NÃO NOS LIXEM NÚMERO 4 - JANEIRO/FEVEREIRO 1996

Aterros de Resíduos Tóxicos

A Alemanha Aqui Tão Perto

Quais as consequências da instalação de um aterro, para a saúde, para o ambiente, para a economia familiar? Publicamos um artigo extraído do jornal alemão "Schwabacher Tagblatt" de Outubro de 1989. Uma visita guiada aos vizinhos de um aterro com quase 50 anos. E quantos não há pelo país, iguais ou piores?

Entre os vizinhos do aterro  de Schwabach (Alemanha) existe a raiva e o desespero.

Não são poucos os proprietários que prefeririam partir hoje em vez de amanhã. Mas à  maioria falta-lhes o dinheiro para dar esse passo. Quem vive em Vogelherd  encontra-se  duplamente prejudicado, pela contaminação e pela perda de valor. Também o medo pode levar à doença.

Com uns poucos marcos no bolso, a família de refugiados construiu a sua casita, pequena, modesta, nos arredores da cidade. A casa tinha sido pensada para os cinco filhos da família. Achavam magnífico poder viver fora, às portas da cidade. Um jardim em volta e precisamente por trás havia desde há anos a pequena  mata. Hoje,  ao fim de quarenta anos, apenas um par de árvores dão testemunho do que outrora era um terreno arborizado. O aterro de resíduos especiais de Schwabach foi ganhando espaço. Uma simples vedação da altura de um homem separa o jardim e a casa do aterro de resíduos com efeitos contaminantes.

Os cinco filhos estão fora de casa; ficou só a mãe. Ninguém esquece o que há quarenta anos ia ser um "terreno de sonho" . Há vinte anos Rosa Keil, o seu marido e muitos vizinhos vão lutar contra a instalação, no meio de uma zona habitada, de um aterro de resíduos tóxicos. Até hoje, contudo, sem êxito. A velha mulher sorri cansada: "Que haveremos mais de fazer contra o aterro de resíduos especiais ? Inclusivamente tentámos uma acção para bloquear a entrada no terreno". Outros vizinhos apresentaram-se com paus e forquilhas no local para impedir o aterro. Também não serviu de nada.

A casa encontra-se situada num círculo que o toxicólogo Max Daunderer, de Munique declarou inabitável a longo prazo. O professor Otmar Wassermann, de Kiel, que aceitou o convite da cidade de Schwabach e da iniciativa Cidadã Sondermüll (Resíduos Tóxicos), ao falar no palácio de congressos de Rednitzhembach, confirmou a opinião do seu colega de Munique. Sem querer falar de números exactos, a quantidade de perigos tóxicos ainda desconhecidos, causados pelo funcionamento da estação de resíduos especiais seria tão grande que ele não poderia aconselhar ninguém, de boa fé, a viver muitos anos à volta daquela empresa.

Dias inteiros a chorar

Os vizinhos que levam anos a viver à volta do monte de resíduos estão muito preocupados. Adolf Schmidt que vive num edifício com várias famílias na encosta do terreno coniforme quer saber de uma vez por todas a verdade, "apenas a verdade". Há cinco anos construiu uma casa nova para a sua filha num terreno que tinha herdado. Ela vivia também, tal como o marido e o filho de quatro anos, muito próxima do local.

A jovem mulher está à espera de um segundo filho. A casa e o jardim foram planeados para crianças. No jardim há brinquedos e uma pequena piscina. Mas o jardim perdeu o atractivo para a jovem família. "Já nem me apetece comer as pêras da nossa árvore", diz a mulher grávida. Preferiria partir daqui já hoje, mas onde arranjar dinheiro para começar de novo? A mãe e avó Brigitte tem muita afeição pela casa e pelo terreno e quer ficar: "isto seria um sonho se não existisse a fábrica incineradora de resíduos especiais*" .

Algumas casas mais à frente, uma jovem família tenta há  meio ano vender a sua casa. Cada vez pedem menos dinheiro por ela, mas ainda não encontraram comprador. Há poucos anos a jovem mulher tinha-se casado em Schwabach e aquela casa parecia-lhe um bom ponto de partida para a vida familiar. O filho tem agora quatro anos, "realmente nós queremos ter um segundo filho, mas podemos tomar tal responsabilidade enquanto vivemos tão perto de um aterro?", pergunta a mãe.

O netinho dos Schmidt sofre ataques de asma, "pseudo-crup", diagnosticaram os médicos. O avô Schmidt  tem já aos quarenta e nove anos a reforma antecipada. Tal como os vizinhos sai pouco de casa. Quando sai em viagem durante alguns dias ou semanas, regra geral sente-se sempre melhor. Serão responsáveis pela doença as substâncias tóxicas do aterro vizinho? A família admite que sim. Mas não se pode provar nada. O homem doente preferiria deixar hoje a casa herdada dos seus pais. Os encargos financeiros de um edifício de várias famílias é tão grande que se torna impossível começar a vida noutro lugar, sem vender a casa. Adolf Schmidt já pôs a casa à venda através de agencias imobiliárias e de anúncios em jornais;  baixou o preço para metade do valor avaliado. Mesmo assim, nem uma só pessoa interessada o contactou. Entretanto, a poucos quilómetros de distância procuram-se urgentemente casas.

Há pouco a empresa exploradora do aterro distribuiu comunicados pelos vizinhos. Ninguém deve acreditar no que  o toxicólogo Daunderer, diz . O presidente da empresa e o presidente da Câmara assinam o papel: " ... estejam descansados que os moradores que vivem à volta da empresa não estão expostos a nenhum perigo causado por nós."

O professor  Wassermann não considera responsável esta afirmação. Há centenas, milhares de compostos químicos tóxicos e altamente tóxicos que presentemente ainda não foram identificados nem estudados. Excluir com certeza um perigo para os vizinhos não passa de uma tentativa para desviar a atenção dos problemas reais. Da mesma maneira que o professor de Kiel não é partidário de provocar o pânico, também não pode fazer de boa fé declarações sobre o carácter inofensivo.

À pergunta sobre quadros de doenças típicas que aparecem  nas imediações de aterros e incineradoras de resíduos especiais, Wassermann adopta uma atitude prudente. Os toxicólogos teriam de possuir estudos e comparações, resultantes de exames à população feitos com regularidade. Irritações da mucosa e doenças nervosas poderiam de facto  estar relacionados com os elementos tóxicos dos resíduos. De qualquer modo não se poderia provar nada em casos individuais sem exames à população e investigação das causas.

Já se sabe que nas imediações de  um aterro é melhor evitar na medida do possível que as crianças brinquem com terra. Seria também um facto comprovado o perigo especial a que estão submetidos os chamados grupos de risco: crianças, mulheres grávidas e as pessoas mais velhas. A declaração do professor Wassermann de que os "ratos da Índia" criados ao ar livre nas imediações de um aterro de resíduos sobrevivem poucas semanas fez correr um suor frio pela espinha das muitas pessoas que assistiam à sua intervenção no auditório .

O professor de Kiel também tinha visto  vivendas situadas a uns 10 ou 15 metros  de distância do local de um  aterro. A terra que dá para os terrenos das casas deveria ser impermeabilizada imediatamente, neste caso não se deveria esperar mais tempo.,afirmou Wassermann.

Quem vive em Vogelherd é duplamente prejudicado. Por um lado está exposto às substâncias tóxicas. Dada a proximidade directa. Por outro lado, tanto a casa como o terreno perderam uma parte muito considerável do seu valor. Uma família desesperada considera a possibilidade de alugar a sua casita que ninguém quer comprar. Os primeiros interessados poderiam ser soldados norte-americanos estacionados na região, até agora têm alugado tudo o que aparece por ali. Mas o direito americano não tem valor em solo alemão - pelo menos o direito a ser protegido da contaminação de substâncias tóxicas (ver caixa sobre  DIOXINAS ).

* Nota de Redacção - Que ali despeja as suas cinzas e escórias tóxicas.

Medir dioxinas

Tarefa Impossível Da enorme arbitrariedade com que se fixam os limites permitidos de substâncias contaminantes, é prova um estudo comparado de valores-limite para a chamada Dioxina de Seveso, assim nomeada devido ao terrível acidente verificado em instalações industriais químicas desta cidade italiana. As autoridade ambientais norte-americanas acabaram por fixar os limites toleráveis pelas pessoas, no caso desta substância altamente tóxica, entre 100 e 1000 vezes acima dos limites do Ministério Alemão de Saúde.

Viver junto a uma Incineradora de Resíduos Tóxicos

Uma vez que não são feitos exames regulares à população residente nas proximidades das incineradoras (alemãs), o Prof. Wassermann incita os vizinhos das fábricas incineradoras de resíduos tóxicos a estarem atentos às alterações quer se podem verificar no seu estado de saúde. Os venenos lentos serão mais capazes de conduzir a um agravamento progressivo da saúde, do que a mudanças bruscas. Além disso, o grau de resistência varia de pessoa para pessoa. O que um pode aguentar bem, pode provocar doença no outro. Também o medo pode conduzir à doença. Transformar o medo e a raiva em coragem e energia é o único conselho que Wassermann pode dar aos vizinhos. Haverá que lutar para que os responsáveis não gastem mais tempo, dinheiro e esforços sem levar a sério os interesses destas populações.



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