O INDEPENDENTE, 27 de Fevereiro de 1998


Foi a cidade que mais resistiu à invasão romana da Hispânia. Ninguém sabia onde era Talábriga. Até que um matemático a descobriu.


Uma pequena aldeia lusitana

ROSA AMARAL


É UM DOS grandes mistérios da arqueologia portuguesa. Afinal onde ficava Talábriga, uma das cidades que mais resistência ofereceram ao exército romano de Décimo Júnio Bruto? Um mistério que há mais de quatro séculos apaixona historiadores e arqueólogos. As teses da sua localização apontam para locais tão diferentes como Talavera de la Reina, Cacia, Aveiro, Viseu, Sôza ou Branca. Luís Seabra Lopes, um engenheiro informático aplicou a matemática à arqueologia e resolveu o problema. Segundo as suas contas, Talábriga só podia mesmo situar-se no Marnel, uma localidade perto de Águeda. As escavações já começaram.
A História é mesmo assim. Às vezes há uma peça que não encaixa. É o caso de Talábriga, uma enigmática cidade conquistada à força pelos romanos e a única que mereceu referência nas descrições dos feitos nas campanhas militares na Hispânia.
"Entre outras cidades que se rebelaram foi Talábriga a que mais vezes o fez. Brutus voltando ali os habitantes da cidade pediram-lhe clemência e confiaram-lhe o seu arbítrio. Em primeiro lugar mandou que lhe entregassem os trânsfugas dos romanos, os prisioneiros e todas as armas, além dos reféns; depois ordenou que saissem da cidade com mulheres e filhos. Logo que acabaram de o fazer, cercou-os de tropas e arengou-os dizendo-lhes que quantas vezes se rebelassem, tantas vezes mais violentamente a guerra lhes seria feita (…). Depois de tantos feitos, Brutus voltou a Roma", conta Apiano de Alexandria.Estas descrições da resistência dos habitantes de Talábriga contra o poderoso exército de Brutus atraíram desde sempre os historiadores portugueses. A ausência de vestígios arqueológicos adensou o enigma. Até que no século XVI, em pleno Renascimento, os estudiosos portugueses insurgiram-se contra os autores que faziam corresponder Talábriga a Talavera de la Reina, em Espanha. O mais peremptório foi o antiquário Gaspar Barreiros, que defendeu em 1561 a tese de que umas ruínas que tinha encontrado em Cacia não eram mais do que o que restava de Talábriga.
Nos dois séculos seguintes, o tema gerou discussões, e os mais variados autores subscreveram a localização de Talábriga em Aveiro. Uma hipótese hoje completamente posta de parte.
Mais tarde, já neste século, surgiram outras possíveis localizações. A que reuniu mais consenso foi a de que Talábriga se situava em Branca, no concelho de Albergaria-a-Velha. Ainda hoje há historiadores que defendem esta tese, afirmando que a certeza vai ser encontrada um dia na estação arqueológica de Cristelo da Branca. Uma teoria que esbarra com aqueles que defendem a localização de Talábriga no Marnel, uma loclidade situada no concelho de Águeda onde se encontram também numerosos vestígios arqueológicos nitidamente romanos.
A base desta nova teoria está toda no estudo atento do "Itinerário de Antonino", a descrição pormenorizada das distâncias entre as principais cidades da Península Ibérica. Segundo este Itinerário, Talábriga ficava a 40 milhas para norte de Emínio (Coimbra) e a 3l milhas para sul de Cale (Gaia). Por seu lado, Plínio situou Talábriga entre o rio Vouga e a cidade de Emínio.
E é aqui que entra Luís Seabra Lopes. Apaixonado pela História da sua terra este engenheiro informático esbarrou quase por acaso com o mistério de Tálabriga quando preparava uma monografia sobre São João da Azenha, o local onde nasceu. E não descansou enquanto não o resolveu.
Partindo da hipótese de que o "Itinerário de Antonino" não tinha sido medido em linha recta mas sim por estrada começou por encontrar algumas contradições na medição das milhas. O seu gosto pela matemática facilitou-lhe a tarefa. Por outro lado, Ptolomeu deu-lhe uma grande ajuda. O sábio romano situava Talábriga a 43 milhas de Cale, precisamente a distância por estrada entre o Marnel e Gaia. Era a peça que faltava. Estava resolvido o mistério.
A tese de Luís Seabra já é conhecida dos arqueólogos. Desde há algum tempo que publica as suas conclusões em revistas especializadas. Mas não reune o consenso. Um facto que não parece preocupar muito este engenheiro informático, professor na Universidade de Aveiro, que no fundo tem a certeza de que o tempo irá dar-lhe razão.
Para já toda esta polémica teve, sim, o mérito de atrair as atenções para o Marnel, um local escondido e até há pouco tempo abandonado e que hoje é uma das meninas dos olhos da Câmara Municipal de Águeda.
A autarquia iniciou uma limpeza ao local em l996 e deu andamento a um projecto de escavações arqueológicas que pretende continuar até desenterrar a história de Talábriga. No entanto, este súbito interesse pelos vestígios arqueológicos do Marnel não evitou que o terreno continue invadido por uma plantação de eucaliptos, uma das espécies mais assassinas do solo português. Trágico destino este.