A elipse nominal em Português e em Francês

Este trabalho é o resultado de uma pesquisa em Gramática Generativa que tem como fundamento a descrição da sintaxe das orações sem nome -a elipse do nome- em Português e em Francês. O estudo enquadra-se na Teoria dos Princípios e Parâmetros e baseia-se em hipóteses teóricas já clássicas, e em investigações recentes sobre elipses estruturais e nomes nulos.

A dissertação divide-se em três capítulos, organizados da seguinte forma: no primeiro , a noção de vazio linguístico, no qual se inclui a elipse, é discutida numa perspectiva clássica, e depois na sua integração no modelo chomskyano; no capítulo 2, são propostos alguns tratamentos sobre a elipse e os nomes nulos; no capítulo 3, é analisado em pormenor o mecanismo de elipse nominal em diversas construções envolvendo nomes vazios.

 

No primeiro capítulo, propõe-se uma breve perspectiva da evolução do conceito de elipse, da Gramática clássica à Gramática Generativa, e da maneira como esta tem recuperado parte das intuições deixadas pelos clássicos sobre a relação entre a língua e o vazio.

A ideia de que o vazio pode ter uma importância significativa é uma ideia polémica no domínio do saber. A afirmação da existência de um vazio linguístico pode soar a alguns como escandalosa, porque constitui uma fonte de indeterminação insustentável num modelo em princípio caracterizado pelo seu rigor formal. Algumas áreas da Linguística têm no entanto argumentado que o vazio pode criar sentido. A hipótese da existência de entidades linguísticas desprovidas de forma remonta aliás ao início da gramática. Se a diferença constatada entre as ideias a expressar e o discurso produzido mostra aos clássicos que a língua não diz tudo, conclui-se que existem entidades linguísticas, vazias mas relevantes, cuja ocultação permite acompanhar o ritmo das ideias. Existe uma forma linguística 'imperceptível', paralela à forma expressa, que deve ser reconhecida como um ser positivo. Os seres linguísticos imperceptíveis na origem da elipse, embora não tenham propriedades fonéticas, têm com certeza propriedades gramaticais.

A formalização introduzida pela Gramática Generativa sugere por sua vez que há uma 'falha' na percepção porque o vazio é resultante de um fenómeno essencial, situado 'a montante' do nível perceptivo. Considera-se que é possível postular a existência de categorias linguísticas especiais, providas de papel linguístico, mas desprovidas de matriz fonética. Essas 'categorias vazias' combinam as propriedades linguísticas das categorias plenas com o vazio fonético. A terminologia clássica desenvolvida à volta do subentendido contribui de alguma forma para o quadro formal dessas categorias. Para os Clássicos, o subentendido implica um duplo processo, sendo o primeiro o 'autorizar' um vazio, e o segundo o 'restituir' esse vazio. Em termos formais, esse vazio implica Princípios de 'legitimação' e 'identificação' definidas no âmbito da Gramática. A diferença entre a configuração observável e a estrutura subjacente permite concluir que existem sempre na oração final indícios suficientes para permitir restituir a estrutura linguística de base, pelo que, quer os movimentos efectuados, quer os constituintes lacunares, devem poder ser recuperados.

Na medida em que se assumem elementos zero como fazendo parte activa da Gramática das línguas naturais, deve também assumir-se a capacidade do falante em saber distinguir e posicionar esses elementos nas representações que constrói. Vários módulos da Teoria exigem a presença de categorias vazias na representação sintáctica, como por exemplo o Princípio de Projecção. Estando as estruturas sintácticas determinadas à partida pela grelha de subcategorização dos itens lexicais, e sendo cada estrutura projectada em sintaxe numa configuração correspondente, se numa oração um constituinte está em falta, e que a estrutura se revela incompleta, então, de maneira a preservar a referida estrutura, deve supor-se a presença do elemento ausente sob forma de categoria vazia. Faz assim todo o sentido falar de vazio num quadro em que as categorias são identificadas em função das suas propriedades linguísticas e não da sua percepção directa: a ausência perceptiva não equivale à ausência linguística. Mas se a noção de categoria vazia reintroduz a antiga relação entre a gramática e o vazio, na verdade o elemento imperceptível não aparece mais como uma ausência a suprir, um defeito a remediar, um acontecimento exterior à própria língua, mas uma condição de boa formação das orações.

A elipse revela também propriedades intrínsecas na estrutura sintáctica. A diversidade de construções de elipse nominal nas línguas naturais impõe no entanto que se elabore um princípio de tratamento com capacidade descritiva forte. A análise sistemática de casos leva à conclusão que a elipse forma uma classe sintáctica formalmente caracterizada por parâmetros gramaticais derivados das categorias vazias. As elipses são pronomes vazios que ocorrem directamente na representação sintáctica, isto é, os constituintes elípticos são basicamente engendrados na posição que ocupam superficialmente, sendo as posições na estrutura em que estão inseridos assinaladas por uma categoria vazia.

 

No segundo capítulo, apresentam-se algumas propostas de tratamento da elipse do nome.

O Princípio de Legitimação da Elipse, desenvolvido em Lobeck (1995) para o Inglês, sugere que as categorias elípticas são categorias vazias obedecendo a princípios derivados dos pronomes vazios. As elipses devem ser legitimadas e identificadas por acordo com um constituinte caracterizado por traços morfológicos. Como é geralmente assumido, esses traços são o meio pelo qual o conteúdo referencial de um pronome vazio é recuperado, o mesmo se aplicando às categorias elípticas.

A tese de Kester (1996) sobre ocorrência de nomes nulos em contexto adjectival permite assumir que, nas Línguas Germânicas, a morfologia adjectival tem um papel de relevo na resolução da elipse, em termos de legitimação do nome nulo. A morfologia adjectival implicada corresponde ou à flexão habitual típica do adjectivo, ou a flexão especial realizada por razões de identificação da elipse do nome.

O modelo de Sleeman (1996) sobre a legitimação de nomes nulos por partitivos mostra que nas Línguas Românicas a elipse do nome não parece relacionada nem com o tipo de categoria funcional realizado nem com o tipo de flexão. Em alternativa, os elementos que legitimam a elipse do nome evidenciam ter em comum um significado partitivo, como é o caso dos quantificadores, superlativos, ordinais, determinantes e alguns adjectivos, todos eles elementos que podem denotar subconjuntos específicos, permitindo por isso a elipse do nome de referência.

 

No terceiro capítulo, descrevem-se os mecanismos de legitimação e identificação da elipse do nome em Português e em Francês. Havendo em Português uma diversidade notável em termos de construções elípticas, e existindo em Francês restrições sobre a elipse do nome não aplicáveis ao Português, prevê-se que nesta última língua os nomes são facilmente suprimidos.

Depois de no primeiro parágrafo fornecer os dados mais representativos da elipse do nome nas duas línguas, apresenta-se uma reflexão acerca da estrutura de constituintes envolvida. A elipse do nome leva a propor um modelo de projecção alargada para a categoria nominal, uma vez que este mecanismo parece ser desencadeado a nível da sua estrutura interna. Neste quadro, a elipse pode ser reavaliada como complemento de uma categoria funcional nominal que a domina estruturalmente. Propõe-se em consequência uma análise da estrutura interna do SN, baseada na 'hipótese DP'. Na sequência do capítulo, sugere-se que o mecanismo da elipse do nome deve ser entendido dentro deste modelo de projecção alargada da categoria nominal, e passam a analisar-se os vários tipos de construções elípticas considerados.

O primeiro tipo envolve a quantificação. Os quantificadores que admitem como complemento um nome lexicalmente nulo são também aqueles que pressupõem uma relação de quantificação entre conjuntos, comprovada pelo traço [+partitivo]. Havendo um quantificador, é denotado um conjunto que induz, por inclusão no anterior, um subconjunto discreto. Nessa inclusão, em que o referente pode ser omitido contextualmente, reside a possibilidade da elipse do nome ser autorizada: o conteúdo do nome suprimido pode ser recuperado por meio do quantificador. A relação entre conjuntos não precisa pois de ser mantida explicitamente, mas pode limitar-se ao subconjunto denotado pelo quantificador. A ideia segundo a qual os nomes vazios em expressões quantificadas dependem de quantificadores pode ser formulada formalmente com base na relação estrutural de Concordância Especificador-Núcleo. O modelo delineado para a quantificação elíptica alarga essa relação ao quadro de legitimação formal dos nomes vazios. Nestas construções, a elipse do nome é formalmente legitimada por Concordância Especificador-Núcleo, o que pressupõe que os constituintes que legitimam a elipse do nome sejam especificadores. Esta proposta é aqui adoptada de maneira sistemática, qualquer que seja o tipo de especificador considerado: é o caso dos quantificadores, mas também dos adjectivos e dos demonstrativos e possessivos.

O segundo tipo de elipse do nome analisado envolve demonstrativos e possessivos. Considera-se o papel legitimador desses elementos em função da sua posição estrutural. As construções em causa são a consequência directa do estatuto de especificador dos elementos DEM e POSS. No caso dos demonstrativos, considera-se que estes são gerados numa projecção funcional SDEM, sendo alguns núcleos e outros especificadores, o que permite prolongar a hipótese de legitimação de nomes vazios por concordância com um especificador, e dar conta das diferenças apontadas entre o Português e o Francês por motivos de ordem estrutural. No caso de possessivos, também estes constituintes são gerados complementarmente no núcleo ou no especificador de uma projecção funcional SPOSS, podendo os segundos legitimar por Concordância Especificador-Núcleo o nome vazio correspondente. A estratégia de identificação dos nomes vazios nestas construções revela por seu lado ser baseada em mecanismos flexionais ligados ao traço [±género] realizado no legitimador ou no artigo definido, ou ao traço [+específico] associado a um genitivo. Esta última proposta enquadra-se na ideia geral segundo a qual a flexão tem um papel relevante na recuperação do conteúdo das categorias vazias.

O último tipo de elipse do nome considerado envolve adjectivos. Face à diversidade denotada neste tipo de construção, torna-se necessária a apresentação de um modelo pormenorizado de sintaxe do adjectivo para o Português e o Francês. Esse modelo conclui que os adjectivos são especificadores de projecções funcionais cujo rótulo é designado de acordo com o seu tipo semântico, sendo este estatuto de especificador válido para todos os adjectivos não predicativos. Todos são, em consequência, associáveis à elipse nominal, legitimando o nome vazio por Concordância Especificador-Núcleo. A identificação da elipse do nome neste tipo de construção mostra por seu lado que os adjectivos implicados devem expressar uma propriedade discreta, significativa do ponto de vista cognitivo, que os torne suficientemente específicos para identificarem o nome vazio. Nessa hipótese, factores de ordem lexical, baseados em relações de exclusividade semântica, contribuem para reforçar a capacidade discriminativa desses adjectivos 'discretos'. Em suma, a simetria semântica / lexical que se estabelece entre o legitimador e o antecedente no contexto linguístico, assim como a simetria das frases com elipse do nome, criam as condições para a recuperação da identidade categorial e lexical do nome suprimido.

 

Em conclusão, levanta-se nesta dissertação a questão das condições em que pode haver elipse de um nome em Português e em Francês, e mostra-se que a elipse tem uma exigência fundamental de identidade com um antecedente, que a aproxima dos pronomes e das anáforas. A sua definição como categoria vazia implica que o nome elíptico é um pronome nulo basicamente engendrado, legitimado por um conjunto de especificadores. Os elementos especificadores nas projecções alargadas do nome têm todos condições estruturais para legitimar nomes vazios. Por sua vez, as diversas estratégias de identificação do nome nulo alternam entre uma interpretação partitiva, no caso dos quantificadores, uma interpretação específica ou a verificação de traços morfológicos, no caso de demonstrativos e possessivos, ou uma interpretação discreta, no caso dos adjectivos.

A sintaxe dos especificadores nominais proposta permite ainda analisar o leque diversificado dos tipos adjectivais, assim como as assimetrias a nível geral da ordem interna de constituintes do SN. As diferenças detectadas não serão provavelmente todas formalizáveis, mas talvez a ordem dos constituintes esteja ligada a imperativos gerais da gramática, segundo os quais as línguas naturais tendem a organizar o seu conteúdo informacional no sentido de hierarquizar os constituintes em função da sua capacidade referencial. Essa tendência na organização da informação poderá condicionar a estrutura interna do SN.

Como observam as gramáticas clássicas, o estudo sistemático da elipse em particular acaba por levar a considerações sobre a língua em geral. Nesta dissertação, a análise do processo de elipse nominal leva-nos assim a reavaliar a própria estrutura do sintagma nominal.

 

 

 

URL:
Last modified: 21-Mar-00