Linhas pessoais de pesquisa
A minha actividade de investigação tem como centro a Filosofia do sentido.
No essencial, trata-se do prolongamento, desenvolvimento e precisão das condições em que se dá a relação entre a compreensão e o sentido, quer sob um ponto de vista genérico, quer sob um certo número de perspectivas específicas entre as quais importará enfatizar as condições de compreensão, as condições de produção e os modos de existência do sentido.
Interessam-me, por isso, todos os
fenómenos em que a relação entre o
sentido e o ser se apresenta como problemático, ou como
falsamente não problemático.
Isto implica, naturalmente, uma reflexão simultaneamente
ontológica, epistemológica,
hermenêutica e existencial, que só pode ser levada
a cabo através da interrogação
simultânea, e, frequentemente, indiscernível de
registos que, em linguagem corrente, poderíamos denominar
teórico e prático.
Do questionamento do espaço hermenêutico
à reflexão sobre um certo número de
autores provenientes do espaço literário,
passando pela análise das condições de
existência, de pensamento e de acção no
quadro da cultura, reflectindo, essencialmente, sobre os modos de ser,
é sempre do mesmo núcleo que se trata.
Tudo isto está, no essencial, presente no meu livro Paixões e
Singularidades, de que, num certo sentido, todas as
produções posteriores constituem
extensões e prolongamentos.
Análise dos confrontos teóricos contemporâneos acerca da teoria da interpretação e da compreensão.
A hermenêutica forneceu, tradicionalmente, o quadro teórico e problemático para o tratamento da questão da compreensão. Fê-lo, numa perspectiva teleológica, teológica ou ontologicamente determinada.
A questão da compreensão aparecia, neste quadro, como algo de natural ou revestindo uma problematicidade essencialmente heteronómica, donde a ausência sistemática de um tratamento teoricamente satisfatório da categoria de “compreensão”.
A partir de um certo momento – epocalmente coincidente com a modernidade – a ligação natural entre o ser e o discurso, a dependência deste em relação àquele, perde o seu carácter de evidência, ao mesmo tempo que começa a constituir-se a categoria de sujeito, passando o sentido de um discurso a ser identificado com a intenção do seu autor.
Pela mesma época – e estes factos ocorrem no desaguar romântico da modernidade – a linguagem começa a destacar-se do pensamento que era suposto representar e adquire uma espessura própria. É deste novo quadro mental e teórico que nascem as tentativas pós-românticas e pós-modernas de centrar o trabalho de compreensão no próprio texto, donde a célebre posição de Derrida – e tantas vezes mal entendida – de que “não há um fora do texto” ou a legitimação heideggeriana de um “violência interpretativa”.
A análise do discurso desloca-se da expressão para a linguagem por ter descoberto que o discurso não se liga directamente ao real; mas ao situar-se centralmente no domínio da linguagem, denuncia a ausência de um adequado tratamento teórico da categoria de “compreensão” e ignora a existência de outras relações, mais ou menos complexas, com a exterioridade e de outras dependências absolutamente determinantes na relação que é estabelecida com o texto.
Objectivos:
Sistematizar os problemas contemporâneos que se colocam ao trabalho de interpretação através de uma revisão dos métodos tradicionais da hermenêutica e do exame das principais linhas actuais, de Heidegger a Derrida, exteriores ao tradicional domínio hermenêutico.
Um primeiro balanço dos trabalhos efectuados nesta área consistiu na publicação do livro Introdução à Hermenêutica que que procura ser uma abordagem introdutória, mas simultaneamente crítica da hermenêutica filosófica.Estudo do fenómeno literário como espaço específico, e privilegiado de produção do sentido e de desenvolvimento de meios de compreensão, numa perspectiva que procura ligar o lietrário e a vida, ao mesmo tempo que busca os limites internos de ambas as categorias.
Objectivos:
Avaliar o peso que as relações textuais têm hoje, no acto de compreender o próprio mundo, como forma de aproximação à tentativa de uma análise mais sistemática da categoria da “compreensão”.
Esta linha de orientação tem-se concretizado em diversos estudos sobre as obras de Maria Gabriela Llansol, de Ana Teresa Pereira e de António Ramos Rosa. O âmbito da análise será alargada a diversos outros autores.
O
meu livro Infinito Singular
constitui uma tentativa de dar uma forma teórica mais ampla
a
estes estudos.
Análise da questão da compreensão e do sentido no domínio das ciências humanas
Objectivos:
Podemos considerar que as Ciências Humanas nascem com o projecto positivista do desejo de constituir um saber objectivo respeitante ao homem. É nesse espaço que ocorrem os debates metodológicos e epistemológicos que colocam o problema da subjectividade e dos valores. Mas ao lado deste espaço existe um outro, aparentemente mais filosófico e menos científico que nasce à margem daquela constituição, que dá um passo atrás, não sendo esse passo de carácter epistemológico e, portanto, não podendo ser entendido como um retrocesso. Este outro espaço vive de questões diferentes, coloca problemas diferentes, tem, em suma, uma visão distinta das coisas.
Entre estes dois espaços não existe verdadeiro diálogo, uma vez que não partilham os mesmos objectivos nem os mesmos objectos teóricos. Esta distância, este não diálogo não devem ser entendidos como uma limitação epistemológica das Ciências Humanas mas como um sinal da precariedade da própria expressão “ciências humanas” enquanto entendida epistemologicamente. Esta precariedade é paralela à precariedade do próprio homem. E neste sentido a ausência do carácter epistemológico disso a que chamamos, por comodidade de expressão e por influência da metafísica, “Ciências Humanas” é algo de eminentemente positivo. Trata-se, então, de tentar achar pontos de ligação entre estes dois espaços, o que implica uma revisão tanto dos aspectos metodológicos como propriamente ontológicos.
O
artigo “Filosofia e transdisciplinaridade”,
publicado on line pela
Academia Skepsis (Brasil), constitui uma das
concretizações desta linha.
Análise das relações entre as condições de compreensão e as condições de existência
Objectivos:
Analisar as condições gerais, metafísicas, ontológicas e antropológicas da compreensão no nosso tempo, através do exame de um certo número de categorias centrais, como a “vida” e “cultura” e dos diversos modos de relacionamento do acto de compreender com a tradição e estudar os problemas que conduzem aos conflitos entre tradições culturais distintas, com especial atenção às questões de natureza ética.
Uma das questões fundamentais no tratamento das relações entre a compreensão e o sentido é o modo ou modos como a realidade última, o sujeito existente, reflecte essas condições. Colocam-se, pois, problemas de natureza essencialmente ética e política.
O projecto assim delineado tem em consideração, adicionalmente, um conjunto de fenómenos que se têm manifestado, mais recentemente, como centrais no pensamento filosófico e cultural, de que destacamos os procedimentos de estetização e eticização. Estes movimentos devem encontrar o seu lugar de análise no quadro de uma teoria da compreensão transformada ou renovada que tenha em conta os contributos fundamentais de Michel Foucault e de Walter Benjamin, que devem ser confrontados com algumas formas actuais de retranscendentalização como a que pode ser verificada nas posições desenvolvidas por Jurgen Habermas e Karl-Otto Apel.
As conclusões desta linha de orientação são, a meu ver, importantes para a determinação quer de uma perspectiva actual da teoria da cultura – muitas vezes excessivamente pulverizada no quadro dos Estudos Culturais – quer para o reconhecimento da importância dos estudos textuais no quadro de uma teoria da cultura e, adicionalmente, para uma avaliação das diversas metodologias disponíveis na abordagem dos textos, teóricos ou literários e dos modos de existência, os processos de constituição dos sujeitos e os problemas resultantes desses processos.
Esta
linha de orientação deu origem, entre outros
textos, ao artigo
“Legitimidade, dignidade e resistência. Sobre a
possibilidade e necessidade
do juízo ético”, cujas
temáticas tenciono amplificar e aprofundar no futuro.
Todas as questões anteriores são aplicáveis ao domínio da Cultura Portuguesa, pensada, simultaneamente, na sua autonomia e especificidade, e como conjunto de contribuições para os diversos problemas teóricos que constituem a base da minha reflexão. Em termos específicos, tenho centrado a minha análise, sobretudo na questão Tradição/Modernidade, a partir do Renascimento. Autores como Antero, Pascoaes, Pessoa, António Sérgio, ou Eduardo Lourenço, constituem, na contemporaneidade, objectos privilegiados de análise, aos quais será preciso acrescentar os nomes clássicos de Leão Hebreu, Frei Heitor Pinto, Francisco Sanches, ou o Padre Vieira.