NÃO NOS LIXEM NÚMERO 12 - MAIO 1998

Resíduos Perigosos em Cimenteiras

Procurando minimizar o problema aos olhos da população, o Governo depois de abandonar o projecto da construção de uma incineradora para o "tratamento" de resíduos perigosos decidiu transferir a queima desses resíduos para os fornos industriais de cimenteiras. Será essa a melhor solução? O artigo que a seguir apresentamos, elaborado em Espanha, retrata uma situação idêntica ao que poderá acontecer no nosso país.

A responsabilidade da produção de resíduos perigosos pertence aos seus próprios produtores. Eles são responsáveis pelo impacto que a sua presença causa no ambiente, desde a sua criação até à sua eliminação total. Em alguns casos, em vez de procurar proporcionar o melhor tratamento disponível para minimizar o seu impacto sobre a saúde humana e do ambiente, os produtores limitam-se a dispor deles da forma mais cómoda ou barata, como é vendê-los a uma industria para a sua queima incontrolada.

As industrias cimenteiras por sua vez, com o fim de embaratecer os custos em combustível "limpo", decidem utilizar misturas que contêm importantes concentrações de substâncias perigosas, pondo em risco a saúde dos seus trabalhadores e a dos cidadãos expostos à contaminação produzida e contribuindo para a degradação dos nossos ecossistemas.

A incineração de resíduos perigosos nos fornos de cimenteiras não significa uma solução para o tratamento de resíduos perigosos, tal como também não o é a incineração numa instalação autorizada para esse efeito, posto que a única solução para prevenir a contaminação é não produzir substâncias perigosas. Os resíduos perigosos também não podem ser considerados combustíveis eficazes para o fabrico de cimento, pois que para além de possuírem um baixo poder calorífico, acabam por gerar emissões, cinzas, efluentes e produtos que contêm todo o tipo de contaminantes perigosos, tal como os metais pesados e as dioxinas, que terão que ser captados e tratados, complicando e encarecendo muito o processo (...)

Emissões Tóxicas

As substâncias tóxicas produzidas pela combustão de resíduos perigosos em cimenteiras podem ser distribuídas para o ambiente nas seguintes formas:

Emissões da chaminé - resíduos inqueimados, metais e produtos de combustão incompleta (PCIs) que aparecem como gases ou como componentes de finas partículas que escapam aos mecanismos de controlo de contaminação;

Emissões por fuga - substâncias químicas voláteis que escapam durante o transporte e o armazenamento dos resíduos;

Cinzas volantes - finas partículas que sobem pelas chaminés, uma parte das quais são retidas pelos mecanismos de controlo de contaminação e a outra parte se escapa para o ar;

Efluentes dos mecanismos de controlo de contaminação tais como os lavadores de gases;

Derrames, "in-sito" ou durante o transporte externo;

Cimento e/ou Subprodutos que são vendidos ou distribuídos.

Os principais tipos de substâncias tóxicas que são emitidas como resultado da incineração de resíduos perigosos em cimenteiras são: resíduos inqueimados, produtos de combustão incompleta, metais e partículas.

1. Resíduos não queimados

Uma importante quantidade de resíduos não queimados são emitidos para a atmosfera em forma de gases (tanto como vapores como partículas finas), como escapes de fuga (durante o transporte e no armazenamento), em derrames acidentais, como constituintes das cinzas volantes retidas, nos efluentes dos mecanismos de controlo de contaminação (como lavadores de gases), e como constituintes de resíduos sólidos que se incorporam no cimento ou nos subprodutos (...)

Emissões por fuga de resíduos perigosos não queimados

As emissões por fuga que se produzem durante o transporte, armazenamento e durante o processo, representam sérias ameaças para a saúde pública e ambiental. Segundo o conselho assessor cientifico da EPA (Ministério do Ambiente dos EUA), AS EMISSÕES POR FUGA OU DERRAMES ACIDENTAIS PODEM EMITIR TANTO OU MAIS MATERIAL TÓXICO PARA O AMBIENTE QUE AS EMISSÕES DIRECTAS PROVOCADAS PELA INCINERAÇÃO INCOMPLETA DOS RESÍDUOS. (USEPA 1985) Uma fábrica cimenteira nos Estados Unidos, Systech / Lafarge, detectou o escape de 9,1 toneladas métricas de emissões por fuga por ano, incluindo 12 substâncias carcinogénias. Com efeito, não existem dados sobre a frequência ou o tamanho dos derrames "on site" de resíduos perigosos em instalações de incineração de resíduos.

2. Produtos de combustão incompleta

Durante a combustão de resíduos perigosos, fracções dos resíduos reagem entre si formando novas substâncias de base de carbono, chamados "produtos de combustão incompleta" (PCIs). OS PCIs PODEM SER POR VEZES MAIS DIFÍCEIS DE DESTRUIR E MAIS TÓXICOS QUE OS COMPOSTOS ORIGINAIS, SEGUNDO A EPA (EPA Science Advisory Board, 1985). (...) OS PCIs DE MAIOR PERIGOSIDADE ENTRE OS ATÉ AGORA IDENTIFICADOS, SÃO AS POLICLORADAS DIOXINAS E FURANOS. Estas substâncias têm tendência para se formar em processos de combustão com a presença de estruturas de carbono e de substâncias halogenadas (principalmente cloradas). As dioxinas e os furanos são consideradas das substâncias mais perigosas conhecidas pela sua toxicidade, persistência e tendência para a bio-acumulação. Diferentes estudos sobre as quantidades destas substâncias emitidas em diversas cimenteiras nos Estados Unidos aparecem concentrações totais (de várias espécies de dioxinas e furanos), de 9,2 ng/m3 até 44,8 ng/m3. (...)

3. Metais

Os metais pesados não são destruídos nem desintoxicados num processo de combustão, pelo que as cimenteiras que incineram os resíduos perigosos APENAS REDISTRIBUEM ESSES METAIS, através da sua expulsão para a atmosfera, nas cinzas volantes, nos efluentes dos mecanismos de controlo de contaminação e nos produtos e subprodutos. Entre os metais de maior perigosidade, por serem carcinogénios ou causarem lesões no sistema neurológico, pulmonar ou reprodutivo, costuma encontrar-se o cádmio, crómio, níquel, mercúrio, chumbo e zinco. Todos, por sua vez, são tóxicos tanto de forma aguda como crónica para o meio aquático e terrestre. (...)

4. Partículas

Todas as cimenteiras emitem partículas para o ar, implicando uma séria ameaça para a saúde humana e ambiental. A emissão de partículas aumenta claramente nas cimenteiras que incineram resíduos perigosos, e especialmente resíduos halocarbonados.

O cimento e as poeiras

(...) Uma vez que as poeiras das cimenteiras que queimam resíduos tóxicos contêm substâncias tóxicas tais como dioxinas, furanos, compostos orgânicos voláteis, etc., deveriam ser consideradas como resíduos perigosos. A declaração legal deste pó das cimenteiras como resíduos perigosos aumentaria enormemente o custo da gestão para as cimenteiras e, portanto poderia reduzir a rentabilidade destas cimenteiras. Como evidência de que existe risco de contaminação do cimento, temos o caso recente de uma associação de construção de tubagens norte-americana (American Concret Pressure Pipe Association) que decidiu proibir o uso de cimento considerado "tóxico" em tubos para água. Além disso, a Aliança Nacional de Cidadãos dos EUA, solicitou à EPA que se proceda a uma etiquetagem especifica para o cimento de cimenteiras que utilizam dissolventes como combustíveis. (...)

Conclusões

1. A incineração de resíduos perigosos nos fornos das industrias cimenteiras constitui uma prática de elevado risco para a saúde dos trabalhadores dessas fábricas, dos cidadãos e para o bem estar do ambiente.

2. A incineração não representa uma solução para a produção de resíduos. Este processo não faz desaparecer, nem elimina a perigosidade dos resíduos, unicamente transfere a sua perigosidade para outros meios (água, ar e solo).

3. Durante o processo de incineração, e devido à grande heterogeneidade dos resíduos, geram-se uma enorme quantidade de substâncias perigosas, como as dioxinas e os metais pesados, cuja presença no meio põe em perigo a saúde dos trabalhadores e dos cidadãos expostos, bem como dos ecossistemas.

4. Além disso, os fornos das cimenteiras não reúnem as condições mínimas necessárias para regular o processo de incineração de resíduos perigosos, nem mecanismos eficazes de controlo da contaminação que durante o referido processo se produz.

5. Torna-se negligente e irresponsável a venda de resíduos perigosos para a sua incineração incontrolada em qualquer forno industrial.

6. Perante o perigo que representa o uso de resíduos perigosos como combustíveis em cimenteiras, torna-se inaceitável a realização desta prática; em suma, exige-se que para o processo de fabricação de cimento se utilizem unicamente combustíveis "limpos".

Dados recolhidos de um estudo publicado pelo departamento de ecologia e ambiente da central sindical Comissiones Obreras do Estado Espanhol.



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