmente legitimados e
identificados por um núcleo regente marcado por
Concordância Forte, para Sleeman, elementos com um significado
partitivo podem formalmente legitimar a elipse do nome. Esses
elementos não identificam no entanto necessariamente o
conteúdo do nome vazio.
Sleeman refere Rizzi (1986), para
quem pro não só deve ser formalmente legitimado,
mas também deve ser identificado, e o legitimador formal de
pro é também o seu identificador --ver
capítulo 1. O exemplo padrão é o sujeito
pro, que deve ser identificado por I por meio dos
traços de pessoa e número, que também permitem a
recuperabilidade do contexto. Assim, a diferença de
gramaticalidade em (88) seria devida ao facto de em (88a) o nome
elíptico poder ser identificado por I, enquanto em (88b), I
não pode identificar pro --o DP está em
posição objecto. Demarcando-se da análise
anterior, Sleeman propõe, de acordo com o que foi já
sugerido, que NP pro é formalmente legitimado por um
elemento com significado partitivo que o rege estritamente, mas deve
ser identificado por um elemento partitivo com um significado
específico.
(88)
a. Trois pro arriveront demain
b. * j'ai lu trois pro
c. j'ai lu trois pro de ses livres.
A diferença de gramaticalidade entre (88a.c) e (88b)
terá a ver com a atribuição de
interpretação específica ou não
específica ao DP sem nome. Sleeman sugere que, do mesmo modo
que pro sujeito nulo é a contrapartida vazia dos
pronomes nominativos da 3º pessoa do sing, NP pro
é a contrapartida vazia de um pronome quantitativo, que
é en em Francês. Propõe que NP pro,
além de ser legitimado pelo traço [+partitivo],
é também identificado como um pronome partitivo.
A legitimação formal e identificação de
NP pro consiste pois em fornecer o traço
[+partitivo] ao pronome vazio. Esta legitimação
sintáctica de NP pro deve no entanto ser distinguida da
sua interpretação: um elemento local --um regente
estrito-- legitima NP pro como um pronome partitivo vazio, mas
um antecedente discursivo deve fornecer-lhe conteúdo
semântico.
Sleeman assume que, do mesmo modo que os pronomes explícitos,
os pronomes vazios também referem um nome no contexto. Sendo
um pronome vazio, NP pro deve referir também um nome no
contexto, mas tal só é possível se o DP que
contem NP pro tiver um significado específico.
Uma leitura específica é necessária para o DP
sem nome ser ligado ao seu antecedente. Partitivos como três
dos seus livros em (88c) referem conjuntos que são
sub-conjuntos do referente do DP contido no PP partitivo
(livros), o que implica que, retomando Enç (1991), os
partitivos são necessariamente específicos. Um PP
partitivo fornece necessariamente a um elemento partitivo uma leitura
específica.[61]
Nesse caso, o conteúdo do nome vazio é naturalmente
recuperado do referente discursivo --o PP partitivo. A especificidade
assegura que o referente do DP denotador está ligado a um
referente discursivo anteriormente estabelecido.
Objectos DP indefinidos, por seu lado, têm em princípio
uma interpretação não específica, o que
explica por que razão (88b) é agramatical: o DP sem
nome trois não tem interpretação
específica, pelo que NP pro não pode ser ligado
a um antecedente. Uma maneira de salvar esta construção
seria inserir o pronome explícito en, o que torna o DP
específico --en é inerentemente
específico. A especificidade pode tornar possível a
associação a um antecedente. Sleeman conclui que a
elipse do nome implica sempre a inclusão de um sub-conjunto
num conjunto denotador específico previamente estabelecido.
Elementos com um significado partitivo legitimam formalmente NP
pro, e a especificidade do elemento antecedente identifica NP
pro.
As frases seguintes ilustram este princípio geral: o
adjectivo, de tipo semântico adequado, legitima o nome vazio, e
a leitura contextual identifica-o: [62]
(89)
a. Je préfère les deux premiers [e]
b. Ce sont les deux seules vertes [e] que nous ayons
A tese geral de Sleeman é
pois que, em Francês, a elipse do nome é legitimada por
um elemento [+partitivo] que rege estritamente o nome vazio.
Põe-se a questão de alargar esta proposta a outras
línguas. Em Inglês, a elipse do nome é
possível com D-partitivos (90a), mas não com
N-partitivos (90b):[64]
(90)
a. This is the third (one)
b. I will take the small *(one)
Estes factos mostram que a elipse do nome em Inglês confirma a
análise para o Francês. Em Inglês o significado
partitivo do adjectivo tem um papel crucial na
legitimação dos nomes vazios, ainda mais claramente que
em Francês: em Inglês só os D-partitivos e
(marginalmente) alguns adjectivos claramente opostos admitem a elipse
do nome.[66]
Em Italiano, os D-partitivos também legitimam a elipse do
nome. Os adjectivos de cor e os adjectivos de qualidade são no
entanto marginais (91c):
(91)
a. Tre sono sulla tavola
b. Preferisco il primo
c. ?? Ho preso il piccolo
Em Espanhol, a elipse do nome é possível com
D-partitivos e N-partitivos, como em Francês. No entanto,
adjectivos de qualidade não N-partitivos também
legitimam a elipse do nome (92c). Neste aspecto, o Espanhol parece-se
com as Línguas Germânicas, em que a elipse do nome
é possível com praticamente todos os tipos de
adjectivos flexionados:
(92)
a. Juan ha visto dos libros, y Maria ha visto tres
b. De estos vestidos, yo prefiero el azul
c. Se casó com la inteligente
Sleeman conclui no entanto que, como em Inglês, Francês e
italiano, a elipse do nome em Espanhol não tem nada a ver com
a flexão adjectival. Como o Espanhol tem o mesmo tipo de
flexão adjectival que as outras Línguas
Românicas, é provável que a elipse do nome em
Espanhol também não seja legitimada pela flexão
adjectival, mas por partitividade. O facto de NP pro ser
possível num DP indefinido (92a) explica-se propondo que a
especificidade não é exigida, tal como em Inglês,
porque também o Espanhol não tem pronome quantitativo
explícito --ver nota 59, p.4. Por seu lado, a gramaticalidade
de (92c) é surpreendente, já que invalida a ideia de
legitimação por um partitivo. O adjectivo
inteligente não é de facto N-partitivo, e
não deveria legitimar a elipse do nome. A resposta de Sleeman
consiste em aproximar (92c) de casos de elipse do nome com relativas
restritivas ou PPs genitivos:
(93)
a. Los pro que enviaron al hospital estaban muy graves
b. Prefiero los pro de Maria
Sleeman analisa estes casos como sendo uma categoria vazia
--elíptica-- legitimada pelo artigo. Para Sleeman, o artigo
definido pode --em Espanhol-- legitimar a elipse do nome, exactamente
do mesmo modo que os elementos com um significado partitivo. Sleeman
sugere que, neste tipo de caso, o artigo definido é
precisamente um pronome, que pode ser comparado ao Italiano
quello e ao Francês celui, seguido de um
adjectivo ou uma relativa. Em (92c) e (93), o artigo é de
facto um pronome seguido de um nome vazio e legitima o próprio
nome vazio, porque tem um significado específico, e tem pois
uma função partitiva: forma um sub-conjunto de um
conjunto maior. Tal como na elipse do nome com elementos partitivos,
o pronome/artigo tem um significado discriminativo que legitima o
nome vazio, mas precisa de uma relativa ou um PP genitivo --ou um
adjectivo, em (92c)-- para referir o seu antecedente. Sendo assim,
este material de identificação pode ser interpretado
como um predicado, e Sleeman considera-o basicamente engendrado
à direita do nome vazio. Se o adjectivo em (92c) é
predicativo, não pode legitimar o nome vazio.[70]
Em suma, qualquer adjectivo de qualidade é possível
neste tipo de elipse do nome com artigo definido e adjectivo
predicativo interno.[71]
Sendo assim, todos os casos de elipse do nome em Espanhol são
legitimados por partitividade, tal como nas línguas já
vistas.
Mais geralmente, a discussão mostra que, em todas as
línguas analisadas, a elipse do nome é legitimada por
D-partitivos, mas nem sempre por N-partitivos. A
delimitação do conjunto de N-partitivos sugere que os
elementos legitimadores podem ser hierarquicamente ordenados, com a
sua posição na hierarquia relacionada com a
legitimação de pro. O nível um da
escala é ocupado por D-partitivos, que universalmente
legitimam nomes vazios. Os níveis seguintes são
ocupados por N-partitivos (Sleeman 1996:152):
(94)
1. D-partitivos (quantificadores, pronomes, superlativos, ordinais,
etc)
2. Adjectivos de cor
3. Adjectivos como bom/mau, pequeno/grande, novo/velho
4. Todos os outros adjectivos de qualidade
Concluindo, a análise proposta por Sleeman sugere que, ao
contrário das Línguas Germânicas e Escandinavas,
em que o nome vazio pro é legitimado pela flexão
adjectival, nas Línguas Românicas, uma parte
significativa dos adjectivos não legitima a elipse do nome,
mesmo quando flexionam. Uma estratégia alternativa é a
elipse do nome ser legitimada por regência estrita por
elementos com um significado partitivo. Esses elementos são
D-partitivos --inerentemente partitivos-- ou N-partitivos --alguns
adjectivos de qualidade com força discriminativa, que
só são partitivos a nível cognitivo, envolvendo
familiaridade com um conjunto expressando um tipo. Esta
estratégia implica que o nome vazio é identificado por
interpretação específica, requerida para a
ligação do DP sem nome ao seu
antecedente.[73]
Sendo baseado em traços semânticos realizados nos
constituintes do DP, o modelo de Sleeman difere dos de Lobeck e
Kester. Na verdade, o seu sistema assenta essencialmente numa
solução semântica da elipse nominal, em que o
traço [+partitivo] assume um papel preponderante. Do
ponto de vista formal, Sleeman reduz a configuração
elíptica a uma situação de regência
estrita, que podemos interpretar como derivada do modelo geral do
ECP. A questão que se nos coloca é de saber se a
construção elíptica pode ser reduzida a uma
construção partitiva, e se os mecanismos
sintácticos subjacentes devem ser limitados ao
princípio da categoria vazia.