2.3.3.A elipse do nome em Alemão e em Francês

Segundo Lobeck, as condições de legitimação e identificação anteriormente definidas para a elipse em Inglês podem ser alargadas a outras línguas, como o Alemão e o Francês. Embora estas línguas tenham um sistema de traços de acordo diferente dos do Inglês, também aqui D e NUM regem complementos vazios. Além disso, o Alemão suporta a ideia de que outros Xº, desde que providos de traços fortes, podem legitimar e identificar elipses nominais: é o caso de adjectivos pré-nominais, marcados por Caso, número e género. Quanto ao Francês, a distribuição dos complementos vazios de D e NUM é mais restritiva que em Alemão e em Inglês. Embora haja em Francês Ds e NUMs marcados por traços fortes, nem sempre estes legitimam e identificam NP vazios. Essas diferenças dão origem a um parâmetro de identificação da elipse, segundo o qual o número de traços requeridos por um núcleo legitimador de elipse é proporcional ao número máximo de traços nominais possíveis.
Referindo-se ao Alemão, Lobeck demonstra que no DP nessa língua também existem as duas categorias funcionais anteriormente evidenciadas para o Inglês, D e NUM. Para tal, Lobeck faz notar que em Alemão, os quantificadores definidos não podem ser antecedidos de outros determinantes, o que é óbvio se se admitir que ocupam a posição D. Como em Inglês, estes quantificadores estão em distribuição complementar com o demonstrativo e o artigo definido, que também ocupam D.
[10] Todos estes elementos podem também ser seguidos de numerais ou de adjectivos pré-nominais. Por outro lado, os numerais e os quantificadores indefinidos podem em Alemão ser antecedidos de elementos definidos, e seguidos de adjectivos pré-nominais. Relativamente aos adjectivos pré-nominais, Lobeck observa que são flexionados em função do elemento antecedente, e que seguem sempre todos os elementos determinantes, definidos e indefinidos, tal como em Inglês, pelo que assume que o adjectivo pré-nominal está em [Spec,NP], e só se distingue do Inglês na medida em que expressa traços de acordo como D e NUM. Estas observações são ilustradas em (26a.b), e representadas em (26c):

(26)
a. Die fuenf schoenen Madchen
as cinco bonitas raparigas
b. Diese zwei guten Buecher
estes dois bons livros
c.


Vejamos agora os casos habituais das elipses do nome. Os exemplos em (27) ilustram que elementos com terminações fortes legitimam e identificam um complemento vazio no DP. O exemplo (27a) é ilustrado em (27c):

(27)
a. Hans sagt der Mann war gestern nicht hier, aber den [e] habe ich gestern gesehen
Hans disse o homem foi ontem não aqui, mas o [e] tenho eu ontem visto
Hans disse que o homem não esteve aqui ontem, mas eu vi-o
b. Peter und ich haben die Maenner gesehen, und ich habe einen [e] sogar fotografiert
Peter e eu temos os homens visto, e eu tenho um [e] até fotografado
Peter e eu vimos os homens, e eu até fotografei um.
c.


Como se vê em (27c), D preenchido com den legitima e identifica o NP vazio sob GTC, o que está em contradição com o que foi assumido em Inglês para o artigo correspondente the. No entanto, em Alemão, den é marcado por traços morfologicamente realizados de Caso e género, pelo que está marcado por Concordância Forte e rege estritamente por núcleo o complemento vazio de NUM
[13]. Lobeck faz notar que quando D não tem traços fortes, como no caso de elementos de tipo ein, com terminações fracas, a elipse não é boa:[14]

(28)
Peter hat ein altes Auto gekauft. * Hat Maria auch ein [e] gekauft?
Peter tem um velho carro comprado. Tem Maria também um [e] comprado?
O Peter comprou um carro velho. A Maria também comprou um?


Vejamos agora os quantificadores indefinidos em NUM. Estes quantificadores são [+plural] e também têm Caso, pelo que a elipse também é aqui esperada, já que NUM está marcado por Concordância Forte. A mesma conclusão pode ser tirada para os numerais, que realizam morfologicamente [+plural], e que também admitem complementos vazios. Ilustram-se estes dois tipos a seguir:

(29)
Er hat zwei/wenige Artikel geselen heute, und ich will morgen drei/viele [e] lesen
Ele tem dois/poucos artigos lido hoje, e eu terei amanhã três/muitos [e] lido
Ele leu dois/poucos artigos hoje, e eu lerei três/muitos amanhã.


Assim como os elementos com terminações fortes, também os elementos com terminações fracas podem em Alemão admitir complementos vazios:

(30)
a. Die Buecher hier sind sortiet, aber die vielen [e] dort drueben sind durcheinander
os livros aqui estão arrumados, mas os vários por ali estão misturados
estes livros estão arrumados, mas aqueles estão todos misturados
b. Ich traf einige Studenten, und die jungen [e] wollen mit mir sprechen
eu encontrei alguns estudantes, e os novos queriam falar comigo


A gramaticalidade de (30a) justifica-se plenamente, já que NUM é preenchido com um quantificador indefinido que realiza os traços [+Plural] e [+Caso]. Quanto a (30b), a sua gramaticalidade é surpreendente, já que implica que o adjectivo pré-nominal jungen, que se assumiu anteriormente estar em [Spec,NP], é capaz de legitimar e identificar um complemento vazio --o adjectivo realiza traços fortes de [+Plural] e [+Caso]. Na medida em que o adjectivo não é visto como um Xº, não deveria ser considerado como um regente estrito potencial, pelo que esta frase levanta um obstáculo. Lobeck resolve-o optando pela teoria de Travis (1988), segundo a qual o adjectivo pré-nominal é um núcleo Xº adjunto a uma projecção de N. Nesta hipótese, um adjectivo Xº que realiza traços morfológicos pode ser considerado como capaz de identificar e legitimar um NP vazio.
Conclui-se portanto que em Alemão D, NUM, e A pré-nominal podem realizar os traços fortes [+Possessivo], [+Plural], [+Caso] e [+Género]. A distribuição da elipse de NP em Alemão é pois a esperada, numa análise em que os pronomes vazios devem ser identificados por Concordância Forte para serem visíveis para a reconstrução. Tal como em Inglês, um único traço forte chega para identificar um NP vazio.
Também como em Inglês, o traço [+Partitivo] pode ser morfologicamente realizado em Alemão nos quantificadores indefinidos e definidos, e nos numerais. No entanto, esses mesmos elementos distinguem-se do Inglês na medida em que realizam ainda Caso--no plural--, e género. É pois de concluir que o núcleo elíptico será regido por núcleo por quaisquer destes elementos, já que D ou NUM preenchidos com um quantificador realizam sempre no mínimo o traço forte [+Partitivo]:

(31)
Ich sah viele ihrer Buecher, and zwei/wenige/viele/einige/mehrere [e] waren sehr teuer
Eu vi muitos dos seus livros, e dois/poucos/muitos/alguns/vários eram muito caros


Relativamente às expressões nominais quantificadas, podemos pois concluir que têm uma distribuição idêntica ao Inglês. No entanto, os quantificadores estão em Alemão marcados por vários traços, nomeadamente o Caso, o partitivo, o número e o género. Sendo assim, os quantificadores plurais em Alemão podem ser analisados como marcados pelo menos por [+Partitivo], [+Plural] e [+Caso], numerais e quantificadores singulares por [+Partitivo], [+Caso] e [+Género], enquanto numerais plurais têm obviamente os traços [+Partitivo] e [+Plural].
O caso do Francês permite à autora assumir que esta língua se situa entre o Inglês e o Alemão relativamente aos traços de acordo morfológico realizados no domínio do nome. Se [+Plural] é em Francês um traço muito produtivo nos determinantes, o traço [+Género] só aparece no singular
[19], e não existe qualquer traço [+Caso]. Mais precisamente, os determinantes podem realizar as combinações de traços [-Plural, +Género] (le/la), ou [+Plural] (le/la/les), de acordo com N, mas, ao contrário do Alemão, não realizam [+Caso]. Os quantificadores, por seu lado, também concordam com N em género e número, e também não têm qualquer traço [+Caso]. Quanto aos numerais, têm em comum o traço [+Plural] --excepto un--, e excluem os traços [+Género] e [+Caso]. Por fim, os adjectivos, ao contrário do Inglês, são flexionados por género e número, de acordo com N, e seguem sempre os determinantes e os quantificadores.
Outra diferença no sistema de traços separa o Francês do Inglês e do Alemão. Vimos que, nestas duas línguas, os quantificadores definidos, indefinidos e numerais podem todos ser [+Partitivo] --excepto every. Em Francês, no entanto, este traço parece opcional, já que existem quantificadores [-Partitivo], outros [+Partitivo] e ainda outros [±Partitivo], casos, respectivamente de chaque, beaucoup e de plusieurs:

(32)
a. Chaque (*de mes) fille(s)
b. Beaucoup *(de) mes amis
c. Plusieurs/trois/un (de mes) amis


Relativamente à estrutura interna do DP em Francês, dois factos sugerem que os elementos definidos ocupam D: o artigo definido, o possessivo e o demonstrativo podem ser seguidos por numerais e adjectivos; demais, quantificadores definidos estão em distribuição complementar com os determinantes definidos --ver (33a.b.c).

(33)
a. Les/mes/ces cinq belles filles
b. Toutes les cinq belles filles
c. * les toutes cinq belles filles


Estes dados sugerem pois que, também em Francês, os elementos definidos ocupam D, a posição mais elevada no DP. Se além disso se optar por situar os quantificadores indefinidos --plusieurs, beaucoup, peu, etc-- e os numerais, na posição NUM, e também se assumir que os adjectivos pré-nominais estão em [Spec,NP], obtemos a representação de um DP em Francês em (34):

(34)


Lobeck conclui da observação do sistema de traços nominais, que, em Francês, a legitimação da elipse é bastante restrita, em contradição com a relativa riqueza morfológica dos elementos D e NUM. Lobeck observa, por exemplo, que o traço [+Plural] é em Francês tão produtivo quanto em Alemão. Como o traço [-Plural] não é morfologicamente realizado, então [+Plural] é um traço forte em Francês, em princípio capaz de identificar um NP vazio. Também no caso do género a mesma conclusão pode ser tirada: [+Género] é um traço forte, morfologicamente realizado.
No entanto, os dados do Francês, com DPs em que D ou NUM são ocupados por elementos [+Plural] e/ou [+Género], não confirmam a capacidade de legitimação desses núcleos. O primeiro caso prende-se com D [-Plural] e [+Género], que, por ter um traço forte, deveria poder reger por núcleo um complemento vazio. No entanto, (35a) indica que D [+Género] não legitima um NP vazio. Para Lobeck, estes exemplos são surpreendentes, já que assumiu anteriormente que um único traço forte pode identificar um NP vazio.
[23] No caso de Ds com o traço [+Plural], estes deveriam ser também considerados como marcados por Concordância Forte, e portanto, identificar elipses, mas (35b) mostra que não é assim:

(35)
a. * J'ai acheté un livre hier, mais le/ ce/ son [e] n'est pas intéressant
b. * J'ai acheté deux livres hier, mais les/ ces/ ses [e] ne sont pas intéressants


Os adjectivos, porém, podem, em Francês, ser marcados por traços fortes, e --em certos casos-- reger por núcleo a elipse do nome. É o caso para os adjectivos [+Plural] [+Género] em (36):

(36) J'ai vu les garçons dans la cour. Les grands [e] jouaient avec les petits [e]


Quanto às expressões nominais quantificadas, deveríamos ter em Francês elipses boas nos casos em que D ou NUM são ocupados por quantificadores ou numerais [+Partitivo], já que este é um traço forte (37a), e pelo contrário, a elipse deveria ser má com um elemento [-Partitivo] (37b). No caso dos quantificadores indefinidos e dos numerais, também se espera que a elipse seja boa, já que estes elementos são [+Partitivo] [+Plural], e devem ser considerados como marcados por Concordância Forte. No entanto, o quantificador quelques, marcado unicamente por [+Plural], traço em princípio forte, não admite um complemento NP vazio (37c).

(37)
J'ai acheté beaucoup de livres, et
a. Tous [e] sont intéressants
b. * chaque [e] est intéressant
c. * quelques [e] sont intéressants


Põe-se assim a questão de saber por que razão (35) e (37c) são agramaticais, apesar de D e NUM serem aparentemente marcados por Concordância Forte. Estes dados sugerem que as três línguas analisadas --Inglês, Alemão e Francês-- têm sistemas de acordo nominal distintos, com combinações de traços características. Em Francês, os determinantes marcados por um único traço de acordo não são marcados por Concordância Forte, enquanto os quantificadores marcados pelo menos por dois traços o são. Em Alemão, por outro lado, os determinantes marcados por dois traços realizam Concordância Forte, e os quantificadores com Concordância Forte têm pelo menos três traços fortes marcados. Quanto ao Inglês, um único traço chega para que um determinante ou um quantificador seja marcado por Concordância Forte. De modo a relacionar estas combinações de traços à legitimação de complementos elípticos, Lobeck reúne as observações anteriores no princípio seguinte (p.135):

(38)
Parâmetro de Identificação da Elipse
O número de traços fortes em D ou NUM requeridos para identificar um pronome NP vazio é proporcional ao número de traços fortes possíveis no sistema de acordo nominal na língua considerada.


(38) generaliza a ideia de que em Inglês, língua morfologicamente pobre, um único traço determina a Concordância Forte, enquanto em Alemão, língua rica, são precisos dois traços --nos determinantes-- ou três --nos quantificadores-- para haver Concordância Forte. Em Francês, língua intermédia, os elementos de D ou NUM devem ter dois traços fortes para haver Concordância Forte, o que explica por que razão, nesta língua, determinantes com um único traço forte --caso (35)-- falham em identificar complementos vazios.
O modelo apresentado em (38) levanta algumas dificuldades. Marginalizando o traço [+Possessivo], que escapa ao modelo --em Alemão, este único traço parece poder determinar Concordância Forte--, (38) falha em justificar determinadas elipses nominais, como, por exemplo, o facto de os quantificadores que legitimam pronomes vazios, serem marcados nas três línguas pelos dois traços fortes [+Partitivo] e [+Plural].
Para o tratamento da elipse nominal em Português e em Francês, como se verá no capítulo 3, serão tomadas em consideração algumas propostas de Lobeck (1995), nomeadamente a identificação da elipse do nome como um pronome vazio. No entanto, rejeita-se a ideia de gerar quantificadores e numerais em núcleos funcionais, e adjectivos como adjuntos. Como vimos, Lobeck assume que o adjectivo --nomeadamente o adjectivo pré-nominal-- é um núcleo Xº adjunto de N, que pode identificar e legitimar um nome vazio quando realiza traços morfológicos. Note-se também que a autora não integra no seu modelo a ideia segundo a qual Nº se move para verificar a sua flexão. Estas posições demarcam-se claramente das propostas de Cinque (1993), Brito (1993), Kester (1996) e Sleeman (1996), e não serão integradas na análise do DP que proporei, na medida em que, como veremos, a verificação de traços em configurações de Concordância Especificador-Núcleo deve ser considerada um mecanismo crucial para apreender a estrutura interna do DP. Na verdade, independentemente dos princípios sintácticos que elabora, a ideia crucial de Lobeck parece-me residir no paralelismo que estabelece entre elipses e pronomes, isto é, na inclusão das elipses no conjunto dos constituintes anafóricos --no sentido clássico do termo--, cujo significado está dependente de outro.

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