Conclusão


Levantou-se nesta dissertação a questão das condições em que pode haver supressão de um nome em Português e em Francês, e mostrou-se que a elipse tem uma exigência fundamental, que a aproxima dos pronomes e das anáforas: a identidade com um antecedente. A natureza dos mecanismos gramaticais relativos à elipse nominal, nomeadamente a sua definição como categoria vazia gerada em Sintaxe, implica a formulação de condições de legitimação formal inspiradas nas dos pronomes. Nesta perspectiva, a elipse pode ser vista como um pronome nulo basicamente engendrado. O módulo legitimador aqui desenvolvido indica que o nome elíptico é uma categoria vazia de tipo pro, e implica também que os legitimadores de pro nominal elíptico estão em posição de especificador. Todos os elementos que estão em especificador nas projecções alargadas do nome têm condições estruturais para legitimar nomes vazios, sendo o mecanismo sintáctico relevante a Concordância Especificador-Núcleo. Esta proposta é resumida no princípio seguinte:

(1) Legitimação dos nomes vazios
O nome vazio pro é formalmente legitimado por Concordância Especificador-Núcleo com um especificador funcional


Note-se que esta proposta parece estar no espírito do Programa Minimalista: ao contrário de Lobeck, Kester e Sleeman, que optam por uma análise clássica, derivada do ECP, segundo a qual pro deve ser estritamente regido, admito que a legitimação formal do constituinte elíptico assenta numa relação de Concordância Especificador-Núcleo, no sentido lato desta noção que lhe dá Chomsky (1993), entre outros.
Existem várias estratégias de identificação do nome vazio, isto é, diversas maneiras de reconstituir o seu referente. No caso dos quantificadores, é desencadeada uma leitura específica / partitiva a nível do DP elíptico, que permite recuperar o conteúdo do nome vazio junto do seu antecedente. No caso dos determinantes possessivos e demonstrativos, a reconstituição do significado do nome vazio, além do requisito de especificidade, pode estar associada à verificação da flexão de [±género] junto do antecedente. Por fim, no caso dos adjectivos, estes têm que expressar uma propriedade discreta, relevante em termos cognitivos, que os torne suficientemente específicos para identificarem o nome vazio. Neste último caso, factores de ordem lexical contribuem para reforçar a capacidade discriminativa dos adjectivos. Os adjectivos discretos estão normalmente associados a um complexo lexical, baseado em relações de exclusividade semântica. Como a presença de um elemento desse complexo implica o outro, é provável que a identidade do nome vazio nas construções elípticas seja determinada em parte por relações semânticas / lexicais. Adjectivos antónimos, como pequeno e grande, são discretos, mas adjectivos como único e diversos não são.

Foi assumido, ao longo deste trabalho, de acordo com as assunções básicas de Rizzi (1986), que uma categoria vazia --a elipse do nome é uma categoria vazia pro-- deve ser devidamente legitimada e identificada. No entanto, a análise que aqui apresentei, nomeadamente a relação estreita entre elipse do nome e adjectivos discretos, convida a estabelecer uma distinção sensível entre legitimação e identificação, que, em suma, haveria dois tipos de elipse do nome. O primeiro tipo exigiria crucialmente, numa relação de simetria acentuada, a presença declarada de algum tipo de antecedente que lhe fornecesse, ao mesmo tempo, identidade sintáctica e reconstrução contextual. O segundo seria baseado na ausência de qualquer antecedente explícito, e corresponderia a um processo de lexicalização motivado pelos valores e o conhecimento do mundo comuns aos locutores de uma língua. Estes dois tipos estão obviamente próximos em termos de estrutura de constituintes --as condições de legitimação são as mesmas--, mas supõem bases semânticas distintas: o primeiro tipo de elipse assenta genericamente num processo de identificação que reconstitui o conteúdo do nome vazio por co-referência, enquanto o segundo implica que o nome vazio recupera a sua identificação no processo de lexicalização de uma dada construção, com base no conhecimento do mundo dos falantes. A interpretação do primeiro tipo de vazio nominal depende de mecanismos sintácticos no quadro dos parâmetros da língua do locutor, mas o segundo tipo é um fenómeno pragmático, a remeter para o domínio do uso da língua.

A sintaxe dos especificadores nominais e, entre eles, os adjectivos, mereceu também neste trabalho uma análise extensa. Ficou comprovada a existência de um leque diversificado de tipos adjectivais, assim como de assimetrias a nível geral da ordem interna de constituintes do DP. Essas diferenças detectadas não serão provavelmente todas formalizáveis, mas talvez a capacidade de alguns adjectivos pós-nominais poderem aparecer numa posição pré-nominal esteja ligada a imperativos gerais da gramática, segundo os quais as línguas naturais tendem a organizar o seu conteúdo informacional no sentido de hierarquizar os constituintes em função da sua capacidade referencial. Essa tendência na organização da informação poderá condicionar a própria estrutura interna do DP, nomeadamente na ordem de sucessão dos adjectivos, como se vê em o anterior candidato / o candidato anterior. A ideia que aqui deixo é que quanto mais os adjectivos estão altos na estrutura, mais referenciais são, sendo, pelo contrário, os modificadores adjacentes ao NP pouco referenciais. Quando um adjectivo de qualidade é gerado numa posição pré-nominal --como em uma interessante descoberta --, isso poderá corresponder à atribuição de um maior grau de referencialidade ao modificador em causa. A diferença de significado correspondente a casos como homem pobre/pobre homem estará também relacionada com a alteração das propriedades referenciais dos modificadores. A referencialidade parece-me ter um papel central, não só na estrutura interna do DP, como crucialmente na ordem dos adjectivos atributivos relativamente ao nome e entre si. Os modificadores mais referenciais antecedem sempre os menos referenciais, e os modificadores altos são sempre mais referenciais que os modificadores em posição inferior.
Além de Dº, elemento puramente referencial, devemos considerar que os outros constituintes altos na hierarquia também são ligados a marcas de referencialidade --por exemplo manifestam traços como [+definido], [+possessivo] e [+específico]: estão nesse caso os demonstrativos, os possessivos e os quantificadores --incluindo cardinais e ordinais. Será por isso possível formular um princípio geral para a ordem de constituintes do DP, especialmente para as projecções mais altas na hierarquia: como estas têm todas um alto grau de referencialidade, a sua ordem relativa deve ser considerada básica --o que significa que não precisam de mover-se por razões de referencialidade. Isso explicaria que, em Português e em Francês, a ordem D+Dem+Poss+Q seja fixa. Mas o que dizer dos adjectivos? Se é possível predizer, por exemplo, que um possessivo nunca pode anteceder um demonstrativo, é no entanto arbitrário fixar uma posição para a maioria dos adjectivos.

Como observam as gramáticas clássicas, o estudo sistemático da elipse em particular acaba por levar a considerações sobre o funcionamento da língua em geral. Nesta dissertação, a análise do processo de supressão do nome --elipse nominal-- levou-nos assim a evocar a questão árdua da ordem nome/adjectivo e a reavaliar a própria estrutura interna do DP. Talvez o uso regular da elipse nas línguas humanas seja motivado pela necessidade de aliviar os ouvidos, cara a Horácio; contudo, como se tentou aqui provar, a elipse do nome é um mecanismo gramatical complexo, que depende, em última instância, da própria estrutura de constituintes e de regras gerais da Sintaxe.

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