3.3.1.4.Identificação de pro em [Q+pro]: quantificação e especificidade

No parágrafo anterior, formulei a hipótese de que os quantificadores são projectados numa posição de especificador de uma categoria funcional, e que a legitimação formal do nome vazio está precisamente relacionada com o preenchimento da posição de especificador por quantificadores. Em relação à identificação do nome vazio, assumo que é derivada do significado partitivo da expressão de quantidade. Esta assunção aplica-se aos elementos que se podem combinar com uma construção partitiva, independentemente das características semânticas desta última. O termo partitivo deve ser entendido no sentido de Sleeman (1996), por sua vez baseada em Enç (1991, isto é, deve estar associado a uma interpretação de quantificação específica. Em (49a), o quantificador dois pode ser combinado com o PP partitivo dos concorrentes. Contudo, em (49b) o quantificador dois expressa também um significado partitivo, apesar de não estar numa construção partitiva:

(49)
a. Dois dos concorrentes cortaram a meta
b. De todos os concorrentes, só dois pro cortaram a meta



Partitivos como dois dos concorrentes referem conjuntos que são sub-conjuntos do referente do DP contido no PP partitivo (os concorrentes), pelo que os partitivos são necessariamente específicos.
[35] O PP dos concorrentes fornece ao quantificador dois uma leitura específica, pelo que o conteúdo do nome vazio pode ser recuperado junto do conjunto referente. Assumo pois que um quantificador [+partitivo] induz uma interpretação específica pelo facto de implicar uma operação de partição.
Contrariamente a Sleeman, contudo, assumo que o traço [+partitivo] só é manifestado nos quantificadores, isto é, nas expressões quantificadas, mas não nos adjectivos. A distinção sugerida por esta autora entre D-partitivos e N-partitivos --ver capítulo 2-- não deve ser, como veremos, mantida relativamente aos adjectivos. Os quantificadores são elementos inerentemente partitivos, que permitem a elipse do nome em todas as Línguas Românicas. Por outro lado, assumo que o traço [+partitivo] --ou o traço [+massivo], no caso da quantificação massiva-- intervem no processo de identificação do nome vazio e não na sua legitimação. Para mim, a legitimação dos nomes vazios é apenas o resultado de determinada configuração, nomeadamente uma relação de tipo Concordância Especificador-Núcleo entre uma posição de especificador e o nome vazio --ver parágrafo anterior. Considero que a identificação de nomes vazios por quantificadores é possível porque ocorrem num DP com interpretação partitiva/específica, e que esse DP deve ser associado a outro DP no contexto, para o nome vazio ser interpretável.
Embora o traço [+partitivo] possa ser morfologicamente realizado em Português e em Francês --caso de algum ou beaucoup--, admito que este é um traço semântico e não morfológico, e que tem um papel exclusivamente na identificação dos nomes vazios, já que indica o antecedente contextual. O traço [+partitivo] não é portanto para mim nem um caso de Concordância Forte, hipótese defendida por Lobeck (1995), nem uma estratégia de legitimação dos nomes vazios, tese adiantada por Sleeman (1996). Se, para Lobeck, os nomes vazios são ao mesmo tempo formalmente legitimados e identificados por um núcleo regente marcado por Concordância Forte, e se, para Sleeman, elementos com um significado partitivo legitimam formalmente a elipse do nome, assumo que o significado partitivo presente nas expressões quantificadas tem uma mera função de identificação de conteúdo. Esses elementos de quantificação identificam necessariamente o conteúdo do nome vazio. Dissociando-me das análises de Lobeck e Sleeman, proponho, de acordo com o que foi já sugerido, que pro é formalmente legitimado por Concordância Especificador-Núcleo por um quantificador em [Spec,QP], e identificado por meio de um antecedente específico
Voltando à identificação de pro em expressões quantificadas, vejamos os casos seguintes:

(50)
a. Há dois pro no jardim
b. * Il y a deux pro dans le jardim


Estes exemplos parecem-me relacionados com o facto de alguns DPs não poderem aparecer em contextos existenciais, restrição ilustrada a seguir:

(51) Há dois/alguns / *estes / *os gatos no jardim


O que é relevante no paralelo entre (50) e (51) é que os quantificadores pressupõem que o referente do nome existe, o que os torna compatíveis com uma interpretação existencial --ao contrário dos definidos e dos demonstrativos. A presença de um quantificador é aparentemente relevante para a identificação de um nome vazio em Português --ver (50a)--, mas (50b) mostra que em Francês o nome vazio quantificado não é compatível com uma interpretação existencial.
Outro tipo de construção quantificada envolvendo nomes vazios é ilustrada a seguir:

(52)
a. O João viu muitos filmes, mas só gostou de dois pro
b. O João viu muitos filmes, mas só dois pro lhe agradaram
c. Jean a vu beaucoup de films, mais trois pro seulement l'ont marqué
d. * Jean connaît beaucoup de films, mais il n' aime que trois pro
e. Jean connaît beaucoup de films, mais il n' en aime que trois pro


Estes casos ilustram em Francês a assimetria entre uma expressão elíptica quantificada em posição sujeito--ver (52c)--, e a mesma expressão em posição objecto, cujo nome não pode ser suprimido -- ver (52d). Essa assimetria não se manifesta em Português --como mostra (52a.b). Existe no entanto em Francês um pronome en, cuja presença permite a legitimação do nome vazio vazio num DP objecto, em (52e). Do mesmo modo, en permite a legitimação de um DP elíptico num contexto existencial:

(53) Il y en a deux pro dans le jardim


Penso que, nestes exemplos, o pronome quantitativo en pode ser considerado como a contrapartida foneticamente realizada de pro. Como se viu, quando há um contexto existencial, ou quando pro é legitimado num DP objecto, o seu conteúdo não pode ser processado, o que indica presumivelmente que não existe nesses casos interpretação específica. Nesse caso, justifica-se a presença de uma expressão quantificada explícita: se o DP elíptico em (52d) não tem interpretação específica, e se não pode ser ligado a um antecedente, a inserção do pronome en --forma com valor específico-- é um meio de tornar o DP elíptico específico. A função de en neste caso consiste em tornar visível um DP não específico ao associar o quantificador a um antecedente contextual. Se o DP for específico --por exemplo em posição sujeito em (52c)--, então en é inútil.
Em Português, ao contrário do Francês, os exemplos indicam que um DP quantificado é específico tanto em posição objecto como em contexto existencial, o que significa que pro é devidamente identificado pelo contexto.
[40] Em Português, a leitura específica de um DP quantificado não parece pois condicionada nem pela indefinitude nem pela posição sintáctica. Em Português, mas não em Francês, o DP elíptico quantificado aparenta ser inerentemente específico, o que pode servir de explicação para a existência em Francês de uma forma alternativa de especificidade, que é o clítico en. Este tipo de pronome só é pois usado se um nome vazio num DP não específico não puder identificar o seu antecedente, pelo que en é excluído com DPs elípticos com leitura específica. Presumivelmente, os nomes vazios quantificados só serão identificados por especificidade nas línguas que têm um pronome quantitativo explícito. Nas línguas como o Português, os DPs elípticos são específicos por defeito. Esta diferença pode estar na origem das assimetrias apontadas, e também das seguintes:

(54)
a. Acabaram de chegar alguns pro
b. Conheço só um pro
c. Je viens d' *(en) acheter plusieurs pro
d. J(e) *(en) connais seulement un pro


Penso que os dados anteriores provam uma relação estreita entre o processo de identificação semântica do nome vazio objecto de quantificação e a existência de uma interpretação específica. Limito no entanto estritamente esta relação entre identidade e especificidade partitiva às construções elípticas quantificacionais, que me parecem ser os únicos casos de elipse do nome aqui estudados a implicar relações entre DPs baseadas na teoria dos conjuntos. Como veremos, a identificação dos nomes vazios em outro tipo de construções elípticas pode ser processada por meios alternativos.

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