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Infinito Singular |
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DIÁRIO DE NOTÍCIAS – 15/12/2006 O intenso júbilo da singularidade 'Infinito Singular/Sobre o
não-literário' é o novo livro de
A filosofia está limitada pela ideia de impossibilidade,
apesar de desejar ardentemente uma conclusão. Nessa medida, é um sem caminho. Infinito
Singular/Sobre o não-literário, de De que modo poderá o leitor penetrar neste labirinto cujo
caminho é enunciado, desde logo, por um paradoxo? Talvez sabendo que a matéria
literária está ligada ao mundo e que, não sendo - enquanto experiência de visão
e esquecimento exclusivamente literária - acontece também, como sublinha o
ensaísta, na "paixão, no intolerável, no sublime". Entre-se então no livro levantando-se-lhe, por meio da incisão,
a pele, tal como o autor aconselha a fazer no processo de separação entre
literário e não literário, acedendo-se assim a um corpo-texto sensível de
continuidade descontínua, de uma circularidade intensa escrita em espiral e
associada a uma obra edificada sob o signo da Filosofia do Sentido, da
Hermenêutica e da Teoria da Literatura. Destaque para Post Scriptum.
Escritos sobre o Sentido (1996); O Labirinto do Medo: Ana Teresa Pereira,
Paixões de Singularidades (ambos de 1999) e Introdução à Hermenêutica
(2002). O ensaio é atravessado pela consciência aguda de que o
pensador escreve na experiência-limite do deserto na ameaça do niilismo, com o
sentimento crescente da falta de lugar para as palavras. Enquanto homem da
filosofia e poeta, RM sabe que este último não tem o "problema"
diante de si. Mergulhado no pântano da vida, sem bússola e determinações
geográficas ou morais (como no caso da paixão), escreve no não-saber sobre as
cinzas do imperceptível, do irrepetível. Entra, desse modo, no espaço da transcendência,
da "fulguração de que nasce a alma", materialização daquilo a que o
autor chama infinito singular. O poético nasce, por outro lado, da mudez, porque não lhe
está subjacente um discurso pré-determinado, dir-se-ia "silêncio
atravessado por uma infinidade de murmúrios que emergem dos constantes combates
entre indivíduos e coisas, entre imagens e matérias (não é "a realidade
sempre irreal"?), entre sonhos e paredes nuas." Poderá dizer-se, por
isso, que a arte se funda num princípio de impotência de onde tudo emerge
quando o possível se atenua ou destrói. O não literário existe, para o autor,
apenas durante um momento - o infinito singular - condenado ao apagamento, ao
desaparecimento. É esse relampejo que há que estudar, segundo RM, na sequência
da sua projecção no "texto feito", e que pode e deve ser repetido
pela compreensão (e não pela interpretação), iniciada na desolação e na
libertação de tudo quanto em nós é idealização. Ao arrancar o acontecimento à mera representação, o não
literário "possibilita-nos a entrada no seu interior" e a experiência
do "júbilo da singularidade", explica o escritor. É o infinito
singular (ideia-fulgor que incendeia o livro), "essa experiência da não
repetição, do carácter absolutamente único de cada coisa que ocorre do outro
lado , que a poesia proporciona". Aí anuncia-se a
"falsidade" da experiência poética (verdade em relação a si mesma) e
a sua falsidade em relação à vida." A matéria literária passa a ser então,
de acordo com RM, da ordem de uma ontologia do sentido. A escrita mais intensa, essa, pode ser definida como
tentativa de aproximação daquilo que Escrever a partir de onde e o quê? Onde fica e para onde
vai o que escrevemos, onde se tocam as palavras que trocamos? Ler de que modo?
Eis algumas das interrogações de Como entrar (ler) (n)este livro? Salvando o texto de alguma
da sua natureza abstractizante (a que o conteúdo filosófico obriga); abrindo a
sua labiríntica, misteriosa pele, nela reconhecendo uma constelação plural de
vitalidade ascendente, baseada num esforço de atenção. Quando parecer que o
pensamento tropeça num círculo, saiba-se que é porque tocou em algo de
singular, frágil, trágico. Nisso Blanchot tinha razão ao citar Kafka:
escrevemos para poder morrer, morremos para poder escrever. Escrevemos também
porque estamos vivos. |