Talábriga: Notas Historiográficas

O problema da localização de Talábriga tem sido discutido desde o século XVI. Primeiro pensou-se que ficaria em Cacia ou Aveiro. Depois generalizou-se a convicção de que ficaria na freguesia da Branca (Albergaria-a-Velha). Actualmente, parece demonstrado que Talábriga se situou no Marnel (Águeda). 

 

Pelo meio, diversos investigadores foram propondo outras localizações para a cidade, algumas completamente absurdas: Talavera de La Reina, Tavira, Sôza, Monte da Senhora do Socorro, Viseu, Ul e Vale de Cambra. Por outro lado, têm vindo a acumular-se evidências da existência de outra localidade com o nome de Talábriga na região do Lima.

Nesta página apresentam-se as várias hipóteses que foram sendo levantadas quanto à localização de Talábriga, bem como os autores que as propuseram e as correspondentes referências bibliográficas. 

É uma homenagem a todos quantos se ocuparam deste tema. Pode utilizar o mapa para melhor navegar através do texto.

A figura ao lado apresenta uma cronologia das várias hipóteses que foram sendo lançadas quanto ao problema da localização de Talábriga (séculos XVI a XX).

Mais tres bolas: Cacia, 1586 e 1976; Marnel, 1943

Obviamente, nem sempre é possível, em poucas palavras, descrever os argumentos que cada autor apresentou em favor da hipótese que defendia. Sobre as hipótese principais (Aveiro, Branca e Marnel) estão disponíveis mais alguns detalhes na página sobre o estado da questão. Além disso, estão publicadas três sínteses sobre a historiografia de Talábriga (Rocha Madaíl, 1941; Souto, 1958; Ferreira Neves, 1974).

Além da localização da Talábriga do Vouga, é também contextualizada a bibliografia sobre a Talábriga do Lima.
 

Conjecturas e Teorias sobre a Localização de Talábriga

A Talábriga do Lima | Resumo Cronológico de Citações | Bibliografia

 
 

 
 

Conjecturas e Teorias sobre a Localização de Talábriga

 

Talavera de La Reina

Na Geografia de Ptolomeu, Talábriga e Emínio ficaram marcadas em pontos muito mais para o interior e para sul do que as suas localizações reais. Este facto conjugado com a semelhança entre Talabriga e Talavera deverá explicar o surgimento da hipótese de que Talábriga era em Talavera de La Reina, Espanha. Barreiros (1561) demonstrou que esta hipótese não tinha fundamento. No entanto, no século seguinte Mendez Silva (1645) ainda a defendeu, em termos que nada abonam em favor da sua credibilidade: «Fundòla el Rey Brigo año del mundo criado 2066, antes de nascimiento 1895, imponiendo Talabriga, a poca corrucion Talavera».
 

Tavira

Tavira tem as suas origens na cidade romana de Balsa, tendo este facto sido já apontado por Resende (1593). No entanto, outros humanistas pretenderam que o primitivo nome de Tavira tenha sido Talabriga. Mendez Silva (1645) atribui a paternidade da ideia ao espanhol Juan Sedeño. O certo é que a ideia pegou e ainda circula na cidade algarvia. Um resumo histórico do Algarve disponível na internet diz sobre Tavira que «com o nome de Talábriga, terá sido fundada cerca de 1890 a.C.» !!. Também na internet, outro resumo histórico do Algarve afirma o mesmo. Além disso, existe em Tavira o Bar Talábriga.
 

Cacia (Aveiro)

Desenvolvendo um raciocínio isento das fantasias a que se davam tantos dos nossos humanistas, Barreiros (1561) defendeu que as cidades romanas de Conímbriga, Emínio e Talábriga se situavam respectivamente em Condeixa-a-Velha, Coimbra e Cacia. O mapa Hispaniae Veteris Discriptio (Ortelius, 1586), talvez influenciado por Barreiros, localiza Talabriga no litoral aveirense. Leão (1610) e Marques Gomes (1877) também consideraram que a hipótese da localização de Talábriga em Cacia seria a mais provável. O geógrafo Gerardo Pery disse mais ou menos o mesmo, ou seja, que «a Aveiro dos romanos ficava em Cacia» (Pery, 1860 apud Chaves, 1948). Muito mais recentemente, os geólogos C. Teixeira e G. Zbyszewski (1976) ainda adoptaram a hipótese de Cacia.

Aveiro

Em finais do século XVI, Mendes de Vasconcelos (1593) defendeu uma teoria que, embora absurda, viria a fazer carreira durante três séculos. Segundo essa teoria, Conímbriga ficava em Coimbra (em vez de Condeixa-a-Velha), Emínio ficava em Águeda e Talábriga ficava em Aveiro. No que diz respeito a Talábriga, esta teoria quase concorda com a anterior, pois, Cacia fica muito próximo de Aveiro. A hipótese da localização de Talábriga "junto a Aveiro" transformou-se, assim, em teoria oficial sendo defendida ou pelo menos aceite por autores como Brito (1597), Estaço (1625), Faria e Sousa (1678), Carvalho da Costa (1708), Baptista de Castro (1745), Soares Barbosa (1827), Pinho Leal (1873), Borges de Figueiredo (1885ab), Arede (1922) e Marchetti (1922). Em 1927, já esta teoria tinha sido desmontada e posta de parte, ainda a monumental Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana a apresentou como correcta. E, muito mais recentemente, a The New Encilopaedia Britannica (1974) fez o mesmo.
 

Sôza (Vagos)

Sem apresentar as suas razões, o consagrado editor da Geografia de Ptolomeu defendeu a localização de Talábriga na zona de Sôza (Vagos): «Talabriga … oppidum haud longe a Vouga fluvio circa hodierna Souza alicubi steterit. Accuratius locum definire non licet» (Müller, 1883).
 

Branca (Albergaria-a-Velha)

Passando a estrada Emínio-Talábriga-Cale pelo interior, não podia Talábriga situar-se em Aveiro, Cacia ou Sôza. A demonstração deste facto deve-se a Alves Pereira (1907b). Na sequência desta constatação, e tendo em conta as indicações do Itinerário de Antonino, o arqueólogo foi levado a localizar Talábriga no monte de São Julião (Branca, Albergaria-a-Velha). Passado pouco tempo, Leite de Vasconcelos (1913) assinala Talábriga num mapa numa posição a norte de Vouga e remete o leitor para o artigo de Alves Pereira. A hipótese de localizar Talábriga na Branca passou a ser aprensentada como a hipótese mais provável em obras de consulta, como é o caso do artigo de Correia (1928), inserido na História de Portugal de Damião Peres, da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (década de 1950) e, recentemente, de uma história de Aveiro (Gaspar, 1997). A descoberta de ruinas importantes no Marnel, em 1941, não levou os arqueólogos a mudar de opinião. Autores como Arede (1938; 1942), Correia (1942), Sousa (1942), J. Almeida (1946), Alarcão (1974), F. Almeida (1975), Moreira (1982), Centeno (1983) e Pérez Centeno (1997) continuaram a defender ou, pelo menos, a aceitar a localização de Talábriga na Branca.
 

Cristelo da Branca / Albergaria-a-Nova (Albergaria-a-Velha)

Nas imediações da Branca, outro local de interesse é Cristelo da Branca. Souto (1942) defendeu que Talábriga se situaria no Cristelo e que a sua mansio ficaria em Albergaria-a-Nova. Oliveira (1943) também considerou que a zona de Albergaria-a-Nova era a mais promissora para encontrar Talábriga. Vaz (1982, 1983) aprensenta resultados de escavações realizadas no Cristelo. Mantas (1990) defende também esta hipótese e volta a faze-lo, em muito maior detalhe, na sua tese de doutoramento (Mantas, 1996).
 

Monte da Senhora do Socorro (Albergaria-a-Velha)

Costa Veiga (1943) foi o primeiro a detectar um erro nos cálculos de Alves Pereira (1907). Infelizmente, os estudiosos que o seguiram não prestaram a devida atenção às suas observações. A contagem das milhas ao longo da estrada nacional levou-o a sugerir que se procurasse Talábriga no Monte da Senhora do Socorro (Albergaria-a-Avelha).
 

Marnel (Águeda)

Strecht de Vasconcelos (1934) foi o primeiro, tanto quanto sei, a defender que Talábriga se situava no Marnel. As razões que apresentou não foram convincentes. Por um lado, partiu do princípio de que Lancóbriga, a cidade logo a norte, ficava na Feira. A isto, juntou argumentos de ordem filológica que são muito discutíveis. Amorim Girão (1941) defendeu a mesma hipótese com base no facto de que o Marnel fica próximo da antiga foz do Vouga. Esta poisição foi logo adoptada pelo geólogo Oliveira Boléo (1943). Por esta altura, escavações realizadas no Marnel sob a direcção de Rocha Madaíl e com o patrocínio de J. Sousa Baptista, revelaram um edifício romano de proporções monumentais. Rocha Madahil (1941) limitou-se a apresentar os resultados das escavações, não se atrevendo a identificar o nome da cidade que tinha encontrado. J. Sousa Baptista (1943) por seu lado ficou-se por esta frase: «não nos repugna admitir que fosse a civitas Marnelae a filha apenas da nevoenta Talábriga». A ideia de que uma hipotética cidade de Vacca se situaria no Marnel, defendida por numerosos autores (Barreiros, 1561; Brito, 1609; A. Sousa Baptista, 1950; Alarcão, 1974; Mantas, 1990, 1996), levou a que poucos aí situassem Talábriga. Apesar de tudo, na sua monografia de Águeda, Ladeira (1982), apoiando-se na autoridade de Amorim Girão, também situou Talábriga no Marnel. Finalmente, a falta de vestígios convincentes na zona da Branca levou Alarcão (1988, 1990) a abandonar a hipótese anterior e a sugerir, também, a localização de Talábriga "junto ao Vouga, eventualmente no Cabeço do Vouga", isto é, no Marnel. Em favor desta hipótese referiu a importância dos vestígios e o valor estratégico do local. A autoridade deste autor deu credibilidade à nova hipótese, que logo foi adoptada por autores como Fabião (1992, p. 256) e Mattoso (1993). É claro que da simples intuição de Amorim Girão e de Alarcão até à demonstração efectiva vai algum trabalho. Os meus contributos têm-se orientado nesse sentido (Seabra Lopes, 1995, 1996, 1997ab).
 

Viseu

É completamente absurdo pensar que a estrada Emínio-Talábriga-Cale poderá ter passado em Viseu. Portanto Talábriga em hipótese alguma poderá ter-se localizado em Viseu. No entanto, Saa (1959, p. 252-282) e Lucena e Vale (1972) defenderam esta hipótese.
 

Ul (Oliveira de Azeméis)

Uma inscrição aparecida em Ul (Oliveira de Azeméis) e representando o que parece ser um ‘T’ ibérico levou Castro (1980) a considerar a hipótese da localização de Talábriga em Ul. Fernandes (1994) também admite como provável a localização da Talábriga pré-romana em Ul.
 

Vale de Cambra

Fernandes (1994) procurou demonstrar que o topónimo Cambra pode ter derivado do topónimo Talábriga, através da seguinte sequência: Talabriga > Calabriga > Calabria > Calambria > Caambria > Cambra. A partir daqui, o autor sugere que as gentes de Talábriga teriam, com a invasão romana, migrado para o interior, mais precisamente para a zona de Vale de Cambra. Assim, a Talábriga pré-romana seria junto à estrada, provavelmente em Ul, e a Talábriga romana seria em Vale de Cambra.
 

 

A Talábriga do Lima

Têm sido encontradas várias referências epigráficas ao topónimo Talabriga. A maior parte apareceu na zona mineira espanhola de Rio Tinto, Huelva (Lúzon, 1975). Uma dessas, a de El Repilado, alude a um Limicus (castello) Talabric(a). Daqui parece deduzir-se que existiu um outro povoado com o nome de Talabriga na região do Lima. Outra inscrição apareceu precisamente no concelho de Ponte de Lima, mais precisamente na povoação de Estorãos (Alves Pereira, 1907a). Almeida Fernandes (1981) sugeriu que esta Talábriga limaica se situaria no Monte da Cividade, nas freguesias de Nogueira e Vila Mou, concelho de Viana do Castelo. Este monte fica a menos de 10 Km de Estorãos. Moreira (1982) apresentou uma argumentação mais detalhada em favor da mesma hipótese. O Monte da Cividade situa-se numa zona mineira chamada Vale do Rio Tinto, sugestiva coincidência onomástica com as minas espanholas onde apareceram as inscrições referindo Talábriga. Apiano de Alexandria situou num Talabriga oppidum um episódio heroico de resistência à dominação romana, ocorrido em 138 aC. Tem-se discutido se esta Talábriga seria a do Vouga ou a do Lima. Alves Pereira (1907ab), Correia (1942), A. Sousa Baptista (1948), Alarcão (1974, 1988) e Mantas (1996) defendem a primeira hipótese enquanto Oliveira (1938), Rocha Madaíl (1941) e Moreira (1982) defendem a segunda.
 
 

 
 

Resumo Cronológico de Citações

 
 

Barreiros, 1561

Ortelius, 1586

Mendes de Vasconcelos, 1593

Resende, 1593

Brito, 1597 e 1609

 

 

 

Leão, 1610

Estaço, 1625

Mendez Silva, 1645

 

 

 

Carvalho da Costa, 1708

 

 

 

Soares Barbosa, 1827

Pery, 1860 

Pinho Leal, 1873

Marques Gomes, 1877

Müller, 1883

Borges de Figueiredo, 1885ab

 

 

Alves Pereira, 1907ab

Miller, 1916

Leite de Vasconcelos, 1913

Marchetti, 1922

Arede, 1922

 

Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana, vol. 58, 1927.

Correia, 1928

Strecht de Vasconcelos, 1934

Arede, 1938

Oliveira, 1938

 

 

Amorim Girão, 1941

Rocha Madahil, 1941

Souto, 1942

Arede, 1942

Sousa, 1942

Correia, 1942

Oliveira, 1943

Costa Veiga, 1943

J. Sousa Baptista, 1943

Oliveira Boléo, 1943

J. Almeida, 1946

A. Sousa Baptista, 1948 e 1950

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.30, 1945-1958

Saa, 1959

Lucena e Vale, 1972

Alarcão, 1974

D. F. Almeida, 1975

The New Enciclipaedia Britannica. Micropaedia, 1974

Lúzon, 1975

Teixeira & Zbyszewski, 1976

Almeida Fernandes, 1981

Moreira, 1982

Ladeira, 1982

Vaz, 1982 e 1983

Centeno, 1983 

 

 

 

Alarcão, 1988 e 1990

Mantas, 1990

Fabião, 1992

Mattoso, 1993

Fernandes, 1994

Seabra Lopes, 1995

Mantas, 1996

Seabra Lopes, 1996

Gaspar, 1997

Seabra Lopes, 1997abc

Pérez Centeno, 1997

 

 
 

 
 

Referências

 

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Página criada em 21/09/1999

Última actualização: 8/10/1999

Autor: Luís Seabra Lopes