O Labirinto do Medo: Ana Teresa Pereira |
Prólogo: o labirinto das representações Capítulo I - O labirinto da escrita: a sombra e o seu nome 1. O ponto de vista da análise 2. A escrita e a história Capítulo II - O labirinto do real 1. O real e a suspeita 2. A escrita, a literatura e o real Capítulo III - O labirinto dos sujeitos 1. A interpretação do fantástico 2. A interpretação simbólica e a interpretação psicanalítica As interpretações do símbolo A interpretação dos símbolos e a questão da ciência: o carácter transcendental das justificações teóricas 3. Textualidade, significação e símbolo 4. O “fantástico” de Ana Teresa Pereira 5. O lugar de A Última História 6. A circularidade e as suas formas 7. O duplo e a questão da identidade 8. Os modos do duplo 9. O duplo “natural” 10. Figuras circunstanciais do duplo O “alimentar-se” do outro A transformação/ transfiguração: o monstro e o diabólico Capítulo IV - O labirinto das ficções: entre a história e a escrita 1. A escrita como enunciação radical 2. A rede intertextual Capítulo V - O labirinto do tempo 1. O sentido da ‘hesitação’ 2. Num Lugar Solitário: entre o sintoma e o símbolo 3. O nome e o espaço. Do espaço ao tempo Capítulo VI - O labirinto das interpretações 1. Níveis do sistema e planos de leitura Nível perceptivo Nível simbólico Primeiro nível sistemático Nível meta-simbólico ou segundo nível sistemático Conclusão: O labirinto do medo 1. Para além do sistema: a negação do outro 2. Só um lado das coisas nos pertence 3. O fim e o princípio da história 4. A última palavra |
O labirinto das representações
Quando, num tempo como o
nosso, em que as representações e as fantasias ocupam o lugar das sensações e
dos sentimentos, a escrita não pode, evidentemente, ser muito mais do que um
lugar de exploração desses fantasmas: não se escreve, é-se escritor, fazem-se
livros; não se lê nem se compreende, avalia-se o lugar e a forma das
representações objectivadas. Num mundo assim, os textos de Ana Teresa Pereira
só podem ser considerados “marginais” ou “curiosos”, correndo mesmo o grave
risco de, um dia, se tornarem “populares” devido, precisamente, a essas
supostas características. Certamente que esta situação que, demasiadas
vezes, somos levados a denunciar como própria de uma época (lembremos, por
exemplo, a doutrina benjaminiana do declínio da aura) é, na realidade,
intemporal. Faz parte, de direito e de facto, do quadro social de produção e de
consumo dos discursos. No entanto, a intensificação do peso dos meios de troca
social e, sobretudo, a anulação progressiva dos centros de difusão dos valores
(a religião, a política...) tendem a sublinhar a dimensão representativa dos
valores ligados à arte e à literatura, tendem a sublinhar, no “literário”, formas
e valores de todo estranhos à escrita e ao que ela tem de essencial: o
aprofundamento do não representativo, a emergência do deserto que é o único
lugar verdadeiramente humano. Para se compreender os livros de Ana Teresa
Pereira é necessário ir além deles mesmos, ir além da representação que, em
cada momento, somos tentados a constituir. Ler Ana Teresa Pereira é descer da
falsa luz da imagem até à escuridão absoluta onde mesmo o confronto com os
nossos próprios fantasmas é ainda uma forma de representação, de desistência,
de não compreensão. De facto, não resistimos a olhar o rosto do outro, a ver
nele aquilo que imaginamos. Recordo um fim de tarde no Funchal. Eu estava
sentado diante de Ana Teresa Pereira. Falávamos, como não podia deixar de ser,
de livros. O dia declinava e, em certo momento, a escuridão era quase total. O
som das nossas vozes, que ecoava nessa escuridão, começava a tornar-se-me
insuportável. Disse então: não se pode acender uma luz? É que já não te vejo o
rosto! Este episódio pode representar a dificuldade de
qualquer leitor perante os textos de Ana Teresa Pereira. Há sempre um momento
em que a tentação de acender a luz é demasiado forte. Mas é preciso tentar,
tentar sempre... tentar que a luz nasça do fundo da escuridão e não de um qualquer
ponto absolutamente exterior a ela e que não dilua as sombras por completo. Este livro é essa tentativa. Certamente fracassada; di-lo a minha experiência de leitor dos livros de Ana Teresa Pereira e do meu próprio texto. Todavia, para além desse provável fracasso, este livro é, sobretudo, a expressão absolutamente imperfeita, de uma ligação íntima entre o meu mundo e o mundo de Ana Teresa Pereira. Ligação desenvolvida ao longo de vários anos, sempre aprofundada através de múltiplas formas, mesmo através do maior silêncio. Este livro não é o culminar de um trabalho de pesquisa, mas o momento, privilegiado, talvez, de uma ligação entre mundos; é uma intersecção. E é só isso que quer ser. |