No parágrafo anterior,
formulei a hipótese de que os quantificadores são
projectados numa posição de especificador de uma
categoria funcional, e que a legitimação formal do nome
vazio está precisamente relacionada com o preenchimento da
posição de especificador por quantificadores. Em
relação à identificação do nome
vazio, assumo que é derivada do significado partitivo da
expressão de quantidade. Esta assunção aplica-se
aos elementos que se podem combinar com uma construção
partitiva, independentemente das características
semânticas desta última. O termo partitivo deve
ser entendido no sentido de Sleeman (1996), por sua vez baseada em
Enç (1991, isto é, deve estar associado a uma
interpretação de quantificação
específica. Em (49a), o quantificador dois pode ser
combinado com o PP partitivo dos concorrentes. Contudo, em
(49b) o quantificador dois expressa também um
significado partitivo, apesar de não estar numa
construção partitiva:
(49)
a. Dois dos concorrentes cortaram a meta
b. De todos os concorrentes, só dois pro cortaram a
meta
Partitivos como dois dos concorrentes referem conjuntos que
são sub-conjuntos do referente do DP contido no PP partitivo
(os concorrentes), pelo que os partitivos são
necessariamente específicos.[35]
O PP dos concorrentes fornece ao quantificador dois uma
leitura específica, pelo que o conteúdo do nome vazio
pode ser recuperado junto do conjunto referente. Assumo pois que um
quantificador [+partitivo] induz uma
interpretação específica pelo facto de implicar
uma operação de partição.
Contrariamente a Sleeman, contudo, assumo que o traço
[+partitivo] só é manifestado nos
quantificadores, isto é, nas expressões quantificadas,
mas não nos adjectivos. A distinção sugerida por
esta autora entre D-partitivos e N-partitivos --ver capítulo
2-- não deve ser, como veremos, mantida relativamente aos
adjectivos. Os quantificadores são elementos inerentemente
partitivos, que permitem a elipse do nome em todas as Línguas
Românicas. Por outro lado, assumo que o traço
[+partitivo] --ou o traço [+massivo], no caso
da quantificação massiva-- intervem no processo de
identificação do nome vazio e não na sua
legitimação. Para mim, a legitimação dos
nomes vazios é apenas o resultado de determinada
configuração, nomeadamente uma relação de
tipo Concordância Especificador-Núcleo entre uma
posição de especificador e o nome vazio --ver
parágrafo anterior. Considero que a
identificação de nomes vazios por quantificadores
é possível porque ocorrem num DP com
interpretação partitiva/específica, e que esse
DP deve ser associado a outro DP no contexto, para o nome vazio ser
interpretável.
Embora o traço [+partitivo] possa ser morfologicamente
realizado em Português e em Francês --caso de
algum ou beaucoup--, admito que este é um
traço semântico e não morfológico, e que
tem um papel exclusivamente na identificação dos nomes
vazios, já que indica o antecedente contextual. O traço
[+partitivo] não é portanto para mim nem um
caso de Concordância Forte, hipótese defendida
por Lobeck (1995), nem uma estratégia de
legitimação dos nomes vazios, tese adiantada por
Sleeman (1996). Se, para Lobeck, os nomes vazios são ao mesmo
tempo formalmente legitimados e identificados por um núcleo
regente marcado por Concordância Forte, e se, para Sleeman,
elementos com um significado partitivo legitimam formalmente a elipse
do nome, assumo que o significado partitivo presente nas
expressões quantificadas tem uma mera função de
identificação de conteúdo. Esses elementos de
quantificação identificam necessariamente o
conteúdo do nome vazio. Dissociando-me das análises de
Lobeck e Sleeman, proponho, de acordo com o que foi já
sugerido, que pro é formalmente legitimado por
Concordância Especificador-Núcleo por um quantificador
em [Spec,QP], e identificado por meio de um antecedente
específico
Voltando à identificação de pro em
expressões quantificadas, vejamos os casos seguintes:
(50)
a. Há dois pro no jardim
b. * Il y a deux pro dans le jardim
Estes exemplos parecem-me relacionados com o facto de alguns DPs
não poderem aparecer em contextos existenciais,
restrição ilustrada a seguir:
(51) Há dois/alguns / *estes
/ *os gatos no jardim
O que é relevante no paralelo entre (50) e (51) é que
os quantificadores pressupõem que o referente do nome existe,
o que os torna compatíveis com uma interpretação
existencial --ao contrário dos definidos e dos demonstrativos.
A presença de um quantificador é aparentemente
relevante para a identificação de um nome vazio em
Português --ver (50a)--, mas (50b) mostra que em Francês
o nome vazio quantificado não é compatível com
uma interpretação existencial.
Outro tipo de construção quantificada envolvendo nomes
vazios é ilustrada a seguir:
(52)
a. O João viu muitos filmes, mas só gostou de dois
pro
b. O João viu muitos filmes, mas só dois pro
lhe agradaram
c. Jean a vu beaucoup de films, mais trois pro seulement l'ont
marqué
d. * Jean connaît beaucoup de films, mais il n' aime que trois
pro
e. Jean connaît beaucoup de films, mais il n' en aime
que trois pro
Estes casos ilustram em Francês a assimetria entre uma
expressão elíptica quantificada em
posição sujeito--ver (52c)--, e a mesma
expressão em posição objecto, cujo nome
não pode ser suprimido -- ver (52d). Essa assimetria
não se manifesta em Português --como mostra (52a.b).
Existe no entanto em Francês um pronome en, cuja
presença permite a legitimação do nome vazio
vazio num DP objecto, em (52e). Do mesmo modo, en permite a
legitimação de um DP elíptico num contexto
existencial:
(53) Il y en a deux pro dans
le jardim
Penso que, nestes exemplos, o pronome quantitativo en
pode ser considerado como a contrapartida foneticamente realizada
de pro. Como se viu, quando há um contexto existencial,
ou quando pro é legitimado num DP objecto, o seu
conteúdo não pode ser processado, o que indica
presumivelmente que não existe nesses casos
interpretação específica. Nesse caso,
justifica-se a presença de uma expressão quantificada
explícita: se o DP elíptico em (52d) não tem
interpretação específica, e se não pode
ser ligado a um antecedente, a inserção do pronome
en --forma com valor específico-- é um meio de
tornar o DP elíptico específico. A função
de en neste caso consiste em tornar visível um DP
não específico ao associar o quantificador a um
antecedente contextual. Se o DP for específico --por exemplo
em posição sujeito em (52c)--, então en
é inútil.
Em Português, ao contrário do Francês, os exemplos
indicam que um DP quantificado é específico tanto em
posição objecto como em contexto existencial, o que
significa que pro é devidamente identificado pelo
contexto.[40]
Em Português, a leitura específica de um DP quantificado
não parece pois condicionada nem pela indefinitude nem
pela posição sintáctica. Em Português, mas
não em Francês, o DP elíptico quantificado
aparenta ser inerentemente específico, o que pode servir de
explicação para a existência em Francês de
uma forma alternativa de especificidade, que é o
clítico en. Este tipo de pronome só é
pois usado se um nome vazio num DP não específico
não puder identificar o seu antecedente, pelo que en
é excluído com DPs elípticos com leitura
específica. Presumivelmente, os nomes vazios quantificados
só serão identificados por especificidade nas
línguas que têm um pronome quantitativo
explícito. Nas línguas como o Português, os DPs
elípticos são específicos por defeito. Esta
diferença pode estar na origem das assimetrias apontadas, e
também das seguintes:
(54)
a. Acabaram de chegar alguns pro
b. Conheço só um pro
c. Je viens d' *(en) acheter plusieurs pro
d. J(e) *(en) connais seulement un pro
Penso que os dados anteriores provam uma relação
estreita entre o processo de identificação
semântica do nome vazio objecto de quantificação
e a existência de uma interpretação
específica. Limito no entanto estritamente esta
relação entre identidade e especificidade partitiva
às construções elípticas
quantificacionais, que me parecem ser os únicos casos de
elipse do nome aqui estudados a implicar relações entre
DPs baseadas na teoria dos conjuntos. Como veremos, a
identificação dos nomes vazios em outro tipo de
construções elípticas pode ser processada por
meios alternativos.