Segundo Lobeck, as
condições de legitimação e
identificação anteriormente definidas para a elipse em
Inglês podem ser alargadas a outras línguas, como o
Alemão e o Francês. Embora estas línguas tenham
um sistema de traços de acordo diferente dos do Inglês,
também aqui D e NUM regem complementos vazios. Além
disso, o Alemão suporta a ideia de que outros Xº, desde
que providos de traços fortes, podem legitimar e identificar
elipses nominais: é o caso de adjectivos pré-nominais,
marcados por Caso, número e género. Quanto ao
Francês, a distribuição dos complementos vazios
de D e NUM é mais restritiva que em Alemão e em
Inglês. Embora haja em Francês Ds e NUMs marcados por
traços fortes, nem sempre estes legitimam e identificam NP
vazios. Essas diferenças dão origem a um
parâmetro de identificação da elipse, segundo o
qual o número de traços requeridos por um núcleo
legitimador de elipse é proporcional ao número
máximo de traços nominais possíveis.
Referindo-se ao Alemão, Lobeck demonstra que no DP nessa
língua também existem as duas categorias funcionais
anteriormente evidenciadas para o Inglês, D e NUM. Para tal,
Lobeck faz notar que em Alemão, os quantificadores definidos
não podem ser antecedidos de outros determinantes, o que
é óbvio se se admitir que ocupam a
posição D. Como em Inglês, estes quantificadores
estão em distribuição complementar com o
demonstrativo e o artigo definido, que também ocupam
D. [10]
Todos estes elementos podem também ser seguidos de numerais ou
de adjectivos pré-nominais. Por outro lado, os numerais e os
quantificadores indefinidos podem em Alemão ser antecedidos de
elementos definidos, e seguidos de adjectivos pré-nominais.
Relativamente aos adjectivos pré-nominais, Lobeck observa que
são flexionados em função do elemento
antecedente, e que seguem sempre todos os elementos determinantes,
definidos e indefinidos, tal como em Inglês, pelo que assume
que o adjectivo pré-nominal está em [Spec,NP],
e só se distingue do Inglês na medida em que expressa
traços de acordo como D e NUM. Estas observações
são ilustradas em (26a.b), e representadas em (26c):
(26)
a. Die fuenf schoenen Madchen
as cinco bonitas raparigas
b. Diese zwei guten Buecher
estes dois bons livros
c.
Vejamos agora os casos habituais das elipses do nome. Os exemplos em
(27) ilustram que elementos com terminações fortes
legitimam e identificam um complemento vazio no DP. O exemplo (27a)
é ilustrado em (27c):
(27)
a. Hans sagt der Mann war gestern nicht hier, aber den [e]
habe ich gestern gesehen
Hans disse o homem foi ontem não aqui, mas o [e] tenho
eu ontem visto
Hans disse que o homem não esteve aqui ontem, mas eu
vi-o
b. Peter und ich haben die Maenner gesehen, und ich habe einen
[e] sogar fotografiert
Peter e eu temos os homens visto, e eu tenho um [e]
até fotografado
Peter e eu vimos os homens, e eu até fotografei
um.
c.
Como se vê em (27c), D preenchido com den legitima e
identifica o NP vazio sob GTC, o que está em
contradição com o que foi assumido em Inglês para
o artigo correspondente the. No entanto, em Alemão,
den é marcado por traços morfologicamente
realizados de Caso e género, pelo que está marcado por
Concordância Forte e rege estritamente por núcleo o
complemento vazio de NUM[13].
Lobeck faz notar que quando D não tem traços fortes,
como no caso de elementos de tipo ein, com
terminações fracas, a elipse não é
boa:[14]
(28)
Peter hat ein altes Auto gekauft. * Hat Maria auch ein [e]
gekauft?
Peter tem um velho carro comprado. Tem Maria também um
[e] comprado?
O Peter comprou um carro velho. A Maria também comprou
um?
Vejamos agora os quantificadores indefinidos em NUM. Estes
quantificadores são [+plural] e também
têm Caso, pelo que a elipse também é aqui
esperada, já que NUM está marcado por
Concordância Forte. A mesma conclusão pode ser tirada
para os numerais, que realizam morfologicamente [+plural], e
que também admitem complementos vazios. Ilustram-se estes dois
tipos a seguir:
(29)
Er hat zwei/wenige Artikel geselen heute, und ich will morgen
drei/viele [e] lesen
Ele tem dois/poucos artigos lido hoje, e eu terei amanhã
três/muitos [e] lido
Ele leu dois/poucos artigos hoje, e eu lerei três/muitos
amanhã.
Assim como os elementos com terminações fortes,
também os elementos com terminações fracas podem
em Alemão admitir complementos vazios:
(30)
a. Die Buecher hier sind sortiet, aber die vielen [e]
dort drueben sind durcheinander
os livros aqui estão arrumados, mas os vários por ali
estão misturados
estes livros estão arrumados, mas aqueles estão
todos misturados
b. Ich traf einige Studenten, und die jungen [e] wollen mit
mir sprechen
eu encontrei alguns estudantes, e os novos queriam falar
comigo
A gramaticalidade de (30a) justifica-se plenamente, já que NUM
é preenchido com um quantificador indefinido que realiza os
traços [+Plural] e [+Caso]. Quanto a (30b), a
sua gramaticalidade é surpreendente, já que implica que
o adjectivo pré-nominal jungen, que se assumiu
anteriormente estar em [Spec,NP], é capaz de legitimar
e identificar um complemento vazio --o adjectivo realiza
traços fortes de [+Plural] e [+Caso]. Na
medida em que o adjectivo não é visto como um Xº,
não deveria ser considerado como um regente estrito potencial,
pelo que esta frase levanta um obstáculo. Lobeck resolve-o
optando pela teoria de Travis (1988), segundo a qual o adjectivo
pré-nominal é um núcleo Xº adjunto a uma
projecção de N. Nesta hipótese, um adjectivo
Xº que realiza traços morfológicos pode ser
considerado como capaz de identificar e legitimar um NP vazio.
Conclui-se portanto que em Alemão D, NUM, e A
pré-nominal podem realizar os traços fortes
[+Possessivo], [+Plural], [+Caso] e
[+Género]. A distribuição da elipse de
NP em Alemão é pois a esperada, numa análise em
que os pronomes vazios devem ser identificados por Concordância
Forte para serem visíveis para a reconstrução.
Tal como em Inglês, um único traço forte chega
para identificar um NP vazio.
Também como em Inglês, o traço
[+Partitivo] pode ser morfologicamente realizado em
Alemão nos quantificadores indefinidos e definidos, e nos
numerais. No entanto, esses mesmos elementos distinguem-se do
Inglês na medida em que realizam ainda Caso--no plural--, e
género. É pois de concluir que o núcleo
elíptico será regido por núcleo por quaisquer
destes elementos, já que D ou NUM preenchidos com um
quantificador realizam sempre no mínimo o traço forte
[+Partitivo]:
(31)
Ich sah viele ihrer Buecher, and zwei/wenige/viele/einige/mehrere
[e] waren sehr teuer
Eu vi muitos dos seus livros, e
dois/poucos/muitos/alguns/vários eram muito caros
Relativamente às expressões nominais quantificadas,
podemos pois concluir que têm uma distribuição
idêntica ao Inglês. No entanto, os quantificadores
estão em Alemão marcados por vários
traços, nomeadamente o Caso, o partitivo, o número e o
género. Sendo assim, os quantificadores plurais em
Alemão podem ser analisados como marcados pelo menos por
[+Partitivo], [+Plural] e [+Caso], numerais e
quantificadores singulares por [+Partitivo], [+Caso]
e [+Género], enquanto numerais plurais têm
obviamente os traços [+Partitivo] e
[+Plural].
O caso do Francês permite à autora assumir que esta
língua se situa entre o Inglês e o Alemão
relativamente aos traços de acordo morfológico
realizados no domínio do nome. Se [+Plural] é
em Francês um traço muito produtivo nos determinantes, o
traço [+Género] só aparece no
singular[19],
e não existe qualquer traço [+Caso]. Mais
precisamente, os determinantes podem realizar as
combinações de traços [-Plural,
+Género] (le/la), ou [+Plural] (le/la/les), de
acordo com N, mas, ao contrário do Alemão, não
realizam [+Caso]. Os quantificadores, por seu lado,
também concordam com N em género e número, e
também não têm qualquer traço
[+Caso]. Quanto aos numerais, têm em comum o
traço [+Plural] --excepto un--, e excluem os
traços [+Género] e [+Caso]. Por fim, os
adjectivos, ao contrário do Inglês, são
flexionados por género e número, de acordo com N, e
seguem sempre os determinantes e os quantificadores.
Outra diferença no sistema de traços separa o
Francês do Inglês e do Alemão. Vimos que, nestas
duas línguas, os quantificadores definidos, indefinidos e
numerais podem todos ser [+Partitivo] --excepto every.
Em Francês, no entanto, este traço parece opcional,
já que existem quantificadores [-Partitivo], outros
[+Partitivo] e ainda outros [±Partitivo], casos,
respectivamente de chaque, beaucoup e de
plusieurs:
(32)
a. Chaque (*de mes) fille(s)
b. Beaucoup *(de) mes amis
c. Plusieurs/trois/un (de mes) amis
Relativamente à estrutura interna do DP em Francês, dois
factos sugerem que os elementos definidos ocupam D: o artigo
definido, o possessivo e o demonstrativo podem ser seguidos por
numerais e adjectivos; demais, quantificadores definidos estão
em distribuição complementar com os determinantes
definidos --ver (33a.b.c).
(33)
a. Les/mes/ces cinq belles filles
b. Toutes les cinq belles filles
c. * les toutes cinq belles filles
Estes dados sugerem pois que, também em Francês, os
elementos definidos ocupam D, a posição mais elevada no
DP. Se além disso se optar por situar os quantificadores
indefinidos --plusieurs, beaucoup, peu, etc-- e
os numerais, na posição NUM, e também se assumir
que os adjectivos pré-nominais estão em
[Spec,NP], obtemos a representação de um DP em
Francês em (34):
(34)
Lobeck conclui da observação do sistema de
traços nominais, que, em Francês, a
legitimação da elipse é bastante restrita, em
contradição com a relativa riqueza morfológica
dos elementos D e NUM. Lobeck observa, por exemplo, que o
traço [+Plural] é em Francês tão
produtivo quanto em Alemão. Como o traço
[-Plural] não é morfologicamente realizado,
então [+Plural] é um traço forte em
Francês, em princípio capaz de identificar um NP vazio.
Também no caso do género a mesma conclusão pode
ser tirada: [+Género] é um traço forte,
morfologicamente realizado.
No entanto, os dados do Francês, com DPs em que D ou NUM
são ocupados por elementos [+Plural] e/ou
[+Género], não confirmam a capacidade de
legitimação desses núcleos. O primeiro caso
prende-se com D [-Plural] e [+Género], que,
por ter um traço forte, deveria poder reger por núcleo
um complemento vazio. No entanto, (35a) indica que D
[+Género] não legitima um NP vazio. Para
Lobeck, estes exemplos são surpreendentes, já que
assumiu anteriormente que um único traço forte pode
identificar um NP vazio.[23]
No caso de Ds com o traço [+Plural], estes deveriam
ser também considerados como marcados por Concordância
Forte, e portanto, identificar elipses, mas (35b) mostra que
não é assim:
(35)
a. * J'ai acheté un livre hier, mais le/ ce/ son [e]
n'est pas intéressant
b. * J'ai acheté deux livres hier, mais les/ ces/ ses
[e] ne sont pas intéressants
Os adjectivos, porém, podem, em Francês, ser marcados
por traços fortes, e --em certos casos-- reger por
núcleo a elipse do nome. É o caso para os adjectivos
[+Plural] [+Género] em (36):
(36) J'ai vu les garçons
dans la cour. Les grands [e] jouaient avec les petits
[e]
Quanto às expressões nominais quantificadas,
deveríamos ter em Francês elipses boas nos casos em que
D ou NUM são ocupados por quantificadores ou numerais
[+Partitivo], já que este é um traço
forte (37a), e pelo contrário, a elipse deveria ser má
com um elemento [-Partitivo] (37b). No caso dos
quantificadores indefinidos e dos numerais, também se espera
que a elipse seja boa, já que estes elementos são
[+Partitivo] [+Plural], e devem ser considerados como
marcados por Concordância Forte. No entanto, o quantificador
quelques, marcado unicamente por [+Plural],
traço em princípio forte, não admite um
complemento NP vazio (37c).
(37)
J'ai acheté beaucoup de livres, et
a. Tous [e] sont intéressants
b. * chaque [e] est intéressant
c. * quelques [e] sont intéressants
Põe-se assim a questão de saber por que razão
(35) e (37c) são agramaticais, apesar de D e NUM serem
aparentemente marcados por Concordância Forte. Estes dados
sugerem que as três línguas analisadas --Inglês,
Alemão e Francês-- têm sistemas de acordo nominal
distintos, com combinações de traços
características. Em Francês, os determinantes marcados
por um único traço de acordo não são
marcados por Concordância Forte, enquanto os quantificadores
marcados pelo menos por dois traços o são. Em
Alemão, por outro lado, os determinantes marcados por dois
traços realizam Concordância Forte, e os quantificadores
com Concordância Forte têm pelo menos três
traços fortes marcados. Quanto ao Inglês, um
único traço chega para que um determinante ou um
quantificador seja marcado por Concordância Forte. De modo a
relacionar estas combinações de traços à
legitimação de complementos elípticos, Lobeck
reúne as observações anteriores no
princípio seguinte (p.135):
(38)
Parâmetro de Identificação da Elipse
O número de traços fortes em D ou NUM requeridos para
identificar um pronome NP vazio é proporcional ao
número de traços fortes possíveis no sistema de
acordo nominal na língua considerada.
(38) generaliza a ideia de que em Inglês, língua
morfologicamente pobre, um único traço determina a
Concordância Forte, enquanto em Alemão, língua
rica, são precisos dois traços --nos determinantes-- ou
três --nos quantificadores-- para haver Concordância
Forte. Em Francês, língua intermédia, os
elementos de D ou NUM devem ter dois traços fortes para haver
Concordância Forte, o que explica por que razão, nesta
língua, determinantes com um único traço forte
--caso (35)-- falham em identificar complementos vazios.
O modelo apresentado em (38) levanta algumas dificuldades.
Marginalizando o traço [+Possessivo], que escapa ao
modelo --em Alemão, este único traço parece
poder determinar Concordância Forte--, (38) falha em justificar
determinadas elipses nominais, como, por exemplo, o facto de os
quantificadores que legitimam pronomes vazios, serem marcados nas
três línguas pelos dois traços fortes
[+Partitivo] e [+Plural].
Para o tratamento da elipse nominal em Português e em
Francês, como se verá no capítulo 3, serão
tomadas em consideração algumas propostas de Lobeck
(1995), nomeadamente a identificação da elipse do nome
como um pronome vazio. No entanto, rejeita-se a ideia de gerar
quantificadores e numerais em núcleos funcionais, e adjectivos
como adjuntos. Como vimos, Lobeck assume que o adjectivo
--nomeadamente o adjectivo pré-nominal-- é um
núcleo Xº adjunto de N, que pode identificar e legitimar
um nome vazio quando realiza traços morfológicos.
Note-se também que a autora não integra no seu modelo a
ideia segundo a qual Nº se move para verificar a sua
flexão. Estas posições demarcam-se claramente
das propostas de Cinque (1993), Brito (1993), Kester (1996) e Sleeman
(1996), e não serão integradas na análise do DP
que proporei, na medida em que, como veremos, a
verificação de traços em
configurações de Concordância
Especificador-Núcleo deve ser considerada um mecanismo crucial
para apreender a estrutura interna do DP. Na verdade,
independentemente dos princípios sintácticos que
elabora, a ideia crucial de Lobeck parece-me residir no paralelismo
que estabelece entre elipses e pronomes, isto é, na
inclusão das elipses no conjunto dos constituintes
anafóricos --no sentido clássico do termo--, cujo
significado está dependente de outro.