NÃO NOS LIXEM | NÚMERO 2 - SETEMBRO/OUTUBRO 1995 |
Na escolha das localizações para as incineradoras, as empresas de eliminação de resíduos perigosos escolhem aquelas comunidades onde esperam vir a ter pouca resistência política. Como resultado, estas unidades estão maioritariamente localizadas em áreas cujas populações são pobres, de idade, religiosas, rurais, e/ou compostas de pessoas de cor. Mais de metade das incineradoras comerciais de resíduos industriais existentes e propostas, nos EUA, são localizadas em comunidades rurais. Evidências recentes indicam claramente que as incineradoras de resíduos industriais resultam em contaminação da cadeia alimentar, colocando ameaças à saúde dos consumidores que comem alimentos cultivados nas suas proximidades. Para os agricultores, existem evidências de riscos adicionais para a sua produtividade e comercialização de colheitas e de gado criado nas proximidades de incineradoras.
os compostos químicos emitidos pelas incineradoras acumulam-se
nas colheitas e no gado, por vezes em concentrações muito
grandes.
já foi demonstrado que os compostos químicos emitidos
pelas incineradoras afectam a produtividade e a saúde dos animais
e da vegetação.
em alguns países, já foram medidas concentrações
muito elevadas de dioxinas, furanos e metais pesados em plantações
e animais criados próximos de incineradoras.
a comida é já a maior fonte de exposição
para a população em geral, de contaminação
por metais pesados, dioxinas e furanos, assim como de outros químicos
sintéticos.
Adicionalmente aos efeitos biológicos, há também a considerar potenciais impactos económicos. A presença de níveis elevados de contaminação nos alimentos pode afectar a procura destes produtos aí criados.
Como as incineradoras fornecem aos produtores de resíduos uma via escapatória, relativamente barata, da responsabilidade face aos seus resíduos, uma capacidade abundante de incineração fornece um desincentivo poderoso para o investimento, da indústria, em mudanças nos processos de fabrico, por forma a reduzir ou mesmo evitar a geração de resíduos na fonte.
As incineradoras que queimam resíduos industriais perigosos emitem milhares de químicos diferentes, incluindo metais pesados, resíduos não queimados, e produtos de combustão incompleta (PICs), independentemente da tecnologia utilizada. Estas emissões incluem variedades de químicos tóxicos persistentes, biocumulativos, tais como dioxinas, furanos, PCBs, hexaclorobenzeno, chumbo, cádmio e mercúrio.
As técnicas analíticas e de amostragem das emissões das incineradoras são de tal forma limitadas que a maior parte dos químicos libertados ainda não foram caracterizados. Cerca de 40 a 99% da massa total de químicos permanecem não identificados, colocando riscos imprevisíveis para a saúde e para o ambiente.
O impacto da incineração na agricultura é um problema extremamente complexo, envolvendo centenas de químicos conhecidos e milhares de desconhecidos, cada um dos quais tendo propriedades únicas de acumulação e toxicidade. As misturas de químicos actuam de uma forma diferente de que os mesmos isoladamente. A acumulação e a toxicidade variam de acordo com o tipo de agricultura, com a temperatura, as condições e tipo dos solos, assim como outros factores. Como resultado, uma previsão quantitativa completa dos seus efeitos potenciais é impossível.
Os membros da família das dioxinas são em geral extremamente persistentes. O composto mais bem estudado desta família tem um tempo de vida médio no solo estimado em 29 anos, significando isto que quantidades significativas permanecerão no meio ambiente por muitas décadas. As dioxinas e compostos afins são extremamente solúveis nas gorduras mas não na água fazendo com que eles se concentrem nos tecidos gordos dos seres vivos. Os efeitos sobre a saúde para doses pequenas incluem a infertilidade, a supressão do sistema imunitário, perturbações no desenvolvimento dos fetos e das crianças, defeitos nos nascimentos, cancro, disfunções hormonais. As crianças em desenvolvimento - estando expostas às dioxinas desde o momento da sua concepção pelo sémen dos pais, pela placenta e pelo leite das suas mães - estão expostas ao maior risco de todos.
Permitir exposições de dioxinas em qualquer lado - mas especialmente em zonas agrícolas - não pode ter justificação.
As incineradoras não destroem os metais: elas simplesmente os distribuem pelo meio ambiente através das suas emissões pelo ar, pelas suas cinzas, e, pelas suas descargas de águas residuais. Os metais são absolutamente persistentes: eles não são decompostos no meio ambiente, portanto as suas emissões ao longo do tempo resultam num aumento progressivo das concentrações nos solos.
Os metais podem contaminar as colheitas pela entrada a partir do solo ou por deposição pela atmosfera. Alguns metais como o crómio ou o cobre só são retirados dos solos pelas plantas até um determinado grau. Outros incluindo o cádmio e o zinco podem acumular-se nos tecidos das plantas com níveis superiores aos do solo.
Os resultados incluem a contaminação dos alimentos a efeitos directos na saúde da vegetação e dos animais.
O nível trófico mais elevado de muitos ecossistemas terrestres é o HOMEM: a acumulação progressiva de metais nestes ecossistemas pode ser encarada como uma ameaça ao seu bem estar, manifestado quer de uma forma directa, à medida que aumentam as concentrações de metais nos seus alimentos, quer de uma forma indirecta em termos de uma degradação de qualidade do seu meio ambiente.
A absorção do cádmio do solo por algumas variedades de vegetação tem sido bem documentada, sendo o cádmio imediatamente transferido para o topo da planta após absorção pelas raízes. A exposição demorada ao cádmio pode causar cancro, doenças do fígado, disfunções neurológicas, diminuição na fertilidade, mudança no sistema imunitário e malformações nos fetos. Variando as estimativas do tempo de semi-vida do cádmio no solo desde 15 a 100 anos este é obviamente um problema a longo prazo e é necessário que a poluição seja evitada ou minimizada sempre que possível.
As emissões de chumbo de incineradoras podem também ter um efeito significativo na agricultura. O chumbo e os seus compostos tendem a acumular nos solos e nos sedimentos onde, devido à sua baixa solubilidade e à sua relativa imunidade à degradação microbiológica, eles permanecerão acessíveis à cadeia alimentar e ao metabolismo humano muito para o futuro. A deposição de chumbo nas plantas e nos solos pode resultar em exposições significativas nos animais e nos consumidores humanos. Os alimentos são de longe a maior fonte de exposição ao chumbo para a população em geral. Os frutos e as sementes são os responsáveis pelas maiores exposições. Como resultado de poluição localizada, níveis extremamente elevados de chumbo aparecem nas raízes e folhagem de plantas. Provavelmente o efeito mais importante da associação do chumbo com as folhagens de plantas é na cadeia alimentar onde as plantas basicamente actuam como transportadores passivos de chumbo. O papel mais significativo das plantas com chumbo nos ecossistemas reside nas situações em cadeias alimentares onde a cobertura tópica do chumbo pode ser ingerida por herbívoros que pastem essas plantas. A relevância potencial deste problema é suportada por mortes documentadas de cavalos que pastavam áreas contaminadas por chumbo próximas das estradas.
Existem outros metais que acumulam nas plantas afectando a sua produtividade. Tanto o selénio como o arsénio podem entrar nas plantas a partir do solo, em que o selénio mostra ter um factor maior de entrada. O selénio é também absorvido do ar pelas plantas. Devido à sua toxicidade o arsénio é também uma fonte de contaminação importante da vegetação. A entrada a partir do solo tende a ter valores inferiores de concentração nas plantas que nos solos.
O mercúrio depositado pelo ar coloca um problema mais sério porque o mercúrio deposto nas partes aéreas das plantas é facilmente transferível para outras partes. O mercúrio é um dos elementos mais tóxicos que se conhece causando malformações nos fetos e disfunções neuronais mesmo em doses muito baixas.
O zinco causa disfunções no metabolismo e no sistema imunitário em seres humanos.
Os PAHs (PICs semi-voláteis, hidrocarbonetos aromáticos polinucleares) emitidos pelas incineradoras podem também acumular na vegetação, através das partículas suspensas levadas pelo ar. São conhecidos como carcinogénicos mas podem também causar defeitos em nascimentos, infertilidade e supressão do sistema imunitário.
No estado de Luisianna, Mary MCcastle, vizinha de uma incineradora
de resíduos perigosos (Rollins em Alsen) testemunhou o seguinte:
«Nós não sabemos o que estão a queimar na incineradora,
mas sabemos que nos está a pôr doentes. Sabemos que já
não podemos ter jardins bonitos. Nós viviamos só desta
quinta, criávamos feijão-manteiga, ervilhas. Nós tínhamos
tudo. E não só a família MCcastle. Toda a comunidade
em Alsen vivia dos nossos campos. A única coisa que precisávamos
de comprar era a carne. Criávamos porcos. Depois de vir a
Rollins... Ninguém conseguia comer a carne. Os porcos começaram
a morrer, as galinhas começaram a morrer. Não sabíamos
o que é que se passava. Então descobrimos que a Rollins estava
a queimar resíduos perigosos (MCcatle 1987).»
Baseado num, texto da GREENPEACE
«Incineração de Resíduos Perigosos -
Impacto na Agricultura» de Joe Thornton
Fevereiro de 1993.
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