NÃO NOS LIXEM NÚMERO 8 - DEZEMBRO 1996

Incineração

Os nossos caixotes do lixo a arder?

Em numerosos países, a incineração dos lixos arrisca tornar-se um dos principais factores responsáveis da degradação da saúde humana e do ambiente. Esta tecnologia é proposta, preconizada e muitas vezes imposta porque liberta os produtores de resíduos da sua responsabilidade. Mas contrariamente a numerosas ideias feitas, a incineração não nos livra dos nossos lixos, apenas os faz deslocar e dispersar no nosso ambiente.

Duas técnicas são actualmente utilizadas para "tratar" em grande escala a montanha de resíduos que produzimos todos os dias: os aterros e a incineração. Os primeiros tornam-se cada vez mais difíceis por causa da diminuição de sítios disponíveis e das reticências crescentes dos cidadãos em acolhê-los no seu ambiente. A incineração, durante algum tempo posta em causa regressa agora de novo. Adornada com todas as garantias tecnológicas, ela torna-se "A" solução para a crise dos resíduos com que estamos confrontados.

Um princípio simplista... e uma prática incontrolável

O princípio da incineração consiste em reduzir os resíduos à sua fracção mineral - as cinzas - depois de ter transformado toda a fracção orgânica em dióxido de carbono (CO2) e vapor de água. Na prática veio a verificar-se que mesmo os melhores sistemas de combustão não permitem atingir este objectivo. A incineração "ideal", possível em condições de laboratório, deixa de o ser à escala industrial por causa das frequentes "instabilidades de combustão" que se produzem nos fornos de grandes dimensões. As razões têm a ver falhas do equipamento, com erros humanos, mas sobretudo com as mudanças rápidas da composição do combustível introduzido na incineradora, isto é, o conteúdo dos nossos caixotes do lixo. A cada uma destas instabilidades de combustão corresponde uma baixa da temperatura no forno e por isso uma combustão incompleta dos resíduos. As misturas complexas de metais pesados e de substâncias químicas halogenadas (cloro, fluor, brómio) contidas nos nossos caixotes do lixo encontram então condições óptimas para se combinarem numa grande variedade de compostos tóxicos. Entre eles, as dioxinas e os furanos, já reconhecidos como cancerígenos poderosos e de que se descobrem hoje os outros efeitos nefastos para o ambiente e para a saúde humana.

Os poluentes representam apenas uma parte dos milhares, talvez das centenas de milhares de combinações químicas possíveis que culminam em moléculas de cujos efeitos nos organismos não sabemos nada. Nestas condições, é perfeitamente ilusório esperar controlar as emissões de uma incineradora. De facto, não existe actualmente nenhum sistema que permita uma recolha de amostras e uma análise completa dos fumos, nem durante os ensaios preliminares de testagem, e ainda menos durante as operações de rotina. A incineração é por natureza uma tecnologia incontrolável cujas consequências ambientais é impossível avaliar.

As pseudo-vantagens da incineração

A incineração permite aos produtores de resíduos descartar-se da sua responsabilidade uma vez que os seus produtos se transformam em fumo (uma molécula de dioxina não leva marca!). Eles constituem, por isso, juntamente com certos responsáveis da gestão de resíduos que se sentem ultrapassados pelos acontecimentos, os advogados mais fervorosos da incineração. Os argumentos mais frequentemente utilizados a favor da incineração são os seguintes:

1. As incineradoras modernas podem produzir vapor ou electricidade, o que permite valorizar os resíduos do ponto de vista energético;

2. A incineração permite evitar o envio para aterro e por isso limita os problemas de contaminação da água e do solo;

3. A incineração permite concentrar as substâncias tóxicas contidas nos resíduos sob uma forma homogénea e mais fácil de manipular.

Cada um destes argumentos pode - e deve! - ser rejeitado. As incineradoras modernas, ligadas a uma central de produção de energia e dotadas de sistemas de controlo de poluição sofisticados são extremamente caras na construção e na manutenção de rotina. Não são nem nunca serão rentáveis. A incineradora de Amager, na Dinamarca, queima anualmente 306.000 toneladas de lixos domésticos provenientes de Copenhaga e de Frederiksborg. Gera, anualmente, 142.000 MWh de electricidade e 417.000 MWh de calor. Em comparação com a energia que é possível economizar através da reciclagem, a incineração dos resíduos é estimada de 3 a 5 vezes menos eficaz.

Após a incineração de 1 tonelada de resíduos domésticos, ficam ainda cerca de 300 a 350 Kg de escória e de cinzas de que é necessário livrar-se. E não é o mais fácil! Com efeito, as cinzas residuais podem ser altamente tóxicas. Ironicamente elas sê-lo-ão tanto mais, quanto os sistemas de filtros da incineradora forem eficazes e retiverem mais poluentes dentro da instalação. Que fazer com um concentrado de metais pesados (chumbo, mercúrio, cádmio) e de substâncias tóxicas persistentes como as dioxinas e os furanos? Incorporá-las no betão, no cimento? Fazer estradas, diques, casas... que um dia serão destruídas e libertarão massivamente o seu conteúdo tóxico? Será necessário desenvolver um novo sistema de tratamento - mais um! - para os "resíduos da incineração" ou utilizar aterros especiais, severamente controlados, raros, caros... e perigosos?

O problema não é a gestão dos resíduos mas A produção dos resíduos

Que fazer com a montanha de lixos em que estamos sentados? Certamente não é confiar numa tecnologia das mais imprevisíveis para a nossa saúde e para o nosso ambiente, como é o caso da incineração. Mas que fazer?

Porquê não pormos a questão de saber como chegámos a isto? Os resíduos não são um problema na natureza. Qualquer organismo os produz sem que depois seja obrigado a "geri-los". A nossa situação é diferente, por um lado por causa da quantidade, por outro por causa da natureza dos nossos resíduos. Os nossos caixotes do lixo são desproporcionados face às nossas necessidades e sobretudo contêm produtos da nossa industria que não são nem degradáveis biologicamente, nem reutilizáveis por estarem irreversivelmente misturados. A única atitude sensata é racionalizar a nossa produção de resíduos na origem. Quer dizer, desde a produção de um material, de um objecto, de uma substância qualquer, encarar o seu futuro até ao estado de resíduo. Será reutilizável? Reciclável? Degradável? O seu percurso no nosso ambiente está isento de risco tóxico em cada etapa? A não ser que se trate de um produto indispensável e insubstituível (não são muitos!) um só não a uma destas perguntas deveria levar à proibição do fabrico.

Iniciativas felizes

Felizmente, já foram tomadas certas iniciativas para se opor à incineração. Em França por exemplo, onde em 1995 uma dezena de associações de protecções da natureza e a Greenpeace de França fundavam a Coordenação nacional contra a importação, exportação e incineração de resíduos, com o objectivo de juntar as associações francesas confrontadas com este problema. Actualmente conta com 101 associações e federações de associações membros de pleno direito, o que significa que assinaram a Carta da Coordenadora que exige entre outras coisas uma moratória para a construção de incineradoras. Além disso, médicos, eleitos e associações estrangeiras associaram-se à coordenadora e permitem uma circulação eficaz e rica da informação relativa à incineração em geral e às dioxinas em particular (...).

O Luxemburgo conhece também evoluções positivas no que respeita à redução de lixos domésticos. Graças às instalações de compostagem, mais de 20.000 toneladas de lixos biológicos deverão ser separados dos resíduos domésticos, para se fazer composto de alta qualidade. Este poderá ser vendido como fertilizante. Em muitas autarquias, resíduos de vidro, matérias plásticas e de papel são recolhidos em "centros de reciclagem". Em duas autarquias "cobaias", 37% de reduções de lixos domésticos puderam ser alcançadas num ano graças à introdução de taxas cobradas sobre a quantidade de lixos domésticos produzidos.

Um estudo recente, revelou que a oferta de instalações de compostagem e de centros de reciclagem permitia reduzir a produção de resíduos em 77%. Além disso um prognóstico feito pelo ministério do Ambiente afirma que nos próximos anos os resíduos domésticos poderiam diminuir a tal ponto, seja evitando produzi-los, seja através dos conceitos de reutilização, que no ano 2005 não haveria teoricamente necessidade da única incineradora existente no Luxemburgo.

Estas iniciativas ambiciosas são contudo ainda bastante insuficientes. É necessário nomeadamente que as autarquias mobilizem a população para reduzir os resíduos ou instalem um sistema válido que lhes permita recolher os resíduos separados por categorias.

Pequeno planeta

É verdade, em numerosos países estão a ser tomadas iniciativas, nomeadamente para reduzir as quantidades de resíduos. Mas o problema chegou a tal ponto que a incineração é entendida por numerosos industriais como a única, a última escapatória que lhes permite prosseguir a exploração intensiva dos nossos recursos naturais. É contudo indispensável que rapidamente compreendamos que os recursos são limitados, que o nosso espaço, a nossa atmosfera o são também, que o nosso planeta, em suma, é pequenino.

Pierre Coulon,
GREENPEACE MAGAZINE
4/1996



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