A reflexão sobre as
condições de ocorrência de nomes nulos em
contexto adjectival leva a autora a assumir, por um lado, que estes
são submetidos a condições de
legitimação e identificação, e, por
outro, que a morfologia flexional adjectival tem um papel de relevo
na sua resolução.
Kester distingue os casos em que o conteúdo do nome nulo
é recuperado por um antecedente lexical no contexto --aquilo a
que se costuma chamar elipse--, e os casos em que o nome nulo
é permitido por traços inerentes. Segundo Kester, a
morfologia flexional tem sempre um papel em todas estas
construções por razões de
legitimação. Quanto à
identificação do nome nulo, o seu conteúdo
semântico é recuperado por um antecedente lexical, no
caso de construções elípticas, e em casos de
nome nulo com traços inerentes, o seu conteúdo
semântico é tornado visível ao nível
interpretativo por meio de morfologia adjectival especial ou por
traços de género gramatical expressos pelo D. Sendo
assim, a morfologia adjectival implicada corresponde ou à
flexão habitual típica do adjectivo, ou a flexão
adjectival especial realizada por razões de
identificação.
O quadro geral sobre categorias
vazias adoptado por Kester, é Rizzi (1986), por um lado, e por
outro, Lobeck (1995). Kester observa que em Inglês não
há elipse --ver (42a)--, ao contrário das outras
Línguas Germânicas e das Línguas Românicas.
Para estas últimas línguas, Kester retoma a tese de
Lobeck (1995) segundo a qual a categoria vazia associada a este tipo
de frases é um pronome vazio não-lexical,
correspondente a pro, que partilha várias propriedades
com os pronomes (ver parágrafo 2.3.1). Kester observa que a
distribuição de pro pode ser significativamente
estendida de modo a contemplar pro elíptico, como em
(42b).
(42)
a. * John bought the red car and [the
green]
b. Jan kock de rode auto en [de groene pro]
O João comprou o carro vermelho e o verde
Relativamente às condições de
legitimação e identificação de pro
elíptico, a legitimação formal corresponde
à sua distribuição num contexto determinado, e a
identificação envolve o meio pelo qual o
conteúdo do elemento nulo é determinado. O pronome
não-lexical pro envolve legitimação
formal por um núcleo regente especificado por certos
traços fortes, e o seu conteúdo semântico
é recuperado contextualmente. A definição do
tipo de traços legitimadores de pro é crucial.
Kester retoma as reflexões de Lobeck (1995) segundo a qual
núcleos funcionais marcados por traços fortes
[+Possessivo], [+Plural] e [+Partitivo] podem
reger estritamente os seus complementos apagados. Kester considera
também os traços-Õ--número,
género, pessoa--, e traços como definido, humano,
massivo, que podem servir para justificar a presença de
propriedades semânticas codificadas em sintaxe. Sendo assim, o
conjunto de traços legitimadores inclui traços
morfologicamente realizados, como [+Plural], mas
também traços semânticos, como
[+humano].
No caso de legitimação e identificação de
pro em contextos adjectivais, pro elíptico
envolve legitimação formal por um núcleo
regente, mas o seu conteúdo semântico é
forçosamente recuperado por um antecedente contextual. Nestes
casos de elipses contendo pro não referencial, os
traços fortes não conseguem fornecer a totalidade do
conteúdo semântico de pro, só parecem
servir para tornar pro interpretável.[23]
É assim possível justificar por que pro
elíptico é excluído em línguas como o
Inglês: o adjectivo em (42a) não tem traços de
acordo fortes, e falha portanto em legitimar
pro.[24]
Mas as mesmas elipses são boas em línguas em que o
adjectivo está marcado por traços fortes: é o
caso do Neerlandês em (42b), e também do Alemão,
na frase seguinte:
(43)
Ich möchte das alte Buch kaufen aber Sie möchten das Neue
[e]
Eu queria o velho livro comprar mas tu querias o novo
Eu queria comprar o livro velho mas tu querias o novo.
Kester vai no entanto alterar substancialmente as propostas de
Lobeck. A primeira alteração prende-se com a
configuração sintáctica exigida pelos nomes
nulos. Outra alteração significativa tem a ver com o
abandono da ideia de traços fortes. Contrariamente a Lobeck,
Kester opta pelo modelo de Cinque (1993), que coloca os adjectivos em
[Spec,XP] entre NP e D. Neste caso, os adjectivos não
têm condições estruturais para reger pro,
mesmo marcados por traços fortes[26].
Kester propõe, em alternativa, que a legitimação
e identificação de pro em contextos adjectivais
envolve regência estrita por um núcleo funcional
determinado, que recebe do adjectivo por Concordância
Especificador-Núcleo os traços requeridos. O indicador
(44) retoma a construção elíptica das
Neue da frase em (43). Nesta análise, o adjectivo atribui
traços por Concordância Especificador-Núcleo ao
núcleo da projecção funcional (Fº),
transformando-o num regente estrito de pro:
(44)
Este quadro teórico
também questiona a importância dos traços
específicos legitimadores de pro. Referindo o caso do
Neerlandês, Kester nota que o morfema schwa não
parece associado ao conjunto específico de Õ-features,
legitimadores de pro no quadro de Lobeck, pelo que, em
Neerlandês, tal como em Inglês, não deveria haver
elipses, e frases como (42c) deveriam ser agramaticais. Em
alternativa, Kester admite que é a própria
flexão schwa em Neerlandês que é crucial
por razões de legitimação formal: a
flexão transforma o núcleo Fº num regente estrito
por núcleo, sendo o conteúdo semântico de
pro recuperado por um antecedente sintáctico. A
presença da própria flexão adjectival, e
não a presença de determinado traço, é
que teria um papel central na distribuição dos nomes
nulos. Kester associa assim explicitamente a presença da
flexão adjectival com a ausência do nome.
Baseando-se nos dados da elipse em Neerlandês, a autora
estabelece uma distinção clara entre
legitimação formal e identificação do
nome nulo pro. Nalguns casos, pro é legitimado
por flexão adjectival, cabendo a uma estratégia
alternativa identificar o nome nulo. Noutros casos, pro
é ao mesmo tempo legitimado e identificado pela flexão.
Desta última ocorrência, Kester dá como exemplo
aquilo a que chama construção partitiva
genitiva[28]
(CPG), caracterizada pela flexão [-s],
exemplificada na frase seguinte:
(45)
Er is [its verschrikkelijks] gebeurd
Há qualquer coisa terrível acontecido
Aconteceu alguma coisa terrível
Duas das questões levantadas por este tipo de
construção são as da estrutura sintáctica
da CPG e do estatuto do morfema [-s]. A proposta de
Kester para a CPG em Neerlandês, é que o adjectivo
está numa posição pré-nominal, o que
implica que a CPG inclui um nome nulo pro. A
configuração sugerida é a seguinte, tendo como
exemplo a CPG veel leuks (lit. muito de linda):
(46)
Na estrutura apresentada, vê-se que pro é
caracterizado pelo traço [+massivo]. Esta
hipótese é apoiada, por um lado, pelo conjunto de Ds
iniciais --só Ds compatíveis com [+massivo] se
encontram na CPG--, e, por outro, pelo facto de o verbo na
oração em que a expressão nominal pode ser
sujeito estar sempre no singular. Kester considera que o morfema
[-s] é um exemplo de morfologia casual
especial, relacionada com a presença do nome nulo pro
caracterizado como [+massivo].
No espírito de Rizzi (1986), Kester propõe pois que
pro está sujeito a condições de
legitimação e identificação, neste caso
verificadas pela morfologia flexional presente no adjectivo. A
morfologia adjectival transforma o núcleo funcional Fº
num regente estrito, possibilitando as condições de
legitimação formal de pro. Demais, o morfema
casual [-s] torna pro, especificado por
[+massivo], visível a nível da
interpretação, pelo que o pronome não-lexical
pro é ao mesmo tempo legitimado e identificado por
morfologia adjectival especial[31].
No mesmo capítulo, Kester
aborda as construções envolvendo nomes nulos marcados
por traços [+humano] ou [+abstracto], e
defende que este tipo de pro é formalmente legitimado
pela morfologia adjectival, mas que a sua identificação
se processa de maneira diversa. Relativamente àquilo que
rotula de construção humana, Kester nota que, se
o Inglês não admite pro elíptico em
construções como (47a), exigindo sempre a forma plena
one, admite no entanto algumas construções do
tipo: the poor, the rich, the French, etc, como
em (47c):
(47)
a. * the red car and [the green
pro]
b. the red car and [the green one]
c. [The rich pro] are lonely
Exemplos como (47c) são muito limitados, já que
só se referem a humanos[33]
e têm uma interpretação marcadamente
genérica. Demais, levantam a questão de saber se
correspondem a uma verdadeira construção adjectival, ou
se serão antes o resultado de uma nominalização,
hipótese clássica contra a qual Kester argumenta.
Depois de demonstrar que a hipótese da
nominalização é inviável --os adjectivos
envolvidos na construção humana não verificam as
características dos verdadeiros nomes[34]--,
Kester assume que também a construção humana
consiste num adjectivo seguido do nome nulo pro. Os exemplos
estudados mostram que pro é de facto [+humano],
[+genérico] e [+plural], pelo que Kester
conclui que, nas construções humanas, esses são
traços por defeito --inerentes-- de pro. Isto parece
corresponder à única instância de pro
legitimada em Inglês: traços diferentes dos referidos
levam à proibição de pro, como em (47a),
em que pro não é nem [+humano] nem
[+genérico].
Estabelecendo um paralelismo com a análise de Rizzi (1986)
sobre pro objecto nulo em italiano, Kester observa que a
interpretação por defeito --arbitrária, na
terminologia de Rizzi-- é obtida na ausência de
morfologia flexional. Relativamente às
construções adjectivais do tipo (47c), Kester nota que,
como para o pro objecto nulo arbitrário, também
aqui não há morfologia flexional nem antecedente
lexical dos quais o seu conteúdo semântico possa ser
recuperado: nestas construções adjectivais, a
interpretação por defeito é assumida.
Outra observação relevante de Kester é a de que
os adjectivos envolvidos na construção humana têm
um plural irregular, que é o morfema [-n] em
vez de [-s][35].
Crucialmente, o morfema [-n], quando escolhido, induz
uma interpretação arbitrária de tipo
[+humano, +genérico, +plural]. Para Kester, este
morfema é uma flexão adjectival cuja utilidade é
legitimar e identificar pro marcado por traços
inerentes[36].
(48)
a. De blinden / * blindes (os
cegos)
b. De ziecken (os doentes)
Os factos anteriormente expostos permitem concluir que o contraste
inicialmente denunciado em (47) se pode explicar em termos de
ausência / presença de morfologia flexional
[38].
Os adjectivos em Neerlandês são flexionados por
[-e] em todos os casos de pro, humano ou
elíptico --ver (42b) e (48)--, enquanto em Inglês os
adjectivos não manifestam nenhuma flexão. En
Neerlandês, [-e] é realizado nas
construções humanas em todos os adjectivos, mesmo os
que não flexionam habitualmente na presença de um nome
pleno. Claramente, [-e] não corresponde ao
padrão da flexão adjectival e deve ser realizado por
outros motivos. Kester assume que o é por razões de
legitimação formal: [-e] é um
legitimador formal de pro, embora não o consiga
identificar.
A seguinte tendência desenha-se no modelo de Kester: no caso da
elipse do nome, a presença de um antecedente lexical
contextual torna possível a recuperação
semântica, sendo pro formalmente legitimado pelo
núcleo Fº. Quando não há antecedente
lexical --quando há traços inerentes--, várias
estratégias surgem: ou há uma flexão adjectival
especial [-n] quando pro tem os traços
[+humano, +plural, +genérico], e nesse caso
[-n] é suficiente marcado para tornar
pro visível na LF; ou, nos casos de
construção inerente não-humana, assume-se que o
conteúdo de pro é legitimado por
[-e] e é identificado sob Concordância
Núcleo-Núcleo pelo traço gramatical de
género de D. Neste último caso, Kester propõe
que existem --em Neerlandês-- regras de redundância
lexical segundo as quais pro com traços inerentes
humanos é identificado pelo artigo definido não-neutro
de. Estas mesmas regras implicam um pro com
traços inerentes não humanos, identificado pelo artigo
definido neutro het, construção que Kester
rotula de abstracta. D com traço gramatical [±
neutro] pode pois seleccionar por Concordância
Núcleo-Núcleo uma projecção funcional
específica ligada à interpretação
abstracta, e ela própria regente de pro. Os casos de
construção humana e abstracta referidos são
exemplificados a seguir:
(49) legitimação
identificação
pro
elíptico flexão
[-e] antecedente
lexical construção
partitiva [+massivo] flexão
[-s] flexão
[-s] pro construção
humana genérica flexão
[-e] flexão
[-n] construção
humana flexão
[-e] Género em D
construção
abstracta flexão
[-e] Género em D
a. blinden pro (os cegos)
b. de besprokene pro (a pessoa de que se falou)
c. het besprokene pro (aquilo de que se falou)
Proponho no quadro (50) uma síntese dos casos de pro em
construção adjectival analisados por Kester para o
Neerlandês A observação do quadro leva a concluir
que a flexão adjectival em Neerlandês, habitualmente
considerada como pobre, possibilita no entanto uma variedade de
construções com pro.
(50)
inerente
[+humano, +plural,
+genérico]
[+humano,-plural]
(de
[-neutro])
[-humano,
-plural]
(het
[+neutro])
Além do Neerlandês, põe-se a questão da
relação entre morfologia flexional e nomes nulos nas
outras Línguas Germânicas, e também nas
Línguas Escandinavas e Românicas, conhecidas pelo seu
sistema flexional variado. A análise apresentada por Kester
indica que, em todos os casos citados, a morfologia flexional do
adjectivo tem um papel relevante na legitimação do
pro elíptico ou inerente.
Em Alemão de acordo com o que foi assumido, existem
também construções humana e abstracta, já
que os adjectivos são flexionados e pro pode ser
formalmente legitimado pela flexão do adjectivo. Em elipses,
pro tem um antecedente lexical e na ausência de
antecedente lexical, isto é, em construções
humanas, são os traços inerentes que tornam pro
visível em LF, pelo género de D que pode levar a
distinguir [+neutro] e [-neutro] --ver
(51).[41]
Além disso, como o Alemão distingue entre masculino,
feminino e neutro, encontra-se não só a
construção abstracta com género neutro, mas
também dois tipos de construções humanas,
masculina e feminina --ver (52):
(51)
a. der Blinde pro überquerte die Strasse
O cego atravessou a rua
b. das Gute pro an der sache ist, dass er immer rechtzeitig
ist
O bom neste caso, é que chega sempre a horas
c. er hat den roten Wagen und [den grünen pro]
gekauft
Ele comprou o carro vermelho e o verde
(52) der / die / das Alte pro (o homem / a mulher / a coisa
velho(a))
Para as Línguas Românicas, Kester cita o caso do
Espanhol, que segue o mesmo tipo de padrão relativamente
às construções humana, abstracta e
elíptica: [44]
(53)
a. los extremamente ricos pro
b. lo verdaderamente interessante pro
c. los libros verdes y los rojos pro
É interessante notar que a forma do artigo definido lo
aparece na construção abstracta. A
tradição gramatical distingue entre masculino e
feminino para nomes, correspondendo aos artigos el e
la, mas no caso de pro legitimado por um adjectivo,
existe uma terceira distinção associada à
interpretação abstracta[46].
Estas construções são iguais às referidas
para o Alemão em (52): existem duas construções
humanas, masculina e feminina, e existe uma construção
abstracta, neutra. Esta distinção não parece
existir nem em Português nem em Francês, línguas
em que as flexões de masculino e neutro se confundem.
(54)
a. el bueno pro y el malo pro de la película
O bom (herói) e o mau da fita
b. la buena pro y la mala pro
A boa (heroína) e a má
c. lo bueno pro y lo malo pro
O bom (aspecto) e o mau
Em suma, Kester assume, ao contrário de Lobeck, que a
legitimação de pro implica regência por um
núcleo funcional com um Especificador marcado por
flexão explícita. Isto baseia-se em factos segundo os
quais é a presença da flexão adjectival, e
não a presença de determinado traço, que
legitima pro. Adjectivos flexionados tornam, sob
Concordância Especificador-Núcleo, um núcleo
funcional Fº num regente estrito de pro. Embora os dois
pro distinguidos por Kester sejam sempre legitimados pela
flexão, diferem contudo na sua identificação. Se
a elipse é sempre identificada contextualmente por um
antecedente lexical, existem estratégias variadas para
pro com traços inerentes: o uso de morfologia
adjectival especial, como [-s] ou [-n],
ou o uso de traços de género gramatical realizados no
D.