1.2. O vazio na Gramática Generativa

1.2.1.A noção de vestígio

No quadro da Teoria da Regência e da Ligação (TRL) --a teoria dominante nos anos 80 em Gramática Generativa--, as noções anteriormente referidas mantêm uma certa importância. Tal filiação poderá ser vista como baseada nas intuições deixadas pela gramática clássica sobre o vazio elíptico, embora não haja obviamente nenhuma continuidade metodológica a concluir.
Note-se que a terminologia clássica desenvolvida à volta do sub-entendido contribui para o actual quadro formal. Embora não haja em termos descritivos qualquer continuidade entre os pressupostos dos modelos respectivos, as abordagens, no quadro da TRL, do problema da elipse, mencionam de facto dois momentos básicos semelhantes aos tradicionalmente referidos: a elipse implica sempre um duplo processo, sendo o primeiro o autorizar um vazio, e o segundo o restituir esse vazio. Quer seja motivado por uma operação de apagamento, quer seja basicamente engendrado, esse vazio implica pois a existência de condições de legitimação especificamente definidas no âmbito da gramática, e a sua restituição implica a possibilidade de atribuir identificação ao termo elíptico, isto é, de "remediar" o que está em falta
[22]. A diferença entre a configuração observável e a estrutura subjacente permite concluir que existem sempre na oração final indícios suficientes para permitir restituir a estrutura linguística de base. Sendo assim, quer os movimentos efectuados, quer os constituintes lacunares devem poder ser recuperados. [23]

Do ponto de vista filosófico, o conceito de categoria vazia não é pacífico: parece introduzir uma solução de facilidade para reduzir a complexidade no domínio das línguas. A afirmação da existência de um vazio categorial pode soar a alguns como escandalosa
[24], porque constitui uma fonte de indeterminação num modelo em princípio caracterizado pelo seu rigor formal. O próprio Chomsky apercebe-se da necessidade de reafirmar a existência de categorias vazias quando refere, por exemplo, que "se o movimento não deixasse uma categoria vazia (vestígio), então estes fenómenos continuariam a ser um mistério", e que "a hipótese de que o movimento deixa um vestígio é, pois, empírica e é apoiada por evidência do tipo da que apresentámos." (Chomsky, 1986b:124). De modo geral, Chomsky qualifica as categorias vazias de assunção, e as provas da sua existência de evidência. [25] Raposo (1992:336) cita o seguinte texto de Chomsky: "[as] propriedades [destas categorias] dificilmente podem ser determinadas indutivamente a partir de fenómenos visíveis observados, e portanto reflectem presumivelmente recursos internos da mente."
Até que ponto a elipse corresponde a uma categoria vazia?
Esta questão deve ser posta na medida em que o modelo de categoria vazia desenvolvido por Chomsky na TRL, visa essencialmente os vestígios, cópias nulas de constituintes movidos, e que alguns testes permitem ver como certo tipo de anáforas nulas, como em:

(4)
a. Eu não sei o que a Maria comprou [-] na loja (vestígio de Wh)
b Quem é que a Maria viu [-] ontem? (vestígio de Wh)
C. O livro foi lido [-] pelo autor (vestígio de NP)


A posição vazia assinalada em (4a.b) corresponde a um vestígio de Wh, também referido como variável, e em (4c) representa um vestígio de NP. São vestígios na medida em que ambos resultam de um movimento. O antecedente de um vestígio de NP move-se para uma posição argumental, sendo o movimento geralmente motivado por uma atribuição de caso. O antecedente de um vestígio de Wh move-se para uma posição não argumental, em princípio para [Spec,CP], onde desempenha o papel de operador da variável assim criada, função relevante na FL .

1.2.2.A Tipologia das Categorias Vazias


Na medida em que se assumem elementos zero como fazendo parte activa da gramática das línguas naturais, deve também assumir-se a capacidade do locutor em saber distinguir e posicionar esses elementos nas representações que constrói, isto é, em dispor de princípios e parâmetros para legitimá-los e identificá-los. Como veremos, do mesmo modo que os elementos plenos, os elementos nulos em questão não podem aparecer em quaisquer configurações, ocupar quaisquer posições. Assim como as categorias plenas, também as categorias vazias devem ser legitimadas e identificadas, isto é, obedecer a restrições distribucionais e receber conteúdo semântico.
Embora o conceito de categoria vazia esteja, como vimos, parcialmente ligado ao subentendido da gramática clássica, só faz verdadeiramente sentido numa teoria como a gramática generativa. De facto, em Chomsky (1973), aparece a ideia de que qualquer elemento deslocado deixa um vestígio de si próprio na posição de origem, que fica regido pelo elemento deslocado e é com ele co-indexado. Esse vestígio é uma cópia do original, tendo em princípio todas as suas propriedades, menos a forma fonética.
No âmbito da TRL, vários módulos da Teoria exigem a presença desse vestígio na representação sintáctica. Sendo a categoria vazia de natureza imperceptível, o seu princípio deve ser completado por meios que permitem atestar a sua existência. Dois desses meios são o Princípio de Projecção e a Teoria X-barra. No primeiro caso, assume-se que as estruturas sintácticas são determinadas à partida pela estrutura de subcategorização dos itens lexicais, isto é, tal estrutura é projectada em sintaxe, onde, em conjunto com os requisitos da Teoria X-barra, corresponde a determinada configuração, e implica a presença de determinados nós. Se acontece que, durante a derivação, um argumento está em falta, e que a estrutura se revela incompleta, então, de maneira a preservar a referida estrutura, deve supor-se a sua presença, imperceptível na Forma Fonética, sob forma de categoria vazia. A teoria dos vestígios é uma consequência do Princípio de Projecção, na medida em que as propriedades de subcategorização dos itens lexicais têm de ser verificadas em todos os níveis da representação, pelo que, no caso de haver movimento, um vestígio tem necessariamente de ocorrer na posição de origem. A configuração sintáctica na qual um item lexical é inserido é pois directamente determinada pelas suas propriedades temáticas. Do Princípio de Projecção, Chomsky (1981) dá a seguinte formulação:

(5) Princípio de projecção
As propriedades de marcação temática de cada item lexical devem ser representadas em cada nível sintáctico: em FL, Estrutura-S e Estrutura-P.


Chomsky (1986b:97) refere que "uma consequência do Princípio de Projecção é, em termos informais, o facto de, se um elemento for «interpretado» como ocupando uma dada posição, esse elemento ter de estar na representação sintáctica, quer como uma categoria evidente que está foneticamente realizada, quer como uma categoria vazia, à qual não é atribuída forma fonética." Vejamos o exemplo seguinte, caso de movimento do objecto para [Spec,IP] na passiva: a posição de objecto directo do verbo roubar, que exige um argumento interno, é agora ocupada por um vestígio, já que o NP objecto se elevou na estrutura até [Spec,IP] onde recebe Caso Nominativo:

(6) [IP [O carro]i foi roubado vi esta noite]


No quadro da TRL afirma-se um princípio geral e propõe-se uma tipologia para as categorias vazias. Em Chomsky (1981), sugere-se que uma categoria vazia é um nó desprovido de conteúdo fonético, e que existem vários tipos de categorias vazias, dependendo das suas propriedades sintácticas e da sua sensibilidade aos vários módulos da teoria, em particular aos princípios da Teoria da Ligação (TL). A TL (Chomsky 1981, 1982), estipula três tipos de NPs plenos, isto é, foneticamente realizados: anáforas, pronomes e expressões referenciais. Esses NPs podem eles próprios ser vistos como a combinação de dois traços primitivos, [± anafórico] e [± pronominal], combinação essa que dá origem a quatro tipos de NPs caracterizados por associações de traços diferentes:

(7)

a. [+anafórico] [- pronominal] (anáforas)
b. [- anafórico] [+pronominal] (pronomes)
c. [- anafórico] [- pronominal] (expressões referenciais)
d. [+anafórico] [+pronominal]


Assim, os constituintes que têm os traços em (7a) são conhecidos como anáforas, e são por exemplos os reflexos simples. A combinação em (7b) refere por seu lado os pronomes em geral, como ele, tu, etc. Quanto à combinação em (7c), podemos aplica-la às expressões referenciais em geral, aos NPs, como o gato, ou o João. Se as combinações (7a.b.c) são facilmente associadas aos três tipos de NPs anteriormente referidos, a quarta levanta sérios problemas, já que a associação desses dois traços marcados positivamente parece à partida contraditória. Embora não haja NP pleno que satisfaça a combinação (7d), há, como veremos, um NP vazio que o faz, e que será identificado como o pronome anafórico nulo PRO.
Põe-se também a questão de saber se o mesmo tipo de combinações de traços é relevante para descrever os elemento nulos, o que seria desejável em termos de simplicidade da teoria gramatical. Além disso, há que determinar se as categorias vazias são simplesmente variantes vazias das categorias plenas, e, em especial, se uma categoria vazia também é possível onde o é uma categoria plena, e vice-versa. Com base nos traços [± anafórico] e [± pronominal], as categorias não foneticamente realizadas podem ser integradas numa tipologia. Chomsky (1986b:169) elabora um paralelo entre as combinações relevantes para categorias vazias e categorias lexicalmente realizadas. Esse paralelo é resumido no quadro em (8), e para a sua completa justificação, remete-se para Chomsky (1982, 1986b), Duarte (1987), Brito (1988) e Raposo (1992):

(8) Tipologia dos NPs

Combinação de traços

Categorias plenas

Categorias vazias

[+anafórico] [-pronominal]

anáforas

Vestígio de NP

[-anafórico] [+pronominal]

pronomes

pro

[-anafórico] [-pronominal]

expressões referenciais

vestígios de Wh

[+anafórico] [+pronominal]


PRO




Interessam-nos aqui em particular as categorias vazias pro e PRO. A primeira em tudo se assemelha a um pronome pessoal --pode substituir um NP referencial--, sendo simplesmente não pronunciável. Desde Rizzi (1986), assume-se que em algumas línguas --chamadas pro-drop--, como o Italiano, onde os pronomes plenos são opcionais em frases flexionadas, a posição sujeito é ocupada por um pronome nulo de tipo pro. Também se refere pro para ocupar a posição de objecto opcional (Rizzi 1986), e em alguns casos, que não vale a pena aqui desenvolver, para justificar o sujeito das formas imperativas do verbo.
Além disso, pro é apontado nesse tipo de línguas como sujeito dos verbos meteorológicos, sendo neste caso um pronome não argumental. Esses verbos não têm papel temático a atribuir. Se nas línguas sem sujeito nulo, esses verbos devem sempre manifestar um sujeito pleno, embora meramente expletivo --Francês il, Inglês it, Alemão es--, nas línguas pro-drop pode supor-se que essa posição é ocupada por pro.
[31] Nos exemplos seguintes, encontramos alguns dos usos de pro anteriormente referidos:[32]

(9)

a. pro Procuro o João (pro sujeito argumental)
b. pro Choveu toda a noite (pro não argumental expletivo)
c. Questo conduce pro alla seguente conclusione (pro objecto arbitrário)


A combinação de traços, [+anafórico] [+pronominal], que não equivale a nenhum NP lexicalmente realizado, é habitualmente associada na TRL a PRO. Este elemento é ao mesmo tempo uma anáfora e um pronome, obedece portanto ao mesmo tempo ao Princípio A e ao Princípio B da TL, sendo pois ao mesmo tempo livre e ligado na sua categoria de regência, o que é obviamente contraditório. A maneira de resolver este dilema é de postular que PRO não é regido nem pode sê-lo e não tem portanto nenhuma categoria de regência, o que é resumido no Teorema de PRO, em Chomsky (1981): PRO não pode ser regido. Na representação seguinte, vemos PRO, no seu uso típico de sujeito de uma oração infinitiva, como categoria vazia [+pronominal] e [+anafórica]:

(10) [O João]1 quer [PRO1 comprar o livro do Chomsky ]


A relação que intuitivamente assumimos entre o João e o sujeito de comprar em (10) é a de co-referência, ou controlo, assinalada por co-indexação, entre o pronome PRO e o NP sujeito principal.
Em síntese, a TRL aceita quatro tipos de categorias vazias: vestígios de NP, vestígios de Wh, pro e PRO. Vemos assim que a noção de categoria vazia de Chomsky (1981,1982) não contempla ainda a existência --atestada-- de vários tipos de relações anafóricas --no sentido mais amplo da palavra-- na ausência de qualquer movimento, típicas da elipse. Põe-se por isso a questão de saber se, nas frases seguintes, haverá que referir os constituintes vazios presentes em termos de elipse ou em termos de categoria vazia anafórica:

(11)

a. Eu tenho lido muito, e tu também tens [-]
b. O João leu a poesia camoniana e a [-] camiliana
c. O livro do João é interessante, mas o [-] da Maria não é [-]


A observação destes exemplos permite concluir que existe uma relação formal entre alguns dos constituintes presentes e o constituinte vazio. Será o caso, por exemplo, em (11c), em que podem ser restituídos livro e interessante, a partir dos elementos anteriores lexicalmente realizados. Crucialmente, o constituinte elíptico revela as duas características seguintes: em primeiro lugar, não corresponde a qualquer tipo de movimento de constituintes --pelo que não é um vestígio--, e, em segundo, pode ser recuperado a partir dos elementos efectivamente realizados.

1.2.3.O Princípio da Categoria Vazia

Os exemplos seguintes de extracção de constituintes Wh em Inglês mostram que os vestígios resultantes de uma extracção devem obedecer a requisitos de um tipo particular:

(12)

a. Whati do [IP you think [CP t'i that [IP Paul will say ti]]]?
b. Whati do [IP you think [CP t'i [IP Paul will say ti]]]?


(13)

a. * Whoi do [IP you think [CP t'i that [IP ti will bring flowers ]]] ?
b. Whoi do [IP you think [CP t'i [IP ti will bring flowers ]]]?


Em (12), vemos que no caso de extracção longa cíclica de um objecto, por Mover wh, o vestígio ti em posição argumental, independentemente da presença ou não de um COMP lexical, é regido pelo verbo, sendo por isso tematicamente regido. Quanto ao vestígio intermédio t'i, podemos ver que é regido pelo constituinte "what" co-indexado.
Em (13), caso de extracção de sujeito, existe uma assimetria relacionada com a realização ou a não realização do COMP lexical that. A diferença de gramaticalidade entre (13a) e (13b) tem sido explicada de várias maneiras na Gramática Generativa: na primeira representação, that intervem entre a posição sujeito e o vestígio intermédio em [Spec,CP]. Sendo assim, that é um regente potencial, e tem a capacidade de reger IP e os seus constituintes, incluindo a posição sujeito, o que é indesejável. Claramente, o regente para o vestígio do sujeito deveria ser o vestígio intermédio em [Spec,CP], co-indexado com ele. Temos pois uma situação com dois regentes potenciais, COMP e t', e a frase é má, visto que that, regente mais próximo do vestígio a reger, não rege tematicamente --não tem papel temático a atribuir-- nem rege por antecedente o vestígio do sujeito --não estão co-indexados. Pelo contrário, na frase (13b), não havendo COMP lexical, nada impede o vestígio intermédio de reger a posição do sujeito. Note-se também que em (13), o vestígio intermédio em [Spec,CP] é em ambos os casos regido pelo constituinte Who com ele co-indexado.
[38]
Pode-se portanto formular o ECP como um princípio de legitimação dos vestígios: para serem legitimados --isto é, para ocorrerem em determinada posição--, os vestígios devem ser regidos de um modo particular, devem ser estritamente regidos.
[39] Em Chomsky (1986a), a Regência Estrita --em Inglês Proper Government[40]-- é definida no quadro das Barreiras como Regência Temática --um núcleo marca tematicamente o vestígio-- ou como Regência por Antecedente--uma projecção máxima co-indexada rege o vestígio:

(14) Princípio da Categoria Vazia

Os vestígios devem ser estritamente regidos

(15) Regência Estrita

A rege estritamente B sse A rege tematicamente B ou A rege por antecedente B
A rege tematicamente B sse A rege B e A marca tematicamente B
A rege por antecedente B sse A rege B e A está co-indexado com B


Em (15), a regência estrita pode ser traduzida sintacticamente de duas maneiras, a regência temática e a regência por antecedente. A primeira é uma relação entre uma categoria lexical e o seu complemento subcategorizado
[43], e é relevante para os vestígios que podem estar separados por uma grande distância do seu antecedente, no caso de extracções longas, bastando para isso serem regidos localmente por um núcleo lexical --capaz de atribuir papel temático. Vejamos os exemplos seguintes, casos de extracção do objecto curta e longa, respectivamente:

(16)

a. Eu não sei [CP [que livro]i é que [IP o João comprou vi ]]
b. Eu não sei [CP2 [que livro]i é que [IP2 o Pedro acha [CP1 v'i que [IP1 o João comprou vi


Em (16a), o vestígio vi encontra-se estritamente regido, sendo regido tematicamente pelo verbo --é o seu argumento interno--, pelo que o ECP é satisfeito e a frase é boa. Note-se que mesmo em casos de extracção longa --como em (16b)--, a frase continuaria a ser boa, na medida em que o vestígio v seria sempre regido tematicamente. Põe-se no entanto a questão do estatuto do vestígio intermédio relativamente ao ECP. Assim, para o vestígio v' em [Spec,CP1], assume-se que é regido por antecedente pelo constituinte Q em [Spec, CP2], na medida em que nem CP1 nem IP2 são barreiras: CP1 é marcado lexicalmente pelo verbo achar, pelo que é um CP transparente à regência, e IP2 é nó irmão de C.
A Regência por Antecedente, por seu lado, impõe condições de minimalidade. No exemplo seguinte, temos um caso de NP sujeito submetido a Mover wh:

(17) Eu não sei [CP quemi [IP vi comprou este livro]]


Em (17), o vestígio v encontra-se devidamente regido por antecedente pelo constituinte Q em [Spec,CP], não sendo aqui IP uma barreira para a regência, já que é irmã de C, e CP é marcada lexicalmente
[46].
Formalizam-se a seguir as noções de Regência Temática e Regência por Antecedente (Chomsky 1986a):

(18) Regência Temática:
± rege tematicamente β sse ± for uma categoria de nível zero que marca tematicamente β, e ± e β forem irmãos.

(19) Regência por Antecedente
A rege por antecedente B sse
(i) A e B são categorias co-indexadas.
(ii) A c-comanda B
(iii) Não existe nenhuma categoria Ä, Ä uma barreira, tal que Ä exclui A e domina B.


O ECP é retomado por Rizzi (1990), no âmbito da Minimalidade Relativizada. De acordo com este modelo, o regente efectivo de um constituinte deve ser definido em função do tipo de regência a considerar: só uma categoria máxima pode ser barreira para uma categoria máxima, e só um núcleo pode ser barreira para um núcleo. Rizzi (1990:7) dá a seguinte definição:

(20) Minimalidade Relativizada
X ±-rege Y se não houver nenhum Z tal que
(i) Z é um ±-regente potencial para Y e
(ii) Z c-comanda Y e não c-comanda X
em que ±=núcleo/antecedente


A condição de minimalidade, assim definida, permite considerar outras estratégias para satisfazer a regência estrita das categorias vazias, como ilustra o exemplo em (21):
[50]

(21) ? [CP2 Que estudantei não sabes [CP1 que livros de linguísticak [IP tem [SV vi lido vk ]]]]?


Em (21), o vestígio do sujeito não é estritamente regido --regido por antecedente-- devido a (20), já que o constituinte em [Spec,CP1], que é o antecedente do objecto directo, é um regente potencial mais próximo. No entanto, a frase é relativamente aceitável, pelo que, se lembrarmos que uma violação do ECP implica sempre resultados fortemente degradados, concluímos que outra maneira de recuperar a categoria vazia vi deve existir nesta frase. Segundo Matos (1992:42-43), a aceitabilidade relativa de (21) mostra que vi é regido por algum núcleo próximo. A estrutura de (21) sugere que a Regência Estrita pode ser reformulada mais precisamente do que em (15), nomeadamente em termos de Regência Estrita por Núcleo, já que, crucialmente, "o vestígio do sujeito deslocado é estritamente regido por FLEX".
A Regência Estrita por Núcleo, que reduz a regência de um vestígio ao domínio de c-comando do núcleo regente, é formulada em (22), e o ECP é em consequência redefinido em (23):
[52]

(22) Regência Estrita por Núcleo
Um núcleo Xº rege estritamente uma categoria ±, se Xº reger ± no interior de X'.

(23) Princípio da categoria vazia
Uma categoria vazia não pronominal deve ser estritamente regida por núcleo


(23) implica assim que o ECP deve ser doravante considerado a dois níveis: o nível de legitimação formal das categorias vazias, processada por meio da Regência Estrita por Núcleo, e o nível da identificação do conteúdo das categorias vazias, realizada por Regência Temática ou Regência por Antecedente
[55].
Concluímos, pois, que o princípio (14) e posterior reformulação em (23), limita as categorias vazias a um determinado tipo de configuração. Esta definição contribui substancialmente para compreender a natureza das categorias vazias: a regência estrita impõe-se pelo facto de as categorias em questão serem de algum modo incompletas, e precisarem de receber do seu contexto imediato --definido justamente pela regência estrita-- as propriedades que lhes faltam. Para as categorias vazias, que devem ser interpretadas localmente, a noção de regência define esse domínio mínimo e atribui-lhe a identidade lexical que falta --por marcação temática ou por co-indexação com uma categoria plenamente identificada.
A noção de categoria vazia, definida em (14) e (23), vem mostrar que faz todo o sentido falar de vazio num quadro em que as categorias são identificadas em função das suas propriedades linguísticas e não da sua percepção directa: a ausência perceptiva não equivale à ausência linguística (Milner 1985). Para Raposo (1992:336), a identidade real dessas categorias vazias não permite confundi-las com uma ausência: "A conclusão de que existem tipos diferentes de categorias vazias, com propriedades distintas e restrições distribucionais diferentes, mostra claramente que estamos face a entidades linguísticas reais, que fazem parte da representação da linguagem na mente do falante/ouvinte. [...] Uma categoria vazia não é uma simples «ausência», porque uma ausência não pode possuir propriedades diferenciadas. Pelo contrário, uma categoria vazia é uma categoria linguística real com uma matriz gramatical, embora sem matriz fonológica."
A noção de categoria vazia reintroduz assim a antiga relação entre a gramática e o vazio, mas agora bastante distante da posição clássica, na medida em que o elemento em causa não aparece mais como uma ausência a suprir, um defeito a remediar, mas uma condição de boa formação das orações. Tanto a teoria dos vestígios --Chomsky (1973)-- como a introdução do ECP em Chomsky (1981), sucessivamente reformulado por vários autores, que postulam a existência de elemento vazios, nulos do ponto de vista fonético mas activos do ponto de vista sintáctico, mostram a evolução do estatuto do imperceptível linguístico. A importância que a noção de categoria vazia introduz na análise da Sintaxe é a da própria relação entre a linguagem e o vazio: este deixa de ser uma lacuna, uma falta, a intuição de uma ausência, um acontecimento exterior à própria língua, para se tornar numa propriedade intrínseca da estrutura sintáctica.
Mas como a exposição tem vindo a mostrar, no quadro chomskyano continua a não haver um tratamento das categorias vazias para além das aqui referidas: vestígios de NP, vestígio de Wh, pro e PRO. Ora o problema crucial que se coloca é saber se a teoria está preparada para dar conta de categorias vazias como as que encontrámos nos exemplos (11), entre outros. É o que vamos tentar perceber nos parágrafos seguintes.

 

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