COMUNICAÇÃO | BRAGANÇA, 24 DE MARÇO DE 1999 |
Boa Tarde
Antes de vos falar algumas das razões que me levam, a ser contra a queima de resíduos nas cimenteiras que está em discussão, gostaria de vos explicar a postura ambientalista relativa às várias intervenções humanas na Natureza, como é o caso da produção de resíduos perigosos e dos tratamentos de fim-de-linha como a co-incineração.
Em geral, qualquer que seja o problema que enfrentemos, perante o que sobre ele conhecemos e desconhecemos, podemos ter basicamente duas atitudes: a de ver o "copo meio cheio", ou "meio vazio".
A perspectiva que os ambientalistas tendem a ter perante a forma como afectamos (ou não) o meio ambiente, como é o caso dos resíduos perigosos, é a pessimista! A das industrias, e dos Governos tende a ser optimista.
A importância destas duas perspectivas distintas, para um mesmo copo, com a mesma água, julgo que será visível, no debate que se seguirá.
Não se pode falar, defender ou rebater a co-incineração de resíduos, sem abordar o problema da origem desses resíduos, do seu destino actual, e do que a eles deve ser prioritariamente feito.
Em Portugal, resumiria a actual situação nos seguintes pontos:
Não há praticamente fiscalização;
Não se conhecem as qualidades e quantidades de RIP produzidos;
Não se conhece, na maioria dos casos, o seu destino actual;
Os despejos selvagens nas lixeiras, ou pela ribanceira abaixo
são a regra.
Um quadro tão negro, perguntar-me-ão, não justificará a queima, o envio para aterro e a exportação dos RIP?
Esta pergunta não tem uma resposta fácil de sim ou não. Não tem, por uma razão muito simples, a pergunta pressupõe algo que não é pura e simplesmente verdade. Pressupõe que as únicas alternativas a este problema são ou nada fazer, ou queimar (aterrar e exportar)! Mais, mistura situações distintas. Mistura a urgência de lidar o melhor e o mais rápido possível, com os inaceitáveis despejos selvagens de resíduos, com a necessária estratégia sustentada que resolva esse problema a médio e longo prazo!
O projecto em discussão pretende, perante a emergência do curto prazo, justificar a regra a médio e longo prazo da queima de resíduos!
Vejamos que estratégia a médio e longo prazo.
A solução real e prioritária para com este problema, consiste em não o criar em primeiro lugar. Ou seja prevenir ou reduzir a produção de RIP. Assim, é de elementar bom senso, que resíduo a resíduo, indústria a indústria, processo de fabrico a processo de fabrico, se promova se incentive a redução ou eliminação pura e simples da produção destes resíduos.
Desta evidência, resultam as duas primeiras medidas que têm vindo a ser exigidas pela maioria dos ambientalistas:
Conhecer o problema, inventariando os tipos e quantidade de
RI produzidos;
Efectuar um Plano de Redução, que dê seguimento à prioridade
nº 1 em termos de resíduos perigosos: a Redução.
Vejamos alguns exemplos concretos. Um dos resíduos que se pretende queimar são os solventes orgânicos resultantes do uso de tintas e vernizes de base orgânica. Acontece que já há muitos anos que existem alternativas a esse tipo de tintas, como por exemplo as tintas de base aquosa, cujo solvente é o resíduo não perigoso água! Porquê então querer manter e resolver de uma forma fácil e barata os problemas inerentes às industrias de tintas orgânicas, em vez de incentivar a sua substituição, e penalizar a sua produção?
O mercúrio em Estarreja...
Dir-me-ão. Isso é tudo muito lindo, mas nem todos os resíduos perigosos são redutíveis, senão a longo, pelo menos a médio prazo!
Correcto. Mas antes de se pensar em medidas de fim de linha como a queima, a inertização físico-química e o envio para aterro; existem outras medidas ambientalmente prioritárias!
Mais não fosse, a elas poderíamos chegar observando a forma como a Natureza e a vida funcionam. Na sistema vivos também existem resíduos, sem querer discutir o problema da galinha e do ovo, a solução implementada consiste na sua re-inserção permanente nos grandes e nos pequenos ciclos que sustentam a vida. Na Natureza podemos dizer que nada se deita fora, tudo se re-aproveita. Os resíduos gerados por um ser vivo, são a matéria prima doutro.
Daqui resultam as duas prioridade seguintes em termos de Gestão de Resíduos: a reutilização e a reciclagem.
Vejamos alguns exemplos concretos.
Um dos RIP que a SCORECO pretende queimar são os óleos usados, resultantes da degradação normal na utilização de lubrificantes. Acontece, por uma feliz coincidência, que aos óleos usados podemos aplicar um processo de reciclagem que permite a sua regeneração para um óleos de qualidade idêntica ao feito com a matéria prima original. Este processo, para além de não ter os mesmos problemas que qualquer queima de resíduos gera, como veremos à frente, permite uma poupança substancial de energia, e, obviamente, de matéria prima na produção de óleos!
Porquê então a queima deste RIP?
É para mim evidente, que apesar de toda a arrogância tecnológica que tem caracterizado a nossa espécie desde a primeira revolução industrial, que querendo, ainda vamos tendo a inteligência e o engenho para resolver problemas! No caso dos resíduos, o mesmo empenhamento e engenho tem de ser aplicado para promover a Redução Reutilização e Reciclagem!
Temos assim outra das exigência dos ambientalistas neste problema:
A elaboração de um plano estratégico para com os RIP,
englobando o plano de redução, e onde se estude e implementem
medidas que, resíduo a resíduo, industria a indústria,
implementem os três R's!
Por mais absurdo que isto vos possa parecer, apesar de os vários Governos nos últimos dez anos terem estado a tentar impor a queima de resíduos como "solução" miraculosa para este problema, só em plena consulta pública do Estudo de Impacte Ambiental do processo de co-incineração é que a actual ministra do ambiente encomendou um Plano de Redução, e só após esta, depois de todo a pressão pública resultante da escolha de Souselas e Maceira, é que se prometeu a elaboração imediata do inventário e de um plano estratégico.
A curto-prazo deverão ser tidas em conta todas as medidas excepcionais (nunca como regra), que minimizem a contaminação industrial, e que não condicionem a estratégia a médio e longo prazo. Serão assim de considerar, dependendo do tipo de resíduo perigoso, para além de tratamentos físico-químicos de inertização adequados, o armazenamento a superfície (sempre na proximidade dos produtores), o uso eventual e excepcional de aterros de resíduos perigosos.
Mas mais importante que isso tudo, para parar com os despejos selvagens,
a solução terá de passar por duas medidas independentes do tipo de
tratamento excepcional adoptado:
A fiscalização.
A transparência e o acesso à informação.
Como o caso da ECTRI de Águeda veio mostrar claramente, não chega ter um destino (bom ou mau), é necessária uma fiscalização adequada.
A QUERCUS nos últimos anos tem exigido a adopção da parte do Governo de uma medida muito simples que, de uma forma barata, melhoraria enormemente a eficácia da fiscalização ambiental. Ela consiste na criação de uma linha telefónica denominada SOS-Ambiente, que poderia ser utilizada por qualquer associação ou cidadão preocupado, para denunciar despejos, ou casos agudos de poluição. Do outro lado, deveria haver distribuídas pelo país, meia dúzia de carrinhas devidamente equipadas para retirar amostras, que garantissem um tempo de resposta de no máximo uma ou duas horas, 24 horas por dia, 7 dias por semana, incluindo feriados e fins-de-semana, que são quando estes problemas mais se fazem sentir, pudessem estar no local a verificar a ocorrência e a retirar amostras!
Esta medida tão simples, faria muito mais para resolver o problema dos despejos selvagens, e por muito menos dinheiro, que qualquer queima em cimenteiras, ou aterro!
A segunda medida fundamental, consiste no direito de qualquer cidadão deveria ter, de saber as quantidades e o tipo de emissões que as indústrias fazem para a atmosfera, ou nos seus resíduos líquidos e sólidos! Neste momento isso não acontece, o que para além de tornar impossível para os ambientalistas apresentarem soluções alternativas para a grande maioria de resíduos perigosos produzidos, impede o direito de qualquer um, de defender a sua qualidade de vida (como demagogicamente vem expresso na constituição).
Facto nº 1: A queima de resíduos gera uma variedade enorme compostos químicos, dos quais ainda só se inventariaram alguns milhares ou dezenas de milhares, o que se julga ser MENOS DE METADE dos emitidos!
Facto nº 2: Em termos de toxicidade só se estudaram os efeitos de algumas centenas individualmente. Praticamente não há estudos de efeitos sinérgicos desses potenciais tóxicos. (Este desconhecimento científico, deveria fazer sobressair ainda mais as alternativas que existem, e que não têm o mesmo problema do desconhecimento)
Facto nº 3: O controlo em tempo real só se aplica a alguns compostos (óxidos de azoto, enxofre, monóxido de carbono, partículas, etc). As dioxinas e os metais pesados, só são monitorizados descontinuamente (dioxinas dizem que é mensalmente!).
Facto nº 4: As dioxinas e os metais pesados, são reconhecidamente extremamente tóxicos.
Miguel Oliveira e Silva (mos at ua.pt)
©1999, COORDENADORA NACIONAL CONTRA OS TÓXICOS |