[1]
Cf Pica (1985:7).
[2]
Afirmação habitualmente atribuída a
Aristóteles, e retomada por Pascal, para quem, no entanto,
esta expressão tem um sentido bem definido: "Je travaille
maintenant à examiner la vérité de la
première (opinion); savoir, que la nature abhorre le vide
(...) pour vous ouvrir franchement ma pensée, j'ai peine
à croire que la nature, qui n'est point animée, ni
sensible, soit susceptible d'horreur, puisque les passions
présupposent une âme capable de les ressentir (...)".
PASCAL, Lettre à M. Périer, 15 nov. 1647. (Citado por
Marc Séassau, e-mail, from: mm.Seassau@wanado.fr, to:
fmart@mail.ua.pt, La nature a horreur du vide,
25/8/1997)
[3]
A tradição vê na elipse mais do que um
princípio de economia: o poeta Horácio sugere que a
elipse é uma maneira obrigatória de aliviar o discurso,
uma forma de não cansar o ouvido. Horácio,
Sátiras, I, 10,: "Est brevitate opus, ut currat sententia, neu
se impediat verbis lassas onerantibus aures". (citado por
Clerico 1983)
[4]
Jerónimo Soares Barbosa (1822): "De resto as ellipses
são naturaes a todos os homens. Porque todos procurão
dar ás suas expressões a mesma rapidez do pensamento,
que em huma ideia vê muitas ao mesmo tempo. As ellipses reduzem
á menor expressão possivel as frases inteiras, do mesmo
modo, que os nomes appelativos são humas
reducções dos nomes proprios, que serião
infinitos; [...] As mesmas ellipses são uteis no
estylo simples para lhe dar mais luz e clareza; porque quanto menos
palavras se empregão em huma frase, mas se chegão as
ideias humas ás outras, e melhor se percebem assim as suas
relações." (p.409). Note-se que neste trabalho,
optou-se por deixar a ortografia original dos autores
clássicos citados.
[5]
Também a linguística estrutural considera a
existência de seres linguísticos imperceptíveis,
ou pelo menos de elementos nulos indirectamente perceptíveis.
Para atestar a sua existência --embora não haja forma
fonológica associada--, opõe por exemplo a
realização de um fonema à sua própria
ausência. Em termos funcionais, o critério de
pertinência permite postular a presença de formas
não-marcadas, juntamente a formas marcadas,
definidas como formas zero --significante ou morfema zero-- em
distribuição complementar com as formas plenas ou
marcadas. Em línguas morfologicamente ricas e providas de
flexões binárias --do tipo masc/fem--, é
possível considerar que a ausência de uma flexão
tenha só por si algum valor gramatical: dir-se-á que a
forma zero corresponde a uma flexão e a forma plena a outra A
linguística funcional recusa-se no entanto a considerar de
igual para igual a existência de unidades linguísticas
plenas e vazias, dizendo que uma unidade linguística deve ser
perceptível e discreta ou não é unidade
linguística. A noção de subentendido é
completamente estranha ao estruturalismo.
[6]
Note-se que os estudos sobre as figuras de retórica em geral,
e a elipse em particular, ocupam na gramática histórica
um espaço significativo. Como veremos, a importância
dada à elipse pela tradição gramatical é
proporcional ao papel que supostamente desempenha na
descrição dos mecanismos
gramaticais.
[7]
Para Magalhães (1805), a elipse está à partida
associada à ideia de imperfeição: "Ellipse he,
quando se suppre de fora da Oração aquillo, que nella
falta, para que o seu sentido seja perfeito, e completo".
(p.14)
[8]
A palavra defeito é aqui usada no seu sentido
próprio (cf. defeituoso), e não como
tradução do Inglês by default. Quando se
sugere que a elipse é um defeito da oração,
é porque essa oração de algum modo não
está completa (foi objecto de detractio), e
convém remediá-la devolvendo-lhe o que está em
falta. O adjectivo defectus significa ao mesmo tempo
desprovido de e enfraquecido, enquanto o substantivo
defectio (a palavra latina correspondente ao grego
elleipsis) tem o duplo sentido de falta e
defeito. Note-se também a palavra próxima
defecção (Francês defection), cujo
sentido aponta ao mesmo tempo para a ausência e o abandono
(como abandonar um ideal). A elipse é pois um
defectus nos dois sentidos da palavra.
[10]
Levanta-se também a questão clássica de saber se
o conceito de elipse existe independentemente das ocorrências
encontradas nas línguas. O facto de o termo ser usado em
áreas diferentes das da gramática (no cinema, por
exemplo, fala-se da elipse de uma cena), mostra que assim
é.
[11]
Matos (1992:89) cita em nota Zribi-Hertz (1986), para quem a
etimologia do termo permite reunir sob a etiqueta de elipse
"todos os tipos de fenómenos linguísticos, desde os
enunciados fragmentários [...] à
pressuposição, passando pela gama, mais ou menos vasta
segundo as teorias, das formas consideradas como reduzidas, truncadas
ou lacunares (sinédoques, metonímias,
apagamentos de todos os tipos)" (tradução da
autora).
[12]Rodrigues
Maya (1790):" A syntaxe ou he natural, ou figurada. A natural he a
que ensina a compôr a oração conforme as regras
geraes da Grammatica. A figurada he a que ensina a compô-la
conforme o uso das figuras, Figura he hum modo de fallar apartado do
vulgar, e comum. As figuras principais da Syntaxe são oito,
que se chamam: Enallage, Pleonasmo, Ellypse, Zeugma, Syllepse,
Hyperbato, Hellenismo, e Arcaismo". (p.9.)
[13]
Sanctius (p.165): "La rationalité de la grammaire nous oblige
à comprendre beaucoup de mots qui, s'ils étaient
exprimés, ruineraient l'élégance de la
latinité ou rendraient le sens douteux."
(tradução de Clerico 1983:48)
[14]
Sobre o conceito de economia, veja-se a citação
seguinte: "É a elipse figura de muitíssima
aplicação em Português e que outra cousa
não é que a economia da linguagem", Mário
Barreto, Novos Estudos, capítulo.12, p.125, citado in
Morais Silva vol IV, p.238
[15]
Soares Barbosa (1822): "[As elipses] por outra parte
são necessarias ao estylo patético e vehemente para dar
mais fogo e vivacidade ao discurso, e assim imitar melhor a marcha
precipitada das paixões. O ponto todo está em que as
ideias, que se supprimem, sejão faceis de supprir ou pelo
raciocinio, ou pela associação, que o uso tem feito de
humas com outras, ou pelo estado de agitação, em que se
acha tanto quem fala, como quem ouve." (p.409-410)
[16]
Bernard Lamy (1675) nota a faculdade única da elipse de poder
acompanhar a marcha brusca dos sentimentos. Sem elipse, como seria
possível dizer a violência das emoções?
"Une passion violente ne permet jamais de dire tout ce que l'on
voudroit dire. La langue est trop lente pour suivre la vitesse de ses
mouvements ; ainsi l'on ne trouve dans le discours d'un homme que la
colere anime qu'autant de mots que la langue en a pû prononcer
dans la promtitude de la passion. Quand le mouvement de cette passion
est interrompu, ou tourné d'un autre costé, la langue
qui le suit, profere d'autres paroles qui n'ont plus de liaison avec
celles qui precedent. [...]. *Ellipse* dit la même
chose qu'*Omission*." Bernard Lamy, "Art de parler" (1675),
Munich,1980 (Ed. Wilhelm Fink), lib. II, cap. III. (Citado por
Olivier Bettens, e-mail from: obettens@worldcom.ch), to:
fmart@mail.ua.pt, Sanctius et les Impercepibles,
29/5/1997)
[17]
Cunha & Cintra (1984): "Em gramática, a elipse de um termo
deve ser invocada apenas quando manifesta. E, ainda assim, com
extrema prudência."
p.614.
[18]
Chevalier, Blanche-Benvéniste, Arrivé & Peytard
(1964): "En grammaire, [l'ellipse] doit être
invoquée avec une extrême prudence. Elle conduit aux
pires insanités, comme le montre l'exemple des grammairiens
philosophes du XVIIIº siècle, acharnés à
tout aligner sur certaines constructions de pensée.
[...] Même utilisé avec tact, le recours
à l'ellipse, en grammaire, est souvent inutile et, plus
généralement, nuisible" (p.99)
[19]
Para Noël & Chapsal (1823), citados por Haroche &
Maingueneau (1983), põe-se a questão de saber se a
ideia da falta de um elemento, vulgarmente conhecida como
elipse, não passará afinal de uma
preocupação exclusiva dos gramáticos zelosos das
construções canónicas. Para o usuário, ao
contrário do gramático, raramente haverá
intuição de uma falta, ou de uma incompletude,
já que o subentendido é só por si do
domínio da evidência. "L'ellipse supprime les mots
nécessaires à la construction de la phrase pour la
rendre pleine et entière, mais inutiles au sens, parce que
ceux qui sont énoncés les font aisément
suppléer." (p.144)
[20]
[21]
Haroche & Maingueneau (1983) citam a seguinte
observação de Jacques Lacan:".[...] n'est
caché que ce qui manque à sa place." Embora os excessos
do Lacanismo nos convidem a uma certa prudência, esta
citação pode talvez sugerir que, pelo menos para alguns
autores, o uso e abuso da elipse tem algo a ver com o afectivo, ou
com uma preocupação lúdica de cumplicidade com o
leitor.
[22]
Todas as citações estão nas páginas
404-406
[24]
Ver notas 16 e 17, p.8