GRAMÁTICA, VAZIO E SUBENTENDIDO:
SOBRE ALGUMAS CONSTRUÇÕES ELÍPTICAS
EM PORTUGUÊS

Fernando Martinho
(Universidade de Aveiro)
Copyright
 

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0.Introdução
 
1.A elipse na Gramática do subentendido
 
1.1.Os Imperceptíveis

1.2. Ausência e imperfeição

1.3.Substância e acidente

1.4.Opacidade e transparência

2.A elipse na Gramática do vazio

 
2.1.Categorias vazias
 
2.1.1. A Tipologia das Categorias Vazias

2.1.2.O Princípio da Categoria Vazia

2.2.Pronomes nulos

 
2.2.1.Identidade e redundância

2.2.2.A sintaxe dos pronomes nulos

2.2.3.As categorias elípticas

3.A elipse na Gramática minimalista

 
3.1.Vazio e deleção

3.2.A regra Elipsar

3.3.Elipse gramatical e elipse mental

4.Conclusão

Bibliografia

Resumo

Résumé



 

É a elipse figura de muitíssima aplicação em Português
e que outra cousa não é que a economia da linguagem.
Mário Barreto

Paradoxe de l'ellipse qui ôte du signifiant pour exalter un signifié
qu'en dépit de son absence, chacun saisit cependant.
Michel Magnien

0.Introdução

Embora atribuir significado ao vazio seja por muitos considerado um atributo do espírito moderno, na verdade, no domínio do conhecimento, a existência de dados caracterizados por "ausência" ou "falta" de substância revela clara incompatibilidade com os critérios de objectividade inerentes ao pensamento racional, principalmente por introduzir indeterminação e abstracção[1] na observação concreta do universo mensurável. Contudo, apesar desse antagonismo metodológico entre a incerteza do vazio e a mediação do pleno, apesar do categórico "horreur du vide" pascaliano[2], na realidade determinadas áreas do saber, como as ciências da linguagem, têm desenvolvido com algum êxito a ideia paradoxal de que o vazio pode criar sentido. Constitui ilustração inequívoca dessa ruptura a hipótese da existência de entidades linguísticas sem forma, elementos nulos ou pseudo-vazios, de designação aproximativa e terminologia embaraçosa, no fundo especulações a encarar como tentativas de encaminhar para o domínio do gramatical a intuição do sujeito sobre o vazio sensorial, neste caso lacunas perceptivas que a gramática qualifica, em geral, de elipses.
O vazio gramatical pode ser ilustrado, no âmbito de uma reflexão sobre a elipse e o subentendido, pelo paradoxo seguinte: numa construção determinada, conclui-se que uma posição estrutural, embora imposta por regras independentes, não é no entanto ocupada por nenhum termo visível. A questão central deste desacerto é a da origem da (não-)coincidência entre posições e propriedades -entre as posições ocupadas por constituintes e as propriedades atribuídas a esses mesmos constituintes. Que relação estabelecer entre estruturas sintácticas plenas, em princípio constituídas de posições pré-definidas, e orações elípticas, em que determinadas posições previstas aparentam manifestamente não ser ocupadas?
Pretende este trabalho, prolongando a problemática anterior, analisar brevemente algumas construções elípticas em Português, privilegiando por um lado a genealogia do tema e por outro o seu tratamento no âmbito da teoria generativa/minimalista. Vários pontos de reflexão serão abordados: (i) de que maneira pode a elipse, ausência de significante perceptível, figura gramatical frequentemente esbatida em arte retórica, negação por definição de substância susceptível de ser gramaticalizada, ser integrada numa teoria da gramática? (ii) o vazio linguístico será sempre -e só- um vazio perceptivo, ou seja, haverá alguma distinção entre 'vazio' e 'subentendido', entre 'ausente' e 'silencioso'? (iii) o vazio linguístico, silêncio ou ausência, deverá remeter para o domínio do superficial -condições de produção do discurso- ou do fundamental -regras internas da sintaxe? (iv) será uma expressão linguística declarada "elíptica" por não ser formalmente "percebida" -como imagem fónica ou gráfica-, embora esteja na realidade implicitamente presente -e seja exigida- na estrutura da frase, ou então será por não estar presente nem na frase nem no espírito do locutor, não chegando sequer a ser nesse caso, obviamente, uma "expressão"? Neste domínio, a gramática clássica, que situa a elipse no conjunto das figuras de moderação do discurso, inclina para a segunda hipótese -teoria das elipses-, mas em linguística generativa faz sentido supor a existência de constituintes "reais" declarados vazios exclusivamente por não terem matriz fonética.
Paralelamente à controvérsia "ausência/percepção", põe-se em termos formais a questão da representação de figuras como a elipse em gramática generativa, teoria caracterizada, como se sabe, por uma estrutura de constituintes e por níveis de representação. Esse assunto reduz-se, desde o período transformacionalista, a uma alternativa fundamental: os constituintes elípticos possuem de facto estrutura sintáctica a algum nível -ou a vários níveis- de representação, ou poderão as várias propriedades das construções elípticas ser justificadas puramente em termos de procura de conteúdo, de recuperação de sentido, sem ser preciso assumir um nível representativo? Embora factores semânticos e discursivos -redundância, expressividade- tenham claramente uma função na orgânica da elipse, seria no entanto razoável supor, em sintaxe generativa, que os constituintes elípticos também admitam alguma representatividade formal, e sejam determinados por operações sintácticas no seio da faculdade da linguagem. Contudo, as dúvidas levantadas pelo tratamento Minimalista do vazio, e a concepção da estrutura de constituintes em termos de 'bare phrase structure' (Chomsky 1994), levam a reapreciar a elipse como resultado de uma operação de supressão ou deleção, na qual a questão das representações sintácticas subjacentes seria ditada por princípios independentes.

1.A elipse na Gramática do subentendido

1.1.Os Imperceptíveis

A especulação sobre formas vazias remete para o início da análise das línguas, como atesta o lugar de destaque dado às figuras de redução da oração na gramática histórica e na tradição retórica, e a consequente edificação de uma teoria onde o elíptico e o subentendido acabaram por assumir um papel invulgar. Os tratados clássicos sobre as figuras elípticas defendem precisamente um princípio geral de economia, porventura característico da linguagem ou do espírito humanos, princípio bem patente no estilo vivo e rápido -elíptico- dos "grandes autores", e cuja finalidade poderia ser, entre outras, como sugere Horácio, aliviar o discurso ou não cansar os ouvidos: [3]

(1) "Est brevitate opus, ut currat sententia, neu se impediat verbis lassas onerantibus aures."

Se a diferença constatada entre as ideias a manifestar e o discurso efectivamente produzido terá mostrado aos Clássicos que a língua parece ficar aquém -não dizer tudo-, tal facto deverá na realidade, de forma a manter alguma exigência de equilíbrio, ser atribuído a entidades linguísticas não expressas, cuja função é de permitir à língua acompanhar o ritmo das ideias ou talvez, como sublinha Soares Barbosa (1822), suster a rapidez do pensamento[5]:

(2) "De resto as ellipses são naturaes a todos os homens. Porque todos procurão dar ás suas expressões a mesma rapidez do pensamento, que em huma ideia vê muitas ao mesmo tempo. As ellipses reduzem á menor expressão possivel as frases inteiras [...] As mesmas ellipses são uteis no estylo simples para lhe dar mais luz e clareza; porque quanto menos palavras se empregão em huma frase, mas se chegão as ideias humas ás outras, e melhor se percebem assim as suas relações."

Contudo, apesar de se ter especulado, desde a origem da ciência gramatical, sobre o explícito e o implícito, o dito e o não-dito, e apesar de se ter dado a entender que existiria, por trás do discurso e a ele simétrica, uma realidade linguística imperceptível, de alguma maneira paralela à forma expressa, e que essa face imperceptível da linguagem deveria talvez ser reconhecida como um ser gramatical positivo, identificado por marcas características, na verdade a questão da natureza e identificação desses elementos não expressos nunca foi formalmente resolvida.[7] No fundo, os Clássicos nunca adiantaram nenhuma linha de demarcação entre, por um lado, a elipse vista como mecanismo de ordem puramente gramatical, e, por outro, a concisão estilística e ornamental, motivado pela caça ao redundante e a eliminação do supérfluo, propensão que, na verdade, como bem relembra o adágio intelligenti pauca, não passará de um reflexo da tendência natural das línguas em procurar brevidade e sobriedade.

1.2. Ausência e imperfeição

A figura denominada elipse corresponde na verdade a um termo técnico, e deve ser entendida como tal no seio do vasto domínio das figuras de redução da oração e do pensamento, de que representa um caso particular. O termo tem diacronicamente duas acepções principais, uma geométrica, outra comum, ambas referidas por ellipsis, do grego elleipsis, "falta" ou "defeito". A primeira tem como fonte o tratado dos Cónicos, atribuído ao matemático grego Apolónio de Perga (séc. III a.C.), obra em que a elipse é referida, ao lado da parábola e da hipérbole, como uma das secções da geometria dos cones. No domínio matemático, a elipse corresponde a um círculo imperfeito -modelo de curva fechada com dois focos-, e foi nessa qualidade usada no século XVII para designar em astronomia o movimento dos planetas à volta do Sol. O termo foi escolhido por Kepler em 1625 a partir do latim científico ellipsis, tendo o astrónomo alemão incluído a palavra nas suas Leis do movimento planetário provavelmente com base nos Cónicos. O vocábulo aparece assim historicamente ligado ao domínio das ciências exactas, o que levanta a questão de saber como designa simultaneamente um mecanismo gramatical. A deriva metafórica do termo parece uma explicação plausível.
Em Apolónio, a intersecção de um plano com um cone determina várias figuras, em função do ângulo do plano relativamente ao eixo vertical do cone. Assim, define-se uma parábola pela intersecção com um cone de um plano paralelo à sua tangente, ao passo que um círculo é formado se a inclinação desse mesmo plano for horizontal relativamente ao eixo central do cone.[8] No entanto, se a orientação do plano estiver algures entre esses dois extremos, então será considerada uma figura "encurtada": a secção cónica resultante será em consequência referida como uma "redução" do cone ou elleipsis -de elleipein, "encurtar". A noção de encurtamento associada à de inclinação relativa leva directamente à ideia de defeito: a elleipsis refere também o facto de a secção cónica delimitada pelo plano produzir um "círculo imperfeito", cuja inclinação é tida como "faltosa" -isto é, não paralela se comparada com a tangente ou o eixo do cone-, e cuja circunferência alongada se considera 'defeituosa' relativamente à perfeição do círculo.[9] A definição desta configuração geométrica imperfeita será justificada pela imagem do círculo traçado pela intersecção cone/plano, imagem na verdade casual e fortuita relativamente à geometria projectada.
Com base nas propriedades geométricas expostas -'encurtamento', 'imperfeição'-, a elleipsis justifica uma extensão de sentido na área gramatical, sendo o termo interpretado como um caso em que uma ou várias palavras são "afastadas" da oração, ou a oração é "encurtada" por motivos específicos. A elipse deve pois ser entendida por analogia: designa, por referência ao seu equivalente geométrico, um caso de redução formal, um defeito tolerado, que pode reduzir-se a uma ausência pura e simples. [10]
O gramático alexandrino Apolónio Díscolo [11] notou no século II a existência sistemática nas línguas, por um lado, de material supérfluo -acumulação de termos redundantes-, e, por outro, de elementos em falta -desaparecidos, mas que, por exigência da razão, deveriam estar presentes. Esses dois tipos de 'defeitos' da oração, hipérboles e elipses, devem ser contrastados com um estado neutro -perfeito- da língua, relativamente ao qual se manifestam excesso e falta. O valor apoloniano de falta ou falha perceptiva, presente também em retóricos como Quintiliano, é depois prolongado e desenvolvido nos séculos IV e VI, pelos latinistas Donato, na sua Ars grammatica, e Prisciano, nas Institutiones grammaticae. A herança clássica é retomada no século XVI pelos Renascentistas Scaliger, Linacre, Sanctius, e é reiterada por Modernos, como os franceses Lamy, Beauzée e Du Marsais, e os portugueses Soares Barbosa, Figueiredo e Magalhães.
Ponto comum aos dois sentidos gregos primitivos, elipse geométrica e elipse gramatical, em que reside talvez a chave do uso metafórico, será a ideia de imperfeição, num caso de uma figura geométrica provida de inclinação relativa ou eixos de simetria desiguais, e no outro de uma frase desprovida (de parte) da sua estrutura canónica.[12] Magalhães (1805:14), por exemplo, associa à partida a elipse à ideia de imperfeição, quando nota que a

(3) "Ellipse he, quando se suppre de fora da Oração aquillo, que nella falta, para que o seu sentido seja perfeito, e completo. "

Definições da elipse gramatical, recolhidas na gramática normativa francesa e portuguesa, confirmam as observações iniciais: manifesta-se a elipse como falta ou omissão de um elemento habitualmente presente, ausência autorizada por uma escolha ponderada do autor, e resolvida pelo apelo eventual à perspicácia do leitor:

(4) a. "Il est incontestable que dans un certain nombre de phrases où manque un élément, le verbe par exemple, on se trouve en présence de phrases incomplètes que volontairement on a abrégées. Il y a alors ellipse, une ellipse que l'esprit supplée."
Brunot (1936:18)

b. "l'ellipse est [...] l'omission d'un ou plusieurs mots que requerrait la régularité de la construction grammaticale, et que l'on considère comme faciles à suppléer."
Grevisse (1986:169)

c. "Ellipse he quando na oração falta alguma parte, que necessariamente se deve supprir para ficar o sentido completo."
Pereira de Figueiredo (1816:2)

d. "Elipse é a omissão de um termo que o contexto ou a situação permitem facilmente suprir."
Cunha & Lindley Cintra (1984:613)

A tradição gramatical é unânime em reconhecer a dificuldade em delimitar a noção intuitiva de elipse, mas está em todo o caso de acordo em admitir que se trata de um desvio relativamente à oratio perfecta, de uma construção a encarar como defeito face a uma estrutura canónica dada como legítima.[15] Essa legitima constructio, forma abstracta que o estudioso deve reconstituir de modo a ultrapassar a aparência superficial do discurso, constitui o "estado zero" da oração, o ponto de referência em que residem as causas da língua. Em latim, defectus -equivalente de elliptikos- significa ao mesmo tempo defeituoso, desprovido de e enfraquecido, enquanto o substantivo defectio -tradução de elleipsis- tem o duplo sentido de falta e defeito.[16] Encarar a elipse como um "defeito da oração" implica que essa oração não está completa -foi, por alguma razão, objecto de detractio -, pelo que convém remediá-la, restaurá-la, devolvendo-lhe de alguma forma o que está manifestamente em falta.[17] A elipse é pois um defectio nos dois sentidos da palavra.[18]

1.3.Substância e acidente

No seu sentido gramatical, a elipse envolve um leque de dados cuja variedade induz dificuldades metodológicas diversas. O termo é por um lado abstracto e genérico -cobre em geral os fenómenos de ocultação de elementos na oração-, mas serve, por outro, para referir casos concretos de compacidade discursiva -em latim refere-se, por exemplo, a elipse do nominativo ou da preposição. A elipse é pois ao mesmo tempo um conceito abstracto e um conjunto de ocorrências. As gramáticas clássicas referem em consequência, quando abordam a questão, em primeiro lugar a natureza e origem do conceito, de seguida os modelos correspondentes sob forma de exemplos dos "bons autores". Rodrigues Maya (1790), por exemplo, começa no seu Dicionário de Elipses por referir que

(5) "a elipse é quando na oração falta alguma parte, que deixa o seu sentido incompleto",

para depois salientar as "muitas sortes" de elipses, sendo a lista de exemplos anexa, constituída por um extenso catálogo de nomes, adjectivos, preposições -e outros elementos segundo o autor habitualmente subentendidos-, uma introdução completa à sintaxe latina.
Tratando-se de ocorrências, a reflexão gramatical tende a distinguir duas classes diferenciadas, a elipse retórica e a elipse gramatical, sendo ambas ilustrativas da sintaxe figurada -por oposição à sintaxe natural, uso neutro da língua.[20] Esta distinção permite a edificação de um conjunto de sub-tipos para classificar os infindáveis fenómenos constatados: a etimologia do termo permite reunir sob a etiqueta de elipse "todos os tipos de fenómenos linguísticos, desde os enunciados fragmentários [...] à pressuposição, passando pela gama, mais ou menos vasta segundo as teorias, das formas consideradas como reduzidas, truncadas ou lacunares (sinédoques, metonímias, apagamentos de todos os tipos)" [21]
A elipse é sobretudo uma manifestação linguística de unicidade e convergência, um objecto gramatical sistematizado -independentemente da sua variabilidade superficial. Nessa perspectiva, a doutrina clássica admite que a elipse tem muito a dizer sobre a linguagem em geral e sobre a estrutura das línguas em particular. Fica demonstrado pela obra do humanista espanhol Sanctius -a sua Minerva-, que uma teoria da elipse de alguma forma implica uma teoria da linguagem.[22] Como propriedade universal, a elipse permite postular a existência nas línguas de uma estrutura racional, de uma ratio grammatice, o que, conjugado com o valor fortemente analógico da figura da elipse, facilita obviamente a edificação da própria gramática, nomeadamente ao reduzir as excepções aparentes a estruturas comuns e -ao declarar determinada oração como elíptica- dar conta da sua organização independentemente dos seus avataras. A elipse pode ser convocada para justificar uma construção peculiar, como meio de caucionar uma anomalia, um caso aparentemente contrário ao uso comum. Essa caução tem como pano de fundo o empenho em categorizar gramaticalmente os elementos do discurso distribuindo-os por classes, permitindo o recurso à elipse racionalizar e equilibrar a inventariação, e, no fundo, corroborar desse modo a análise projectada sobre a língua e os textos.[23] Para Soares Barbosa, a elipse, cuja função é "regularizar" aquilo que qualifica de "sintaxe de regência irregular", é uma figura

(6) "pela qual se cala alguma palavra, ou palavras necessarias para a integridade grammatical da frase, mas não para a sua intelligencia."[25]

Neste campo, a ratio prevalece sempre sobre o usus: a elipse impossibilita qualquer fuga do usus à regra, confirmando, em nome de princípios gramaticais abstractos -que Beauzée refere por "esprit de la langue"-, a validade da descrição metalinguística.
Esta concepção da elipse como princípio imanente de restituição da ratio anima a Minerva de Sanctius. Para o humanista, a figura deixa de ser um mero caso de irregularidade pontual, para adquirir um contorno essencial no sistema de formalização da gramática. Na medida em que, para Sanctius como para os Renascentistas, a gramática não se limita doravante a descrever as aparências enganadoras do usus, mas a tentar formular regras racionalmente elaboradas, é inevitável que essa formalização pouco a pouco se afaste da realidade efectiva dos enunciados produzidos. Em consequência, entende-se a importância metodológica que a elipse representa, como figura de recurso capaz de reaproximar, já perto dos limites extremos da gramática, a compreensão das estruturas abstractas da língua e os desvios aparentes.[26]
Vertente incontornável do conceito de elipse parece ser a sua função teleológica. Do clássico alívio horaciano à preocupação retórica em separar ideia e palavra, passando pelo princípio de analogia sanctiano, sempre se insistiu sobre essa função: o principal papel da elipse consiste em (saber) usar o código linguístico de modo económico, criando as condições de brevidade desejáveis. Essa brevidade tem como finalidade e como fundamento melhorar a mensagem do ponto de vista comunicativo, estilístico, e até psicológico. Adianta sobre a questão Soares Barbosa que

(7) "[As elipses] por outra parte são necessarias ao estylo patético e vehemente para dar mais fogo e vivacidade ao discurso, e assim imitar melhor a marcha precipitada das paixões." [28]

Outro retórico, o Padre Bernard Lamy, confirma a faculdade única da elipse em poder acompanhar a marcha brusca dos sentimentos: [29]

(8) "Une passion violente ne permet jamais de dire tout ce que l'on voudrait dire. La langue est trop lente pour suivre la vitesse de ses mouvements; ainsi l'on ne trouve dans le discours d'un homme que la colère anime qu'autant de mots que la langue en a pu prononcer dans la promtitude de la passion."

Sem elipse, promessa ao mesmo tempo de 'brevidade' e 'energia', meio hábil de demarcar-se da inércia das palavras, menos rápidas que o pensamento, como seria possível testemunhar a violência das emoções? Os fundamentos da elipse, reafirmados em pleno século das Luzes pela Encyclopédie, conduzem pois a um princípio de economia baseado tanto em critérios estéticos e afectivos -rejeição de repetições deselegantes, expressão da emoção, etc.- como em critérios linguísticos -redundância contextual.[31] Acrescente-se a estes fundamentos funcionais razões de ordem histórica: na verdade, a variedade das figuras elípticas -especialmente na língua latina, considerada fundamentalmente elíptica- não pode deixar de ser encarada como prova do progresso que, segundo a ciência clássica, anima a história da própria linguagem humana, história essa que uma força diacrónica imanente, por vezes confundida com uma pseudo-lei do "menor esforço", parece orientar no sentido da sistematização e da compacidade.
A esta indecisão fundamental de uma figura híbrida dada como efeito de língua ou produto do pensamento, corresponde a ambivalência de um conceito ora substância gramatical ora conjunto de acidentes. Neste duplo sentido, a teoria do suprimento consegue captar todas as manifestações de subentendido nas línguas, já que, em última análise, será considerada elíptica toda a frase rebelde aos cânones da oração.

1.4.Opacidade e transparência

Apesar do seu peso na génese das ideias gramaticais, os clássicos desaconselham o uso sistemático da elipse como instrumento de explicação. Face aos abusos por vezes verificados -em especial quando se trata de elipse retórica-, a maioria das gramáticas insiste na prudência com que se deve invocar tal figura:

(9) "Em gramática, a elipse de um termo deve ser invocada apenas quando manifesta. E, ainda assim, com extrema prudência." [33]

Para medir a pertinência desse 'invocação', a sintaxe clássica edifica modelos susceptíveis de avaliar e ordenar sob forma de escala de valores os diversos tipos de elipses.[34] A ideia de uma escala de opacidade, cuja extensão vai do transparente ao opaco, traduz esse cuidado prescritivo. As elipses transparentes serão aquelas em que o termo em falta, tendo uma distribuição perfeitamente identificável, comuta de maneira óbvia com determinado elemento lexical. Esse tipo de distribuição complementar entre elementos alternadamente saturados e vazios é reconhecido pela ausência de um constituinte facilmente suprível, como a do verbo em determinadas construções comparativas ou a do nome em orações coordenadas:

(10) a. Ele ganha mais do que tu [ganhas]
b. A turma do primeiro ano e a [turma] do segundo [ano]

Existirão no entanto elipses opacas, caracterizadas por uma combinação mínima de elementos da oração que assinala uma operação de ocultação, a intuição de um vazio não localizado, caso de frases interpretadas por analogia como completas, embora canonicamente deficientes, orações ou construções fragmentárias, do tipo "Rua!", "Parabéns!", "Quanto?" Nas frases em questão, existe opacidade na medida em que, não sendo explícita parte da sua estrutura, observa-se a ausência de elementos básicos da frase -sujeito, verbo-, ou mesmo redução a uma simples proforma lexical: [36]

(11) Quem comeu o bolo ?
a. Eu não [comi o bolo].
b. Qual [bolo]?

Soares Barbosa, com base na oposição ratio/usus, distingue, nessa gama de opacidade, entre "elipse por razão" e "elipse por uso", considera do primeiro tipo uma frase como:

(12) O caminho da verdade he o unico e simples; e o da falsidade he vario e infinito

Acerca deste tipo de construções, em que o elemento nominal caminho é ocultado, diz o autor que

(13) "tem a rasão por fundamento todas as ellipses, que se supprem com alguma palavra, declarada ja em alguma parte analoga da mesma oração, ou periodo, e que não se repete nas outras por causa de brevidade e por ser facil de entender;" [40]

e conclui que nestas e noutras elipses, a analogia das orações entre si - a transparência da construção- aponta sempre para a palavra "que se lhes deve entender sem ser necessario repeti la." [41] Também para o Enciclopedista Du Marsais, o argumento da evocação por analogia está presente:

(14) "Dans une phrase elliptique, les mots exprimés doivent clairement réveiller l'idée de ceux qui sont sous-entendus, afin que l'esprit puisse par analogie faire la construction de toute la phrase, et apercevoir les divers rapports que les mots ont entre eux."[43]

Apesar da prudência anteriormente referida, a ausência de determinados elementos é para a doutrina clássica frequentemente confundida com a noção de subentendido, e não interpretada como um mero exercício de apuramento estilístico. Consideram os Antigos que, no fundo, qualquer termo é dispensável se puder ser livremente subentendido pelo locutor, pelo que elipse e presença não passam afinal, neste quadro, de variantes estilísticas da mesma construção, ambas pautadas pela ideia de variação livre: a falta de um elemento é resolvida no seu contexto, por referência a material lexical -particularmente em contextos transparentes-, sendo a interpretação das formas lexical e elíptica na realidade equivalente para o locutor.[44]
Variação e equivalência prolongam-se na análise de Sanctius. A sua concepção da elipse baseia-se estritamente na ideia de que o sentido permanece idêntico entre a construção integral e a construção elíptica. Não havendo fundamentalmente diferença de sentido entre as formas elíptica e lexical, existindo, além disso, paralelismo interpretativo -a quantidade de informação é globalmente a mesma-, obter-se-ia pois redundância no caso de a elipse ser restituída, nomeadamente por preenchimento da posição vazia.[45] Sendo a operação de resolução da elipse equivalente a um pleonasmo, situação que pode ser recusada tanto do ponto de vista estético como linguístico, o seu maior mérito é, para Sanctius, de ordem pedagógica e não estilística: a restituição da forma plena torna manifesta a estrutura da língua. A ideia de elipse como infracção à integridade da frase subentende obviamente em contrapartida um estado neutro da oração -intuição fundamental da Gramática Grega-, relativamente ao qual se manifesta essa quebra de significante, ficando o conteúdo em princípio constante. [46]
Na medida em que o subentendido implica o escondido, é frequente o uso dos termos oculto para referir a palavra e ocultação para designar a operação correspondente. Assim deve ser entendida a longa confusão lexicográfica entre elipse e eclipse (Magnien 1992). Essa confusão entre a elipse como falta e o eclipse como desaparecimento, feita por quase todos os gramáticos, dos latinos aos renascentistas -embora denunciada por Scaliger-, é provavelmente motivada por razões de ordem analógica: a elipse é uma operação de deleção, um desaparecimento puro e simples, uma ocultação conceptualmente do mesmo tipo que o fenómeno celeste correspondente. Acerca da elipse do nominativo, por exemplo, Magalhães diz que

(15) "Não póde haver Oração sem nominativo, e verbo; ou cada hum destes esteja claro, ou occulto. Nominativo claro he quando está posto na Oração; Nominativo occulto he quando não está na Oração, mas se deve entender: o mesmo se diz verbo claro, ou occulto." [48]

De facto, de que serve expressar aquilo que é óbvio, para quê cansar os ouvidos? Obviamente, o elíptico corresponde sempre ao evidente: só a evidência contextual autoriza a elipse. O oculto não é neste caso ambíguo na medida em que aquilo que é esperado é do domínio do óbvio e não precisa de ser mencionado.[49] Pelo contrário, o incerto nunca pode ser ocultado: só se pode apagar aquilo que é manifesto. [50]
A problemática do subentendido reflecte-se no conjunto de termos elaborados para designar os vários aspectos do processo, como os nomes omissão, subtracção, supressão, apagamento, encurtamento, e verbos como suprir, restituir, reformular, usados para a resolução. A escolha entre esses termos parece depender do grau de opacidade: quanto mais claro for o processo de resolução, menos o contexto tem importância. Assim, a supressão de um termo da oração pode ser resolvida por uma restituição ligada a um elemento manifesto.[51]

2.A elipse na Gramática do vazio

2.1.Categorias vazias

No quadro da teoria linguística ligada à "Escola de Cambridge"[52], as noções anteriormente referidas, baseada nas intuições deixadas pelos Clássicos sobre o vazio, mantêm uma certa presença.[53] A teoria clássica dos Imperceptíveis alimentou naturalmente a reflexão da linguística chomskyana sobre o vazio. A natureza aparentemente incompleta dos constituintes lacunares levantou, logo nas primeiras etapas do modelo, várias questões associadas a ordem de palavras e operações de transformação. Que relação existe entre as estruturas observadas -aparentemente incompletas no caso de elipses[54]- e as estruturas postuladas -exigidas pelos princípios da gramática? Será possível explicar as propriedades das primeiras pelas propriedades das segundas? De que maneira se pode justificar uma estrutura lacunar, e por que motivo é que a estrutura plena postulada não se realizou? De que modo se pode restituir a estrutura postulada com base nos indícios disponíveis? A este conjunto de questões são propostos dois tipos de soluções. A estratégia transformacionalista inicial (Chomsky 1965, 1970, etc.), baseada em parte em sugestões da lógica clássica, segue uma explicação histórica ou cronológica do vazio (Milner 1989): consiste em identificar constituintes subjacentes ao suposto elemento lacunar, que seriam eliminados posteriormente em superfície por operações de movimento e apagamento.[55] Por exemplo, a elipse em (16.a) sugere uma representação subjacente em (16.b), que por seu turno seria mapeada nas representações (16.c) e (16.d) por trocas sucessivas de posição e deleções obrigatórias:

(16) a. Algumas pessoas comem pão ao pequeno almoço e outras cereais
b. ... outras [comem ao pequeno almoço] cereais
c. ... outras comem [cereais] ao pequeno almoço [-]
d. ... outras [-] [cereais] [-]

Outra solução ao paradoxo ausência/percepção consiste numa versão coincidente ou simultânea do vazio, isto é, em admitir que a partir da estrutura observada é sempre possível reconstituir por meio de indícios a estrutura postulada.[57] Efectivamente, numa versão intermédia da teoria do vazio, Chomsky (1981) desenvolveu um princípio de Recuperabilidade, no qual se afirma que um elemento pode ser objecto de deleção fonética desde que a sua recuperação -o seu conteúdo referencial- seja totalmente determinada. Historicamente, foi todavia a formalização do modelo de Princípios e Parâmetros que permitiu à teoria da gramática substituir a hipótese cronológica da "ausência por deleção" por uma visão configuracional e dinâmica do vazio. A teoria da sintaxe como representação -em que a boa formação das estruturas sintácticas é unicamente justificada em função da história da oração, por imposições de deslocação e/ou apagamento associadas às representações transformacionais - passa então a ser uma teoria da derivação e do movimento, isto é, um modelo em que as condições de boa formação das estruturas e a presença de entidades nulas devem ser avaliadas em função de princípios gerais independentes. No modelo generativo subjacente, as expressões linguísticas imperceptíveis que estão na base da elipse e de fenómenos associados verificam na realidade determinadas propriedades gramaticais universais. Nesta perspectiva, uma teoria da elipse deveria procurar integrar as expressões linguísticas sem aparência perceptível num modelo global de categorias gramaticais estritamente delimitado. Parece razoável admitir que todos os objectos linguísticos devem ter conteúdo fonético/gráfico para serem considerados bem formados, pelo menos em superfície. A tese assumida nesta abordagem da figura da elipse consiste pois em interpretar a ocorrência de uma falha na percepção como o resultado de um fenómeno profundo, situado a montante do nível perceptivo, isto é, no sistema mental-conceptual do locutor. Para avaliar a tipologia dessa lacuna perceptiva, a gramática generativa admite em consequência a existência de categorias linguísticas especiais, providas de papel linguístico, mas desprovidas de matriz fonética.[58] Essas categorias vazias combinam as propriedades sintácticas das categorias plenas com o vazio fonético. [59]
Apesar da projecção sobre o vazio de um dispositivo configuracional rigoroso, este quadro formal de alguma forma prolonga a terminologia clássica desenvolvida à volta do subentendido. A abordagem generativa do vazio retoma o duplo processo gramatical referido pela tradição: implica simultaneamente condições para autorizar um vazio, e regras para restituir esse vazio. Engendrado pela estrutura da própria linguagem, o vazio pressupõe pois condições de legitimação definidas no âmbito da gramática, e implica a atribuição de identificação ao conteúdo do termo elíptico. A diferença entre a estrutura observada e a configuração subjacente permite nestes casos concluir que existem na oração indícios suficientes para reconstituir, com base na hipótese de constituinte vazios, a estrutura linguística de base.

2.1.1. A Tipologia das Categorias Vazias

Do ponto de vista espistemológico, o conceito de categoria vazia não é pacífico: apresentado, na teoria dos vestígios, como indispensável para justificar algumas transformações, parece introduzir no entanto uma solução de facilidade. A afirmação da existência em linguística de um vazio categorial pode parecer escandalosa[60], porque constitui uma fonte de perturbação num modelo em princípio caracterizado pelo seu rigor formal. Trata-se no fundo de aceitar o princípio abstracto segundo o qual determinadas posições seriam sensíveis à sintaxe, mas transparentes aos sentidos, o que, entre outras coisas, implica que a sintaxe nem sempre é perceptível.[61] O próprio Chomsky reafirma contudo a existência de categorias ou posições vazias quando refere, por exemplo, que se o movimento de um constituinte não deixasse um vazio, "então estes fenómenos continuariam a ser um mistério", e que a hipótese de um constituinte movido deixar um elemento vazio é na realidade apoiada por evidência "empírica".[62] Chomsky, que qualifica as categorias vazias de assunção, e a sua existência de evidência, admite no entanto que as propriedades destas categorias dificilmente podem ser determinadas indutivamente a partir de fenómenos visíveis, e devem portanto reflectir "recursos internos da mente": [63]

(17) "A questão da existência e das propriedades das categorias vazias, que não têm forma fonética, é particularmente interessante, visto que o aprendiz da língua não encontra evidência directa sobre elas."

Na medida em que estes elementos fazem parte activa da gramática das línguas naturais, deve assumir-se a capacidade do locutor em (saber) distingui-los nas representações que constrói, isto é, em dispor de parâmetros gramaticais pertinentes. Do mesmo modo que os elementos plenos, os elementos nulos em questão não deixam de verificar configurações e ocupar posições: também as categorias vazias devem obedecer a restrições distribucionais e receber interpretação determinada.
Embora o conceito de vazio esteja, como vimos, parcialmente ligado ao subentendido da gramática clássica e à teoria dos Imperceptíveis, só faz verdadeiramente sentido na gramática generativa. O modelo primitivo de categoria vazia desenvolvido por Chomsky visa desenvolver a hipótese dos vestígios, cópias nulas de constituintes movidos, e que alguns testes permitem ver como anáforas nulas. Em Chomsky (1973), aparece a ideia de que qualquer elemento deslocado numa transformação deixa um vestígio de si próprio na posição de origem, regido pelo elemento deslocado e com ele co-indexado. Esse vestígio é uma cópia do original, tendo em princípio todas as suas propriedades, menos a fonética. A legitimidade do modelo do vestígio é meramente explicativa: permite justificar os dados apresentados pela oração realizada em superfície em função de uma maquinaria supostamente presente na estrutura subjacente -ou profunda- que, apesar de invisível, estaria na origem da estrutura perceptível.
No modelo generativo posterior, vários módulos da teoria exigem a presença de um vestígio na representação sintáctica. Sendo a categoria vazia de natureza imperceptível, deve haver meios alternativos que permitem atestar a sua existência. Um deles é o Princípio de Projecção (EPP), do qual Chomsky (1981) dá a seguinte formulação:

(18) Princípio de projecção
As propriedades de marcação temática de cada item lexical devem ser representadas em cada nível sintáctico

A chamada hipótese lexicalista assume que as estruturas sintácticas são determinadas à partida pela grelha de subcategorização dos itens lexicais: determinada estrutura é projectada em sintaxe, onde corresponde a uma configuração X-barra com determinados nós. Se acontece que um argumento está em falta, e que a estrutura se revela incompleta durante a inserção lexical, então, de maneira a preservar a referida grelha, deve supor-se a existência, imperceptível na Forma Fonética, de uma categoria vazia.[66] A Teoria dos Vestígios -assim como o EPP- é uma consequência da Teoria Temática, na medida em que as propriedades de subcategorização dos itens lexicais, que têm de ser verificadas em todos os níveis da representação, impõem que, no caso de haver movimento, um vestígio ocorra na posição temática de origem. Este princípio, que reconecta sintaxe e lógica, permite a Chomsky notar informalmente que

(19) "uma consequência do Princípio de Projecção é [...] o facto de, se um elemento for «interpretado» como ocupando uma dada posição, esse elemento ter de estar na representação sintáctica, quer como uma categoria evidente que está foneticamente realizada, quer como uma categoria vazia, à qual não é atribuída forma fonética."

Em (20) ilustra-se um caso típico de movimento/vestígio: a posição do objecto de roubar, verbo que exige um argumento interno, é ocupada na passiva por um vestígio v, já que o SN objecto se elevou por Mover  na estrutura até ao Especificador de Flex, onde recebe Caso Nominativo:

(20) [SFlex [O carro]i foi roubado vi esta noite]




2.1.2.O Princípio da Categoria Vazia

No quadro generativo, propõe-se uma tipologia para as ocorrências do vazio. Existem vários tipos de vestígios, dependendo das suas propriedades sintácticas e da sua sensibilidade aos vários módulos da Teoria da Ligação (Chomsky, 1981,1982).[69] Esta estipula três tipos de SNs foneticamente realizados -anáforas, pronomes e expressões referenciais- sendo eles próprios combinações de dois traços primitivos, [± anafórico] e [± pronominal]. Se estas combinações descrevessem também as categorias vazias, estas seriam variantes fonéticas das categorias plenas, consideradas distribucionalmente equivalentes, embora regidas por princípios estritos. Pode-se formular um princípio de distribuição dos vestígios: para serem legitimados -isto é, para poderem ocorrer em determinada posição-, os vestígios devem ser estritamente regidos. Em Chomsky (1986a), a Regência Estrita é definida como Regência Temática -um núcleo lexical marca tematicamente o vestígio- ou como Regência por Antecedente-uma projecção máxima co-indexada rege o vestígio:[70]

(21) Princípio da Categoria Vazia (PCV)
Os vestígios devem ser estritamente regidos
Regência Estrita
A rege estritamente B sse A rege tematicamente B ou A rege por antecedente B

A Regência Estrita pode ser traduzida de duas maneiras. Em primeiro lugar, como relação entre uma categoria lexical e o seu complemento subcategorizado, sendo esta relação relevante para os vestígios que podem estar separados do seu antecedente -no caso de extracções longas-, bastando para isso serem regidos localmente por um núcleo lexical capaz de atribuir papel temático. Em caso de Regência por Antecedente, o PCV impõe determinadas condições de minimalidade, em que a distância entre o elemento movido e o seu vestígio não pode exceder determinados limites. Vejamos os exemplos seguintes, em que o vestígio vi se encontra estritamente regido pelo verbo (22.a), ou pelo seu antecedente (22.b):

(22) a. Eu não sei [CP [que livro]i [IP o João comprou vi ]]
b. Eu não sei [CP quemi [IP vi comprou este livro]]

Esta definição contribui para esclarecer a natureza do vazio categorial: a Regência Estrita impõe-se pelo facto de as categorias em questão serem de algum modo incompletas, e precisarem de receber do seu contexto imediato -definido justamente pela regência estrita- o conteúdo que lhes falta. Para as categorias vazias, que devem ser interpretadas localmente, a noção de regência define um domínio mínimo e atribui-lhes identidade lexical -por marcação temática ou por co-indexação com uma categoria plenamente identificada.
Essa exigência formal, ausente da doutrina clássica, ocupa uma posição central na explicação generativista, e representa uma transformação radical no pensamento sobre o vazio linguístico. No entanto, se as justificações teóricas que gravitam à volta do PCV acentuam a sua adequação explicativa, também agravam a abstracção do modelo: na medida em que aceita o princípio de uma contradição entre o perceptível e o plausível, a teoria dos vestígios vê-se obrigada a reconhecer que existem seres linguísticos situados no plano puramente mental, ao mesmo tempo que seres perceptíveis, situados no plano sensorial.[73] Aos objectos sintácticos poderia ser associada uma presença mental apesar da sua ausência física. Compreende-se o risco de abstracção referido: trata-se de admitir seres linguísticos que não existem para os sentidos mas que existem para a gramática. Esta arrisca-se assim a dissociar irremediavelmente a sua capacidade descritiva e a sua fidelidade explicativa. [74]

2.2.Pronomes nulos

Constitui opinião unânime que só material redundante ou de segundo plano pode ser eliminado. Nesta questão, motivada pelo cuidado em eliminar superfetação, reside, como vimos, a essência da teoria clássica da elipse. Mas o tema poderá levantar algumas objecções no modelo estritamente formalizado das categorias vazias. Coloca-se nomeadamente a questão de saber se a teoria anterior está preparada para dar conta de posições vazias não originadas por movimento, por exemplo se, nas frases seguintes, as posições assinaladas [-] poderão ser designadas em termos de vestígio:

(23) a. Eu tenho lido muito, e tu também tens [-]
b. O livro do João é interessante, mas o [-] da Maria não é interessante

A observação de (23) permite numa primeira leitura concluir que existe uma relação de antecedência entre vários constituintes, como em (23.b), em que podem ser restituídas cópias de livro e interessante a partir de elementos lexicalmente realizados. Os constituintes vazios em (23) aparentam contudo duas características cruciais que os afastam dos vestígios: em primeiro lugar, não correspondem a nenhum tipo de movimento de constituintes, e, em segundo lugar, são recuperados a partir dos elementos efectivamente realizados, sem haver contudo regência formal entre os constituintes envolvidos. (23) ilustra ainda outra propriedade das elipses, que as distingue radicalmente dos constituintes anafóricos: os constituintes livro e [-] não podem ser considerados equivalentes do ponto de vista referencial, na medida em que denotam dois indivíduos diferentes.[76] A propriedade de co-referência deve pois ser considerada determinante numa dissociação entre categorias vazias e elipses, na medida em que obriga as primeiras a -mas afasta as segundas de- obedecer ao princípio (21).
A elipse não é pois uma anáfora nula, não podendo ser reduzida às categorias vazias subjacentes ao PCV: este princípio não aparenta contemplar a existência de vários tipos de relações posicionais na ausência de qualquer movimento, típicas dos contextos exemplificados em (23). Para integrar as categorias elípticas num modelo formal de vazio, deveria pois concluir-se que a elipse se aparenta a uma categoria vazia basicamente engendrada,[77] e que o PCV deve ser reformulado no sentido de admitir a existência simultânea de categorias vazias anafóricas e categorias vazias pronominais.

2.2.1.Identidade e redundância

Ao analisar o exemplo (24), Zribi-Hertz (1985) hesita sobre a natureza da posição vazia assinalada: esta aparenta ser uma posição argumental, a de objecto regido tematicamente pelo verbo, pelo que, como vestígio, satisfaria as condições de legitimação do PCV. No entanto, o seu antecedente lexical, identificado como argumento do verbo choisir, situa-se fora da oração local:

(24) Je choisis toujours Cuckor, car Marie adore [-] ,

Existe na verdade uma forma de co-referência entre a posição vazia e o seu antecedente contextual, mas essa relação não é o resultado de um movimento, não havendo nenhuma cadeia argumental de que a posição vazia seria a origem. Também não é o caso que a posição do antecedente rege estritamente a do argumento por meio de (21). Observe-se que a posição vazia em questão, apesar de não ser regida pelo seu antecedente, é contudo de alguma forma identificada, uma vez que se consegue restituir ao complemento subcategorizado nulo a identidade em falta. A posição vazia em (24) parece antes corresponder a um constituinte de tipo pronominal, e é plausível assumir que não é preenchida lexicalmente de maneira a evitar redundância.[79] Sendo assim, a ausência de objecto do verbo adorer em (24) seria uma elipse, e não uma categoria vazia.
Assim como os casos em (23), também o exemplo (24) sugere que o PCV é um princípio sintáctico incapaz de dar conta da ausência de argumentos verbais neste tipo de construção. Zribi-Hertz propõe em alternativa um modelo de elipse como busca de economia, baseado num princípio de recuperabilidade:

(25) Numa posição estrutural P, aberta à elipse, só se pode elipsar material redundante. [81]

(25) inspira-se claramente nas ideias de economia e contenção queridas aos Retóricos, e retoma a preocupação manifestada pela gramática desde o seu início em eliminar dos enunciados repetições inestéticas. O princípio defendido em (25) equivale pois a um tipo de configuração aberta, em que a probabilidade de ocorrência de um elemento é considerada proporcional ao seu grau de redundância. Evoca essa proporcionalidade a escala de opacidade dos clássicos, embora se diferenciem agora por princípio redundância e subentendido.[82]
Se a elipse, ao contrário da categoria vazia, pressupõe redundância, então escapa parcialmente às regras da sintaxe, já que a alternância entre forma lexical e forma vazia depende de factores não-formais. Os vestígios previstos pelo PCV não correspondem à definição (25) na medida em que, ao contrário das elipses, as categorias vazias stricto sensu não alternam livremente com material lexical -pelo contrário, vestígio e antecedente lexical excluem-se mutuamente na mesma posição. A expressão categoria vazia não deveria em consequência monopolizar o conceito de vazio, mas sim representar uma sub-classe desse vazio, caracterizada pela incompatibilidade com o léxico, ao contrário da sub-classe da elipse, aberta ao léxico. A possibilidade de recuperar informação não tem pois o mesmo alcance para elipses e categorias vazias: no primeiro caso, depende das condições de enunciação -trata-se de material lexical redundante-, e no segundo, de regras internas da gramática.
Na verdade, a questão da redundância de alguma forma indicia a natureza pronominal da elipse. Na sua conclusão, Zribi-Hertz sugere uma aproximação entre elipses e a pronomes: as elipses seriam proformas nulas, que alternam livremente com "proformas lexicalmente realizadas", quando disponíveis. O princípio (26) tenta captar o paralelo entre elipse e pronome:

(26) Todas as elipses estruturais zeugmáticas são proformas nulas

2.2.2.A sintaxe dos pronomes nulos

Em gramática generativa, as condições de boa formação da estrutura de constituintes -a sua legitimação- são condições de identificação suficientes para as categorias lexicais. As categorias vazias, por seu lado, são legitimadas e identificadas por meio do PCV. As propostas de Rizzi (1986) apontam contudo para a possibilidade de alguns tipos de categorias vazias [-anafóricas] -nomeadamente o pronome pro- implicarem condições de legitimação e de identificação distintas. Neste caso, a legitimação formal implicaria condições de regência por determinadas categorias funcionais, sendo a identificação especificada gramaticalmente por meio de traços formais. A legitimação de pro não-arbitrário, por exemplo, far-se-ia sob regência por um conjunto característico de núcleos, enquanto a sua identificação implicaria co-indexação com constituintes providos de traços fortes -morfologicamente perceptíveis.
Assim, em línguas como o Português, onde os pronomes plenos são opcionais em frases flexionadas, admite-se que a posição sujeito é ocupada por um pronome nulo de tipo pro, regido pelo núcleo Flex e identificado pelos traços verbais. Também se refere pro, entre outros, como objecto arbitrário, sujeito das formas imperativas e sujeito expletivo dos verbos meteorológicos -sendo obviamente neste caso um pronome não argumental. O conteúdo do pronome é, de modo geral, recuperado por referência ao seu antecedente: por meio da flexão no caso do sujeito nulo, por meio do verbo no caso do objecto arbitrário, ou por defeito no caso de as condições precedentes falharem, sendo então pro um mero pronome expletivo. Nos exemplos seguintes, encontramos alguns dos usos de pro anteriormente referidos:

(27) a. pro Procuro o João (pro sujeito argumental)
b. pro Choveu toda a noite (pro expletivo)
c. A questão leva pro à seguinte conclusão (pro objecto arbitrário)

Ao redefinir as condições de legitimação e identificação de pro, esta proposta alarga a sintaxe das categorias vazias, nomeadamente ao prever a formulação de mecanismos gramaticais distintos relativos a pronomes sem forma perceptível. O princípio em (28.a), em que o núcleo Xo pertence a qualquer tipo y, pode ser considerado um modelo de legitimação formal para o pronome pro, e a convenção em (28.b) resume o processo de identificação correspondente:

(28) a. pro é regido por Xoy
b. Xº é o núcleo legitimador de uma ocorrência de pro: então pro tem a especificação gramatical dos traços em Xº co-indexados com ele[86]

A existência de condições de legitimação formal e identificação semântica permite fazer algumas predições: não haverá, por exemplo, pro referencial nas línguas sem traços fortes, já que, segundo (28), em tal caso pro não seria identificável. Os exemplos em (29) indicam por seu lado que não há paralelismo entre o Português e o Francês quanto à ocorrência de pro sujeito nulo (29.a.b) e à existência de pro expletivo (29.c.d):

(29) a. Acho que pro é simpático
b. * Je pense que pro est sympathique
c. (pro) É pena teres vindo
d. *(Il) est bon que tu sois venu

2.2.3.As categorias elípticas

De Zribi-Hertz e Rizzi, podemos reter duas ideias-chave: os pronomes nulos são categorias formalmente legitimadas e identificadas; a elipse é provavelmente melhor descrita como um caso de pronome nulo. A legitimação e identificação de categorias nulas pronominais pode assim servir de base ao tratamento da elipse.
Com base em Lobeck (1995), admite-se que o suposto constituinte elíptico se relaciona claramente com a sintaxe de pro, estando sujeito aos mesmos princípios gerais. Se, como se postula, a elipse não é uma ocultação ou um apagamento, nem o vestígio de um movimento, em contrapartida partilha inúmeras propriedades com os pronomes. Na verdade, as elipses pertencem a esse conjunto característico de constituintes cujo significado depende de outro. Nos casos seguintes de elipse do nome, por exemplo, a posição vazia [-] aponta claramente para uma categoria nominal anteriormente realizada, propriedade típica dos pronomes:

(30) a. Eu tenho lido muitos livros, mas tu tens lido poucos [-]
b. O livro do João é interessante, ao passo que o [-] da Maria é aborrecido
c. A turma do primeiro ano e a [-] do segundo [-] têm aulas juntas
d. Embora gostasse do [-] vermelho, o João comprou o casaco verde

Também como os pronomes, a elipse pode prescindir de antecedentes sintácticos, e contentar-se com identificação pragmática ou discursiva (31):

(31) Duas crianças estão a brincar. A primeira criança quebrou o seu brinquedo. Diz a outra criança, levantando o seu:
«O meu [-] não quebrou»

O problema ilustrado neste tipo de frases resolve-se no caso de a posição [-] verificar um traço [+pronominal]: de facto, as posições vazias em (30) têm em comum com os pronomes o Princípio B da Teoria da Ligação -um pronome é livre no seu domínio de ligação. O constituinte nulo em questão não manifesta o traço [+anafórico], não sendo derivado de um movimento, ou A-ligada a um antecedente na sua própria oração. No entanto pode ocorrer em enunciados coordenados ou subordinados (30.b.c), obedecer à restrição da anáfora para trás (30.d)[90], e dispensar antecedente sintáctico, propriedades típicas dos pronomes. As elipses são pois pronomes vazios.
Esta identidade entre pronomes e elipses permite inferir que são legitimados do mesmo modo, embora seja também de prever que o seu conteúdo semântico seja diversamente recuperado. Com base nestas observações, as elipses seriam pronomes vazios basicamente engendrados, distribuídos de acordo com relações de regência estrita por um núcleo funcional, e a sua identificação dependeria de condições de reconstrução lógica, nomeadamente a existência de um antecedente contextual provido de informação de natureza específica. No modelo da elipse proposto em Lobeck (1995), os pronomes nulos -incluindo as elipses- são legitimados e identificados segundo as condições formuladas em (32): [91]

(32) Legitimação e identificação de pro
Um pronome vazio não arbitrário deve ser estritamente regido por núcleo, e regido por um Xº marcado por Concordância Forte.

Inspirado em (28), o modelo (32) implica que as categorias elípticas, elementos pronominais vazios, verificam os mesmos princípios distribucionais que os pronomes de tipo sujeito nulo: além de regidos estritamente por um núcleo, devem ser identificadas por um constituinte caracterizado por traços fortes -morfologicamente marcado. Estes traços são o meio habitual pelo qual o conteúdo referencial do pronome vazio não arbitrário é recuperado, mas o mesmo se aplica às categorias elípticas. Existe contudo uma distinção nas condições de recuperação: as elipses são idênticas em conteúdo ao seu antecedente, mas não idênticas em referência. O conteúdo de uma elipse é recuperado com base num tipo de relação de identidade, denominada reconstrução, que envolve operações de cópia de estruturas a nível lógico (Lobeck 1995, com base em Williams 1977). A elipse seria pois tipologicamente um pronome vazio identificado por reconstrução, ao contrário dos outros pronomes vazios, identificados por referência.[93]
(32) justifica contudo as elipses pelas mesmas razões que o faz para pro referencial: os traços formais tornam o pronome vazio 'visível' para o processo lógico através do qual o conteúdo da elipse é recuperado. Traços morfológicos em Xº apontam para um pro referencial e tornam-no visível para o processo que o liga ao seu antecedente -um pronome vazio não associado a esses traços seria arbitrário em referência-, do mesmo modo que tornam visível para a reconstrução o pro elíptico. A elipse é pois um pro não arbitrário, identificado por reconstrução por um antecedente, e legitimado por regência estrita por uma categoria funcional portadora do traços específicos. [94]
Nos exemplos seguintes, todos os casos são justificados de acordo com (32):[95]

(33) a. Os estudantes vieram ver o filme, mas cinco / todos [-] saíram desiludidos
b. Os convidados estavam animados, mas alguns / vários [-] não tinham mesa.
c. As minhas malas não foram revistadas, mas as [-] do João foram [-]
d. O Pedro comeu bolo, mas a Maria não [-]
e. O João gosta da manteiga francesa, mas a Rita prefere a [-] dinamarquesa

A (con)fusão entre categorias vazias pronominais e categorias elípticas marca uma importante mudança de perspectiva na concepção sintáctica do vazio. A distinção metodológica entre legitimação e identificação permite considerar a existência de categorias elípticas, doravante consideradas categorias pronominais vazias. Um princípio como (32) aplica-se retrospectivamente a todo o tipo de categoria vazia -referencial ou elíptica-, e define o modo sistemático como as posições ocultas ou elípticas são tornadas visíveis a nível interpretativo. A noção de pronome nulo vem assim evidenciar que faz todo o sentido falar de vazio num quadro em que as categorias são identificadas em função das suas propriedades linguísticas e não da sua percepção directa: na verdade, a ausência perceptiva não equivale à ausência linguística. Para Raposo (1992), a identidade real do vazio não permite confundi-lo com uma ausência pura e simples:

(34) "A conclusão de que existem tipos diferentes de categorias vazias, com propriedades distintas e restrições distribucionais diferentes, mostra claramente que estamos face a entidades linguísticas reais, que fazem parte da representação da linguagem na mente do falante/ouvinte. [...] Uma categoria vazia não é uma simples «ausência», porque uma ausência não pode possuir propriedades diferenciadas. Pelo contrário, uma categoria vazia é uma categoria linguística real com uma matriz gramatical, embora sem matriz fonológica."

Em síntese, o modelo generativo aperfeiçoou a teoria do vazio numa perspectiva restritiva: começando por afirmar condições de recuperabilidade sobre constituintes apagados em operações de transformação, optando por impor aos constituintes deslocados condições de reconstrução e identidade -teoria dos vestígios-, afirma de seguida a necessidade de associar à própria estrutura de constituintes a existência de posições por natureza vazias. Admite pois neste caso, além de categorias plenas legítimas, a existência de dois tipos de vazio, radicalmente opostos: posições lexicalmente preenchidas esvaziadas por movimento de constituintes e posições nunca ocupadas por material lexical. O vazio categorial tornou-se assim parte integrante da gramática: as categorias vazias são na realidade idênticas do ponto de vista gramatical às categorias plenas -essa identidade suposta é aliás uma condição de recuperação- e são processadas como tal pela maquinaria da sintaxe.

3.A elipse na Gramática minimalista

3.1.Vazio e deleção

Em contraste com os pressupostos anteriores, reflexões actuais em sintaxe generativa, inspiradas em Chomsky (1993, 1994, 1995), e literatura afim, tentam contudo voltar à ideia tradicional do vazio, sugerindo nomeadamente que a estrutura vazia só difere da estrutura plena porque foi vítima de uma forma particularmente eficaz de redução a nível da Forma Fonética, precisamente apagamento fonético. Esta posição demarca-se totalmente das teorias anteriores, em que a elipse -a "autêntica" elipse, a não confundir com complementos nulos ou vestígios de anáforas,- resultava de categorias vazias basicamente engendradas, sujeitas a condições específicas de legitimação, e com interpretação ligada a estruturas copiadas a nível da Forma Lógica. O reducionismo conceptual do Minimalismo em termos de categorias vazias, para alguns forma inesperada de regresso ao passado -a actual teoria da deleção nutre-se em parte dos conceito clássicos de subentendido e ocultação- é ao mesmo tempo surpreendente e previsível. Surpreendente, porque consiste em certa medida, em contraste com anteriores posições teóricas, em corroborar algumas das posições clássicas sobre a língua -como a noção de eclipse de constituinte-, edificadas à margem da qualquer formalização;[98] previsível, porque a ideia de redução fonética, adoptada à revelia do conceito linguístico de categoria vazia, mas que tem ganho força nas análises Minimalistas, parece ser a única compatível com a visão restritiva da gramática de Chomsky (1994,1995).
Poderão formular-se princípios minimalistas sobre constituintes vazios? Obviamente, há que reconhecer minimamente que as línguas naturais manifestam propriedades de deslocação de constituintes, na medida em que é possível expressões serem pronunciadas numa posição e interpretadas em outra posição. Isto deve poder ser representado formalmente: a gramática pré-minimalista formalizava essas propriedades pelo meio da teoria dos vestígios. Serão os vestígios também conceptualmente motivados na mecânica Minimalista? A resposta é positiva se servirem para formalizar o facto de as expressões movidas serem na verdade interpretadas como se estivessem numa posição diferente da que ocupam realmente.[99] Não podemos contudo esquecer que a principal motivação do PCV e da teoria dos vestígios era fornecer meios de limitar o poder generativo da regra Mover-±, de modo a eliminar derivações indesejáveis numa gramática em que única regra transformacional era o movimento livre. O programa Minimalista rejeita contudo o movimento livre -para Chomsky (1995), os constituintes só se movem quando não o podem evitar (cf. o princípio de cobiça, e a noção de movimento como último recurso)-, pelo que os vestígios deixam de ser conceptualmente necessários, e podem ser substituídos por simples operações de cópia e apagamento de constituintes.[100]
Lembremos alguns pressupostos de Chomsky (1994,1995). O chamado programa Minimalista atribui importância crucial ao papel da linguagem na mente humana: a faculdade da linguagem (FL) seria um sistema biológico adaptado a uma tarefa expressiva[101] -falar, comunicar, referir, perguntar, etc.- tarefa essa associada globalmente a um conjunto de intencionalidades organizadas em aquilo a que Chomsky chama sistemas de pensamento (SPs) -ou sistema conceptual-intencional (C-I). Passa então a ser a pergunta central da investigação em linguística a seguinte: até que ponto a arquitectura da FL é uma solução perfeita para essa função expressiva, até que ponto a orgânica da linguagem é totalmente explicável pela necessidade de a FL elaborar representações adequadas aos SPs?[102] Em função da resposta a esta questão, a FL será ou não considerada um sistema perfeito: ou as suas propriedades são inteiramente determinadas pela necessidade de oferecer uma interface aos SPs, ou a FL contem propriedades não destinadas a satisfazer requisitos dos SPs, a considerar por isso como imperfeições alheias à sua função básica. O programa Minimalista postula que a FL é um sistema perfeito.[103] Como a linguagem não contacta só com SPs, mas também com um sistema biológico de recepção e produção de natureza sensorial e neuronal, postula-se que a FL interfere também, alem dos sistemas de pensamento, com um sistema sensorio-motor -ou sistema articulatório-perceptual (A-P). O mínimo a exigir da FL é então que forneça representações capazes de servir de entrada para cada um destes dois sistemas externos, sendo as interfaces respectivas entre a FL e esses sistemas situadas em dois níveis distintos: Forma Fonológica (PF, de Phonological Form) na interface com o sistema A-P e Forma Lógica (LF, de Logical Form) na interface com o sistema C-I. A estrutura da linguagem humana reduzir-se-ia assim a estes dois níveis, os únicos conceptualmente justificáveis, pelo que nenhuma interface ou mecanismo adicional deveriam ser postulados, a não ser quando motivados.[104]
Contudo, independentemente da arquitectura global da FL, os próprios níveis PF e LF têm requisitos mínimos. Na realidade, tendo esses sistemas externos propriedades locais de natureza específica, a faculdade da linguagem tem de produzir interfaces legíveis de maneira óptima por esses sistemas, o que implica que as derivações apresentadas nas interfaces não devem conter -ou eliminem entretanto- elementos estranhos, nem na derivação a apresentar na interface LF nem na interface PF. Se algum tipo de objecto gramatical não puder ser interpretado nas interfaces por A-P ou C-I, então as estruturas que o contêm serão mal-formadas -a não ser que esses objectos defeituosos sejam neutralizados antes da interpretação. Este requisito -o Princípio de Interpretação Plena- estipula que as interfaces têm de obedecer a condições de legibilidade estritas impostas pelos sistemas externos, não devendo nomeadamente manipular objectos ou traços não interpretáveis pelos sistemas.[105]
Neste quadro, afigura-se que as categorias vazias ou elípticas podem ser consideradas objectos supérfluos, não directamente interpretáveis pelos sistemas C-I e sobretudo A-P, pelo que deixam de ser conceptualmente relevantes, devendo presumivelmente optar-se em alternativa por um modelo em que a ausência de determinado elemento poderá ser justificada exclusivamente em termos de apagamento ou remoção de traços na PF. A conclusão inevitável desta análise é que a teoria das categorias vazias (PCV) não deve ser mais vista como um módulo autónomo da gramática, uma exigência interna da linguagem, mas eventualmente como uma regra da interface com o sistema A-P, isto é, um dos filtros aplicados pelos sistemas externos aos outputs da FL. A eliminação de princípios como o PCV ou de entidades como pronomes vazios daí decorrente procede da vontade de remover da gramática, tal a navalha de Occam, soluções de "engenharia linguística" (Raposo 1998) desnecessárias, na linha da parcimónia metodológica ou da elegância queridas ao projecto Minimalista.[106]
Na verdade, os princípios despojados da versão Minimalista da sintaxe levam naturalmente a uma explicação como a remoção fonética: a hipótese "bare phrase structure" (Chomsky 1994) exige que a estrutura de constituintes seja atribuída sequencialmente -de baixo para cima- a pares de itens lexicais. Uma derivação começa por uma "numeração", escolha de dois elementos lexicais, e o sistema de Cálculo da linguagem humana -Chl- permite, por meio da operação Compor (Merge), combinar sequencialmente esses dois elementos, sendo o resultado em princípio a criação automática da projecção assimétrica de um dos dois. Não podendo obviamente por natureza ser 'compostos' directamente na estrutura, por não serem "compatíveis", os elementos vazios -que Chomsky qualifica agora de "fosseis"[107]- não podem em consequência ser usados para construir estrutura sintáctica.[108] No caso de categorias vazias basicamente engendradas, não seria pois óbvio de que maneira Chl poderia atribuir estrutura a sintagmas que incorporassem elementos nulos, na medida em que a convergência em LF exige em princípio que as posições a processar sejam lexicalmente preenchidas. A existirem casos de ausência de elementos sintagmáticos, não podem concomitantemente ser confundidos com categorias vazias presentes na estrutura da derivação -essa presença violaria princípios de interpretação e legibilidade interfacial, em particular porque implicaria a presença de símbolos correspondentes a objectos sintácticos não directamente interpretáveis pela interface com o sistema A-P (seriam, nos termos de Chomsky, objectos ilegítimos)-, e devem ser considerados em alternativa como o resultado de apagamento fonético, motivado eventualmente por operações de deslocação, por imperativos de economia ou optimalidade -por natureza o programa Minimalista tende a eliminar da derivação tudo o que não é estritamente necessário a nível de interfaces-, ou por situações de redundância discursiva.

3.2.A regra Elipsar

No âmbito da Gramática do paradoxo, como vimos, a posição elíptica é supostamente "ocupada" por um pronome sem forma fonética, pelo que uma expressão elíptica como (35.a) seria melhor representada como (35.b). A elipse pode ser vista como uma posição vazia basicamente engendrada, devidamente regida, que não chega a ser preenchida por regras de inserção lexical e exige em consequência reconstrução a nível da LF para receber interpretação:

(35) a. O João comprou o casaco verde, embora gostasse mais [do vermelho]
b. O João comprou o casaco verde, embora gostasse mais [do pro vermelho]

A sintaxe Minimalista, contudo, não reconhece nenhuma distinção entre regras sintácticas básicas e inserção de itens lexicais, pelo que, não havendo por hipótese nenhum nó vazio pro na etapa inicial da derivação, a elipse teria que resultar de uma operação posterior. Como foi já referido, o programa Minimalista aponta para a eliminação das representações interpretáveis de todos os tipos de dispositivos gramaticais não contemplados pelas exigências interfaciais, entre eles presumivelmente pronomes nulos de tipo pro.
Essa eliminação poderá ser pacífica em algumas ocorrências de pro, como no caso do pronome nulo expletivo (cf. 27.b), mas problemática noutros casos. Na teoria Minimalista, é difícil justificar um pro expletivo, a não ser talvez numa base puramente teórica -por exemplo, com base no Princípio de projecção. Na versão computacional da FL de Chomsky (1994,1995), este princípio é também posto em causa:[110] a sintaxe minimalista limita-se a considerar que, numa construção expletiva, os traços-D são fracos, pelo que a posição SFlex e o seu Especificador respectivo não são ocupados antes de Spell-Out, nem mesmo por um pro.[111] Contudo, se os pronomes nulos expletivos são claramente redundantes, o mesmo não se poderá dizer dos pronomes nulos argumentais ou temáticos, sujeitos ou objectos nulos, pelo que não poderão ser tão facilmente removidos da teoria -embora também não seja pacífico admitir que pronomes vazios como pro tenham propriedades semânticas completas, isto é, que sejam equivalentes a constituintes portadores de uma estrutura lexical-conceptual. No caso de pro elíptico, as exigências da teoria são contudo menos restritivas, na medida em que a posição elíptica na realidade não é uma posição temática isolada, e não parece exigir estrutura lexical nem propriedade semântica relevantes. pro elíptico não é um constituinte plenamente referencial -como foi observado, a elipse exige identidade por reconstrução mas não identidade por referência[112].
Estas observações permitem por isso, relativizando a noção de pronome nulo elíptico, sugerir em alternativa, com base em Tancredi (1992), Chomsky & Lasnik (1993) e Chomsky (1994,1995), a sua substituição por uma regra de apagamento -aqui reinterpretada como filtro de eliminação de constituintes foneticamente redundantes -presumivelmente desencadeada a nível da interface com o sistema A-P. Segundo Tancredi (1992), que investiga alguns casos de antecedent contained deletion, a elipse pode ser considerada uma variante de um fenómeno prosódico geral, o de desacentuação das posições vazias, que, na perspectiva do autor, tem lugar a nível da Forma Fonológica. A proposta de Tancredi assimila as elipses a um processo de redução drástica da acentuação de uma sequência redundante, que equivale à sua remoção completa em termos de traços fonéticos. Em Chomsky (1994), refere-se a regra de apagamento Apagar-±, considerada pelo autor a única operação sobre "phrase markers" alem de Compor e Mover, e justificada em termos de (in)visibilidade interfacial.[113] Nesse espírito, a posição vazia em (35) poderia ser reavaliada em termos de eclipse e não em termos de elipse: seria uma regra característica da componente fonética -na interface com A-P-, e não uma posição vazia associada a uma categoria pronominal exigida por propriedades internas da linguagem. A derivação sintáctica de (35) não chegaria portanto a envolver uma etapa em que há um nó pronominal vazio a precisar de ser reconstruído.
Assim, a estrutura da derivação elíptica em (36), repensada sem categorias vazias, poderia a nível de Chl -antes de PF- ser de tipo (36.a), e, depois de aplicado o filtro Elipsar -desacentuação de traços fonéticos redundantes a nível de PF por Apagar-±-, ter a forma (36.b):

(36) a. O João comprou o [livro] de poesia, embora preferisse o [livro] de pintura
b. O João comprou o [livro] de poesia, embora preferisse o [___] de pintura

A estratégia aqui proposta consiste em projectar o mecanismo da elipse para o percurso Spell-Out-PF. Neste caso, a elipse -e outras operações eventuais que, como esta, só afectam a representação mas não o sentido- seria um processo pós-Spell-Out, com extensão na interface PF. Nesta hipótese, a oração pré-elíptica (plena) seria processada como um conjunto de "unidades prosódicas", em que a determinada unidade redundante seria associada em PF a instrução Elipsar. No caso de (36), podemos reconstituir as etapas das operações de reajustamento fonético devidas à aplicação do filtro. Considere-se em primeiro lugar o conjunto de itens lexicais -a numeração- {de, pintura} que, depois de Compor em Chl , dá a expressão [SPREP de pintura]. Depois de processada pela Componente Morfológica (Chomsky 1995), esta expressão volta para Chl onde entra no conjunto {o, livro, SPREP}, acabando por compor uma nova expressão [SDET o [SN livro [SPREP de pintura]]]. Ao ser enviada para Spell-Out, onde entra na derivação contendo já a sequência anterior [SDET o [SN livro [SPREP de poesia]]], a expressão é então submetida às condições da interface PF, sendo elipsado o material redundante "livro", dando finalmente lugar à representação desacentuada [SDET o [SN ____ [SPREP de pintura]]].[115] Obviamente, se esta regra de remoção de material lexical se limita a eliminar "substância" fonética pós-Spell-Out, a posição vazia resultante mantém as suas propriedades intactas -cf. a nota 113-, pelo que a nível da LF a derivação conserva a sua integridade e pode convergir -na verdade, para a LF, a derivação de referência é e continua a ser (36.a). Parece pois razoável distinguir entre deleção simples e elipse de constituintes, sendo o segundo caso uma operação estritamente aplicada pós-Spell-Out, motivada por um filtro de eliminação de redundância.

3.3.Elipse gramatical e elipse mental

A proposta de regras inspiradas em princípios de eliminação de redundância por deleção fonética, se viável, não abrange nem resolve contudo a totalidade da problemática da elipse. A regra Elipsar parece necessariamente fragmentária. Alguns tipos de restrições formais subsistem, na medida em que facilmente se evidencia a sensibilidade das elipses ao contexto e ao sentido:

(37) a. O João comprou o casaco verde, embora gostasse mais [do [-] branco]
b. *? O João comprou o casaco verde, embora gostasse mais [do [-] bonito]
c. * Os convidados viram o filme porque [os [-] estavam interessados ]
d. * O João gosta de livros que sejam interessantes e de [[-] que sejam breves]
e. * Os alunos sentaram-se, mas [cada [-]] estava calado

(37) sugere que a elipse não pode ser reduzida a um mecanismo puramente fonético de apagamento de constituintes reiterados-nem tão pouco à face (im)perceptível de mecanismos meramente interpretativos, típicos da reconstrução de constituintes em LF: a elipse é por exemplo sensível à existência de simetria semântica entre adjectivos[117] (37.a.b), é excluída em conjunto com artigos (37.c) e preposições (37.d), e é incompatível com alguns tipos de quantificadores (37.e). É provável pois que condições fortes de legitimação formal e de identificação semântica impostas pelo sistema computacional, como as sugeridas anteriormente para os pronomes nulos, devam ser conservadas, o que justificaria a presença sistemática e obrigatória em sintaxe explícita de um elemento funcional característico que, como "branco" em (37.a), c-comanda a posição a apagar: quantificador, adjectivo, flexão, etc. O filtro fonético subjacente deve aparentemente ser associado a determinadas configurações impostas por LF. A elipse aparenta assim corresponder a um tipo de operação associada a mecanismos do sistema computacional envolvendo a FL a nível interfacial: legitimada por exigências da LF [118], que podem envolver configurações destinadas à verificação de traços morfo-semânticos - por exemplo categorias funcionais em posição de Especificador contextual legitimando a posição elíptica por Spec-Head Agreement, cf. Martinho (1998a)-, a elipse seria processada como um filtro interfacial em PF-neste caso, Elipsar. A aplicação deste filtro seria pois necessariamente pré-determinada em termos configuracionais[119].
A existência de limites à aplicação do filtro em questão justifica-se presumivelmente de acordo com princípios profundos da linguagem. Na verdade, o facto de a faculdade de apagar material lexical redundante -presumivelmente por meio de uma regra de tipo Elipsar- ser adquirida prematuramente pelas crianças, confirma que a elipse é provavelmente motivada por esses princípios. Um deles será obviamente inspirado em critérios de não-redundância (Chomsky 1995:169), mas deve também pressupor-se que a elipse não interfere com o princípio geral de conservação da informação. Idealmente, o filtro Elipsar só se pode conceber em função da existência de condições de reconstrução do segmento a filtrar, nomeadamente de modo a que nenhuma informação seja perdida durante a remoção fonética em PF, sendo essas condições pré-definidas em termos configuracionais e cognitivos. Embora esteja fora do âmbito deste trabalho identificar precisamente essas condições, a interacção, em PF e LF, destas duas tendências gerais da linguagem humana -abreviar e conservar- poderá explicar em grande parte a mecânica da elipse.[120]
Que papel atribuir ao princípio de não-redundância na procura de perfeição e na exigência de economia projectadas sobre a elipse? Na verdade, ao contrário de outras, a gramática generativa tem de modo geral dedicado pouca atenção aos fenómenos puramente discursivos na produção linguística -foco, tópico, redundância, pressuposição, etc., aquilo que Chomsky (1995:220) qualifica de "surface effects". A elipse aparece no entanto essencialmente como uma procura da redução de informação redundante em discurso, em que os factores ditos discursivos desempenham supostamente um papel não desprezível. Podemos por isso ponderar se não seria legítimo reconsiderar o papel dos factores contextuais na sintaxe do vazio e alargar a origem da elipse a uma eventual estrutura discursiva. Não se trata de sugerir que a elipse deve ser remetida exclusivamente para áreas anexas à gramática, mas de considerar favoravelmente a hipótese de a disposição -e a quantidade- de informação ela própria condicionar a organização das estruturas da linguagem. Basta lembrar exemplos como (31) para admitir que o material elíptico pode ser restituído contextualmente, dispensando qualquer antecedente gramatical. Na verdade, como observa Chomsky (1995), muitos fenómenos discursivos desempenham um papel condicionador a nível da interpretação das estruturas sintácticas[121] e do significado das expressões linguísticas -por exemplo, as construções foco/tópico-, pelo que seria provavelmente legítimo admitir uma modificação do modelo da gramática da elipse no sentido de incluir ou prever uma componente informacional/discursiva em suplemento às componentes semântica/sintáctica e fonética.
A questão anterior não deixa de invocar sub-repticiamente a doutrina clássica do eclipse e a lógica do subentendido: no fundo, quando se produz uma elipse, trata-se puramente de uma operação de essência gramatical, ou antes de um mecanismo prioritariamente situado a nível da mente? Na segunda hipótese, a problemática da elipse não deveria ser incluída estritamente na teoria da gramática, mas no âmbito geral da teoria da cognição: tratar-se-ia de definir o que leva a mente humana a prescindir, em determinadas circunstâncias, de parte da estrutura naturalmente elaborada pela FL em resposta às exigências interfaciais; trata-se de determinar em que condições a mente consegue elaborar declarações lógicas num número mínimo de passos e com uma quantidade mínima de símbolos. A verdadeira meta da gramática da elipse seria então o levantamento das relações entre as estruturas sintácticas e as estruturas cognitivas implicadas. O relativo desconhecimento do funcionamento do sistema C-I, geralmente admitido na literatura Minimalista -trata-se de definir como funciona a própria mente-, não autoriza na realidade a aprofundar esta questão. [122]

4.Conclusão

Podemos sugerir respostas a algumas questões iniciais: será a elipse uma ausência pura e simples ou uma presença silenciosa? Será do domínio das condições de produção do discurso ou do domínio das regras internas da sintaxe? A evolução do modelo obriga a conclusões parciais.
Se, de acordo com a intuição dos clássicos, a elipse é antes de mais uma falta, então, numa gramática concebida em termos de representação formal, deve-se levantar a questão da própria existência do fenómeno de elipse. Na verdade, a formalização da língua como estrutura de constituintes projectada em sintaxe e em níveis de representação, como é o caso do modelo generativo pré-minimalista, pressupõe que, se por elipse se entendesse "ausência de uma categoria ou de um núcleo na estrutura", deveria concluir-se que a elipse não existe, pelo menos no sentido que aqui lhe atribuímos. De facto, uma categoria SX, se prevista, é obrigatoriamente projectada em sintaxe, como complemento das projecções que a dominam, e não pode deixar de "estar presente" na estrutura projectada do léxico, mesmo silenciada por imperativos discursivos. Razões de ordem estrutural obrigariam pois a afastar a noção clássica de elipse como vazio radical, ausência absoluta, e, optando por uma visão configuracional, incitariam a considerar em alternativa a elipse como uma categoria pronominal básica, que, por razões específicas, é gerada sem matriz fonética/lexical. Neste quadro, os constituintes elípticos possuem obviamente estrutura sintáctica, não podendo as várias propriedades das construções elípticas ser justificadas puramente em termos de recuperação de sentido.
A actual sintaxe Minimalista tende contudo a voltar às primeiras intuições sobre o vazio como resultado de um eclipse: no programa Minimalista, ele próprio versão elíptica da gramática, as categorias vazias serão talvez elas também supérfluas. Os requisitos teóricos impostos à gramática por Chomsky (1995), motivados por preocupações de simplicidade e equilíbrio, afastam de maneira radical dos módulos formais da faculdade da linguagem mecanismos de explicação inspirados na tipologia dos pronomes nulos. Na verdade, tais pronomes, pela sua natureza inacabada ou imperfeita, obrigariam as derivações em que fossem integrados a violar princípios de legibilidade, por exigirem a manipulação de entidades sintácticas não interpretáveis pelos sistemas periféricos -nomeadamente a nível da interface com o sistema A-P, em que são processados os traços fonéticos associados às estruturas compostas. A teoria dos pronomes nulos não parece ser compatível com um sistema em que todas as entidades linguísticas devem ser processadas de acordo com mecanismos de interpretação plena. No sentido restrito associado a estes pressupostos, a elipse será então provavelmente melhor concebida como o resultado de uma operação de deleção fonética -a regra Elipsar-, possivelmente motivada pelo cuidado de eliminar da interface com o sistema A-P séries de símbolos sintácticos e traços fonéticos redundantes.
A reflexão sobre o vazio linguístico pode provavelmente melhorar o nosso conhecimento da organização da gramática mental e as suas características universais. É aliás cara aos Antigos a ideia de que a ordem que as línguas humanas escolhem para apresentarem a informação não só condiciona o seu conteúdo como também fornece algumas pistas sobre o funcionamento da linguagem. Na linha de algumas das interrogações cognitivistas levantadas por Chomsky (1995), essa questão traduz-se na procura de universais linguísticos que possam providenciar pistas sobre o funcionamento da faculdade da linguagem. A pesquisa sobre a problemática do vazio e das elipses permite sem dúvida entrever a modularidade da faculdade da linguagem, e formular hipóteses sobre a maneira como esta faculdade consegue processar, a nível das interfaces com os sistemas cognitivo e expressivo humanos, orações constituídas provavelmente de combinações de categorias expressas e categorias silenciosas. Reconheça-se porém que a elipse representa um desafio para qualquer tipo de formalização gramatical, e que deveria talvez ser reapreciada nos confins da análise da frase e do discurso.

Fernando Martinho
Universidade de Aveiro
fmart@mail.ua.pt
https://sweet.ua.pt/~fmart/

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Resumo

A reflexão sobre o vazio linguístico pode provavelmente melhorar o nosso conhecimento da organização da gramática mental e as suas características universais. Na linha de algumas das interrogações cognitivistas levantadas por Chomsky, essa questão traduz-se na procura de universais linguísticos que possam providenciar pistas sobre o funcionamento da faculdade da linguagem. A pesquisa sobre a problemática do vazio e das elipses permite sem dúvida entrever a modularidade dessa faculdade. A genealogia do vazio pode ser reavaliada nos seguintes termos: será a elipse uma ausência pura e simples ou uma presença tornada silenciosa? Na verdade, a história do conceito leva forçosamente a respostas parcelares. Segundo a intuição clássica, a elipse é antes de mais um ser imperceptível, a lacuna resultante de uma vontade de redução, isto é, fundamentalmente una frase defeituosa à qual falta um constituinte. Em gramática generativa, contudo, levanta-se a questão da própria existência da noção de elipse: se uma categoria SX está estruturalmente prevista em determinada posição sintáctica, não pode deixar de "estar presente" na projecção realizada, mesmo silenciada por imperativos discursivos. Razões de ordem formal obrigam pois a renunciar à ideia clássica de elipse como vazio radical, ausência absoluta, e, impondo uma visão configuracional do imperceptível, convidam a considerar em alternativa a elipse como uma categoria pronominal que, por razões a determinar, foi engendrada sem matriz fonológica (Lobeck 1995). O programa Minimalista reaprecia contudo o vazio como o resultado de um eclipse, e considera em consequência supérfluas as categorias vazias básicas. De facto, tais constituintes, pela sua natureza inacabada e imperfeita, levariam as derivações correspondentes a violar os princípios de legibilidade e interpretação plena (Chomsky 1995), na medida em que implicariam a manipulação de entidades sintácticas não interpretáveis pelos sistemas periféricos -nomeadamente em termos de interface com o sistema articulatório-perceptivo, onde são processados os traços fonéticos associados às estruturas compostas. Nesse caso, a elipse seria melhor concebida como o resultado de uma operação de apagamento fonético da redundância - o filtro Elipsar-, provavelmente justificada pelo cuidado da FL em não alimentar com símbolos sintácticos repetidos e traços fonéticos redundantes as interfaces com os sistemas externos. Deve contudo reconhecer-se que a elipse representa um desafio para qualquer formalização gramatical, e que deveria talvez ser reapreciada nos confins da análise da frase e do discurso

Résumé

L'importance attribuée à la réflexion sur le vide grammatical provient probablement de l'attente qu'il nous dise quelque chose de fondamental sur l'organisation de la grammaire mentale et ses caractéristiques profondes. Dans la lignée de certaines interrogations cognitivistes formulées par Chomsky, cette question se traduit par la recherche d'universaux linguistiques qui puissent fournir des pistes sur le fonctionnement modulaire de la faculté du langage. La recherche autour de la problématique du vide elliptique permet sans aucun doute d'entrevoir cette modularité. La généalogie de ce vide peut être ramenée à l'interrogation suivante: l'ellipse serait-elle une absence pure et simple ou plutôt une présence rendue silencieuse? En fait, l'histoire du concept entraîne des réponses nuancées et parcellaires. Selon l'intuition des Classiques, l'ellipse est avant tout un être imperceptible, une lacune résultant d'une volonté de réduction, c'est-à-dire fondamentalement une phrase défectueuse à laquelle il manque un constituant. En grammaire générative, pourtant, se pose la question de l'existence-même de la notion d'absence elliptique: si une catégorie SX quelconque est structurellement prévue dans une position syntaxique donnée, elle ne peut manquer d'être "présente" dans la projection réalisée, même réduite au silence par des impératifs discursifs. Des raisons d'ordre formel obligent donc à renoncer à l'idée classique d'ellipse comme vide radical, absence absolue, et, forçant une vision configurationnelle de l'imperceptible, invitent à considérer en alternative l'ellipse comme une catégorie pronominale, qui, pour des raisons à préciser, a été générée sans matrice phonétique (Lobeck 1995). Le programme Minimaliste reconsidère pourtant le vide comme le produit d'une éclipse, et juge en conséquence superflues les catégories vides de base. En effet, de tels constituants, par leur nature inachevée et imparfaite, obligeraient les dérivations correspondantes à violer les principes de lisibilité et d'interprétation pleine (Chomsky 1995), dans la mesure où ils impliqueraient la manipulation d'entité syntaxiques non-interprétables par les systèmes périphériques -en particulier au niveau de l'interface avec le système articulatoire-perceptif, où sont traités les traits phonétiques associés aux structures composées. Dans ce cas, l'ellipse serait probablement mieux conçue comme le résultat d'une opération d'effacement phonétique de la redondance -la règle Ellipser-, sans doute justifiée par le souci de la FL de ne pas alimenter en symboles syntaxiques répétés et en traits phonétiques redondants les interfaces avec les systèmes externes. Il faut admettre pourtant que l'ellipse représente un défi à toute formalisation grammaticale, et qu'elle devrait sans doute être mieux appréhendée à la croisée des analyses de la phrase et du discours.



[1] Indeterminação, na medida em que a metodologia formalista da ciência moderna é cega aos factos que passam pela grelha da experimentação sem serem detectados; abstracção, na medida em que é levantada a questão da legitimidade de representações do saber distintas dos dados da percepção e da experiência.
[2] "Je travaille maintenant à examiner la vérité de la première (opinion); savoir, que la nature abhorre le vide". PASCAL, Lettre à M. Périer, 15 nov. 1647.
[3] Horácio, Sátiras, I, 10 (citado por Clérico 1983).
[5] Soares Barbosa (1822:409).
[7] Sobre a teoria dos Imperceptíveis, cf. Milner (1985,1989).
[8] A hipérbole consiste na intersecção de um cone com um plano paralelo ao eixo vertical do cone.
[9] Estas justificações relativas ao termo elleipsis são confirmadas por analogia com as outras secções cónicas existentes. Se, na hipérbola, o ângulo do plano é superior ao ângulo do lado do cone, a figura de pensamento correspondente pode ser entendida como uma situação em que se produz discurso acima do ou superior ao esperado. A figura da parábola encontra, por seu lado, a sua origem no facto de a curva matemática correspondente -que é na realidade um tipo particular de elipse- ser o lugar geométrico dos pontos cuja distância a uma recta directriz é igual à distância ao foco. Esta equivalência geométrica motiva provavelmente em retórica o valor analógico e a ideia de comparação.
[10] A língua inglesa conservou a distinção entre figura geométrica e figura gramatical, utilizando no primeiro caso o termo "ellipse" (forma intermédia, provavelmente de origem francesa), e no segundo, a forma "ellipsis". Refira-se, ainda acerca do Inglês, que "ellipsis" serve também para referir um sinal de pontuação, equivalente em Português às "reticências".
[11] Cf. Ildefonse (1997).
[12] A descoberta da imperfeição da órbita dos planetas foi no século XVII um choque para a astronomia clássica e a teoria da harmonia universal. A escolha do termo 'elipse' por Kepler foi provavelmente motivada por razões de ordem simbólica: a procura de harmonia no Universo, ou na ordem do Mundo, e particularmente na trajectória dos planetas, por razões de ordem estética, metafísica ou teológica, levou Kepler a designar este tipo de curva como um círculo -figura geométrica plana incomparavelmente pura- que foi afectado de um defeito.
[15] Para Grevisse e Goosse (1988:68), " il n'y a ellipse que par comparaison avec la phrase que l'on considère comme normale."
[16] A palavra defeito deve ser entendida no seu sentido próprio -explícito no adjectivo defeituoso. O termo defectus permite ao humanista Inglês Thomas Linacre dar a seguinte definição da elipse como figura gramatical: "dictionis ad legitimam constructionem necessariae in sensu defectus" (citado por Magnien 1992).
[17] A palavra 'falta' refere ao mesmo tempo uma 'ausência' e um 'erro'. Quando se nota a 'falta' de um termo numa oração, está-se também a dizer que essa oração é imperfeita.
[18] Será de notar que elliptikos tem uma conotação negativa -uma elipse é uma figura defeituosa, torta, deficiente- ao passo que elíptico adquiriu em gramática um valor positivo, já que caracteriza determinadas qualidades estilísticas do orador.
[20]Rodrigues Maya (1790):" A syntaxe ou he natural, ou figurada. A natural he a que ensina a compôr a oração conforme as regras geraes da Grammatica. A figurada he a que ensina a compô-la conforme o uso das figuras, Figura he hum modo de fallar apartado do vulgar, e comum. As figuras principais da Syntaxe são oito, que se chamam: Enallage, Pleonasmo, Ellypse, Zeugma, Syllepse, Hyperbato, Hellenismo, e Arcaismo". (p.9.)
[21] Zribi-Hertz (1986), citada por Matos (1992:89) (tradução da autora).
[22] Sobre Sanctius e a elipse, cf. Clérico (1983).
[23] Magnien (1992) refere que Sanctius, por meio do uso intensivo da elipse, faz "desaparecer" da gramática as frases nominais, os infinitivos de narração, os verbos impessoais, e outros casos difíceis e isolados.
[25] Soares Barbosa p.409-410
[26] A abstracção da descrição deve ser salientada: de facto, trata-se de eliminar irregularidades susceptíveis de alterar a definição de classes gramaticais supostamente estáveis. Trata-se também de elaborar, a partir dos dados, tipos comuns, como categorias, funções, posições, etc.
[27]
[28] Cf. Soares Barbosa p.409-410, que acrescenta: "O ponto todo está em que as ideias, que se supprimem, sejão faceis de supprir ou pelo raciocinio, ou pela associação, que o uso tem feito de humas com outras, ou pelo estado de agitação, em que se acha tanto quem fala, como quem ouve"
[29] Cf. Bernard Lamy (1675), "Art de parler" (1675), Munich,1980 (Ed. Wilhelm Fink), liv. II, chap. III.
[31] Sobre a elipse como economia discursiva, cf. Bartlett (1983)
[33] Cunha & Cintra (1984:614). Cf. Chevalier, Blanche-Benvéniste, Arrivé & Peytard (1964:99): "En grammaire, [l'ellipse] doit être invoquée avec une extrême prudence. Elle conduit aux pires insanités, comme le montre l'exemple des grammairiens philosophes du XVIIIº siècle, acharnés à tout aligner sur certaines constructions de pensée."
[34] Cf. Bartlett (1983)
[36] Para Haroche & Maingueneau (1983:144), põe-se a questão de saber se a ideia de elipse não passará afinal de uma preocupação exclusiva dos gramáticos. Para o locutor, ao contrário do gramático, raramente haverá intuição de uma falta: "L'ellipse supprime les mots nécessaires à la construction de la phrase pour la rendre pleine et entière, mais inutiles au sens, parce que ceux qui sont énoncés les font aisément suppléer."
[40] Soares Barbosa (1822:404-406)
[41] Quanto às "ellipses que tem por fundamento o uso" nas quais "he preciso supprir de fóra as palavras, que faltão", o autor explica que "so são auctorizadas pelo uso de cada lingua". Para exemplificar, cita expressões como "os (Homens) mortaes", "os (Homens) Christãos", "o (Poeta) Camões", etc . Este tipo de elipse parece típico dos "abusos" apontados anteriormente.
[43] Artigo "Ellipse", Encyclopédie.
[44] Neste tipo de reflexão, não se pode confundir o mecanismo gramatical da elipse com o seu uso efectivo: deve ser considerada a elipse como um mecanismo que opera sobre palavras, mas também como figura que diz algo do pensamento, ou da emoção de quem a usa.
[45] Para Sanctius (p.165), a superioridade e a beleza do latim provêm do seu carácter profundamente elíptico: "La rationalité de la grammaire nous oblige à comprendre beaucoup de mots qui, s'ils étaient exprimés, ruineraient l'élégance de la latinité ou rendraient le sens douteux." (tradução de Clérico 1983:48)
[46] Observe-se que, mesmo afastando a ideia de pleonasmo, a conservação integral de uma oração na qual a elipse poderia efectuar-se pode equivaler a uma interpretação marcada. Nos seguintes exemplos, a repetição não é semanticamente neutra:
(i).a Joana comprou um carro e a Maria também (interpretação de coincidência)
(ii).a Joana comprou um carro e a Maria também comprou um carro (interpretação de consequência)
[48] Magalhães (1805:14).
[49] Magnien (1992) nota o 'paradoxo' da elipse, "qui ôte du signifiant pour exalter un signifié qu'en dépit de son absence, chacun saisit cependant." . O mesmo autor propõe ainda considerar a elipse como um caso extremo de lítotes: "non plus dire le moins pour faire entendre le plus, mais ne plus dire du tout".
[50] Haroche & Maingueneau (1983) citam a seguinte observação de Lacan:".[...] n'est caché que ce qui manque à sa place." Ver também a nota [51] A gramática clássica insiste na diferença de fundo entre a elipse como figura transparente, em que o elemento elíptico ou subentendido é claramente suprível, e a elipse como construção opaca, na qual o que é subentendido manifesta obscuridade e ambiguidade. Dir-se-ia que o critério de distinção entre gramática e retórica seria um critério de evidência: a gramática implica um subentendido manifesto, a retórica um subentendido dúbio, o que lhe permite usar a figura da elipse como "figura de pensamento", instrumento conotativo e expressivo.
[52] A designação é de Milner (1989). A expressão "gramática do vazio" é livremente inspirada do mesmo autor, e designa aqui o conjunto das Teorias de Regência e Ligação devidas a Chomsky (1981-1986).
[53] É sabido que Chomsky filiou nos anos 60 a sua teoria, então embrionária, no racionalismo e no cartesianismo, ao reivindicar uma continuidade entre o generativismo e a "Grammaire de Port-Royal". O actual modelo é contudo baseado em pressupostos biológicos e cognitivos incompatíveis com o mentalismo cartesiano. (cf. Chomsky (1966), significativamente intitulado "Cartesian Linguistics. A Chapter in the History of Rationalistic Thought", New York, Harper&Row). Ver também as notas 98 e 101.
[54] Mas não só de elipses: observa-se também imperfeição estrutural em casos determinados como a ausência de argumentos na sua posição canónica (caso da passiva ou da interrogativa).
[55] "[...] quand une structure non coïncidente se présente à l'observation, on pose que la structure coïncidente correspondante a existé, mais n'existe plus" (Milner p.553). Note-se que, para Milner, a explicação cronológica do vazio justifica a própria arquitectura da gramática generativa: "Pour rendre compte de la différence entre un point de départ dissimulé et un point d'arrivée visible, il est peu surprenant qu'on ait été amené à user d'une opposition métaphorique fort répandue: l'opposition entre profondeur et surface; la structure coïncidente prend alors le statut de structure profonde, et la structure non coïncidente, celui de structure de surface." (p.553)
[57] "[...] la relation entre structure non coïncidente et structure coïncidente n'est pas de succession chronologique, mais de simultanéité; en fait, la structure coïncidente demeure présente dans la non-coïncidente et lui est entrelacée." (Milner. p.568)
[58] Invertendo o raciocínio, poderia postular-se a existência de seres linguísticos sensíveis à percepção mas insensíveis à sintaxe - será talvez o caso de alguns mecanismos estilísticos-, ou de seres radicalmente vazios: insensíveis à percepção e à sintaxe.
[59] A linguística estrutural, por seu lado, recusa-se a considerar de igual para igual a existência de unidades linguísticas plenas e vazias: numa teoria em que as propriedades linguísticas são exclusivamente relacionais e posicionais, não existem constituintes incompletos ou ambíguos. A noção de subentendido é completamente estranha ao estruturalismo.
[60] "L'hypothèse d'une catégorie vide [...] n'est pas plus scandaleuse que celle des nombres imaginaires en mathématiques." (Pierre Pica (1985:8). A este respeito, ver também o que diz Milner (1989:570): "Cette disjonction entre perception syntaxique et perception physiologique est en elle-même non triviale et beaucoup de théories ne l'admettent pas."
[61] "Une théorie linguistique a-t-elle le droit de recourir à des représentations qui s'éloignent sensiblement des données perceptibles?" (Milner 1989:573). "[.] une théorie n'a jamais le droit de supposer une entité qui ne soit pas elle-même une donnée perceptible ou qui ne soit pas réductible par analyse à un ensemble de données perceptibles." (p.574).
[62] Cf. Chomsky (1986b:124)
[63] Cf. Chomsky (1986a:162)
[66] Esta justificação pressupõe obviamente que a linguagem seja um sistema regular. Nesse caso os elementos vazios hipotéticos permitem salvaguardar a regularidade postulada das estruturas -este é o argumento fundamental da teoria clássica da elipse. Contudo, a verdadeira questão consiste em saber se a linguagem é mesmo regular, ou se pelo contrário, não será melhor descrita como um conjunto de irregularidades ou anomalias. Note-se que a teoria Minimalista é nesse ponto radical: a linguagem é um sistema perfeito. (Ver parágrafo 3)
[69] As razões da existência de diversos tipos de categorias vazias não são aqui exploradas.
[70] O PCV tem sido definido de várias maneiras (ou a formulação do PCV deu origem a teorias diversas). Cf entre outros: Chomsky (1981,1986a,1986b), Lasnik & Saito (1984,1991), Jaeggli & Safir (1989), Rizzi (1990), Raposo (1992). A formulação aqui dada é a de Chomsky (1986a).
[73] Esta equivalência entre perceptível e imperceptível é uma propriedade fundamental da linguagem que só por si justificaria a existência de construções elípticas. O paralelismo em questão foi invocado pela tradição da teoria da elipse, como Sanctius. Notemos que o mecanismo dos vestígios não deixa de evocar as condições impostas pela gramática clássica aos modelos de vazio: a ocultação eventual de um constituinte depende da possibilidade de um regente o legitimar, e a identificação desse mesmo constituinte é uma operação de re-interpretação entre elementos logicamente ligados.
[74] Por ironia, Chomsky qualifica hoje a teoria dos vestígios como um "erro": "[...] I made the mistake of introducing "trace," a new object." (In: Http:// www.inform.umd.edu/ Linguistics/ People/ Faculty/ Juriagereka/ Chatroom/)
[76] Sobre esta questão cf. a nota 93. Cf Lobeck (1995), sobre a questão do valor referencial das elipses.
[77] A expressão é à primeira vista paradoxal, mas ilustra os limites da teoria das categorias vazias: na realidade, o que está em causa na teoria da elipse é uma escolha fundamental entre um modelo de vestígio por apagamento e um modelo de posição vazia directamente projectada em sintaxe. Note-se que esta alternativa coincide com as soluções adiantadas sucessivamente por Chomsky: pode considerar-se o PCV como um princípio baseado numa concepção cronológica da gramática do paradoxo, mas, numa solução simultânea do paradoxo do vazio, o PCV deveria ser alargado a posições à partida vazias na estrutura profunda.
[79] É um constituinte pronominal na medida em que há co-referência, mas não há ligação local (caso em que seria uma anáfora).
[81] Zribi-Hertz (1985:60)
[82] Assim, nos exemplos seguintes de elipse de livro,
(i) O João comprou o livro verde e o [-] vermelho
(ii) *? O João comprou o livro verde e o [-] antigo
a frase (ii) é marginal precisamente por não manifestar redundância, sendo a palavra livro em princípio esperada -e não elíptica. Pouco sentido faz considerar redundante em (ii) a palavra livro-e em consequência autorizar uma elipse-, já que o adjectivo antigo implica informação nova, não sendo aqui livro mais provável que retrato ou vaso. Na frase (i), existe contudo simetria acentuada e portanto material redundante, sendo por isso a reiteração de livro evitável. A marginalidade da frase (ii) pode na realidade ser atribuída a factores de ordem lexical. Cf Martinho (1998b).
[86] Rizzi (1986:524)
[90] Do Inglês Backward anaphora, ou catáfora: refere uma relação de co-referência entre um pronome e uma expressão nominal que se lhe segue, como em (i):
(i) Quem [a] conhece, sabe que [a Maria] é simpática.
Compare-se (i) e (30.d).
[91] Lobeck (1995:20)
[93] Esse ponto deve ser devidamente focado, e diferencia radicalmente as elipses e as anáforas. Observe-se o paradigma (30.d): fica bem claro que o termo elíptico não refere o mesmo indivíduo que o antecedente 'casaco'. Trata-se pois de duas entidades distintas, em que a referência associada à segunda entidade é incompleta e precisa de alguma forma de ser "reconstruída".
[94] A questão da identidade desses traços é amplamente discutida na literatura generativista. Para Kester (1996), a flexão adjectival pode legitimar nomes elípticos, em especial nas Línguas Germânicas. A elipse do nome por flexão nas Línguas Germânicas é geralmente justificada porque a flexão adjectival é de algum modo capaz de identificar o nome vazio pro, por meio de traços como [+definido], [+humano], [+massivo]. Sleeman (1996), propõe por seu lado que as elipses nominais devem ser formalmente legitimados por um regente estrito [+partitivo], e identificadas por um constituinte com uma interpretação específica. Sendo assim, o conjunto de traços legitimadores incluiria traços morfologicamente realizados, mas também traços semânticos. Cf Kester (1996), Martinho (1998a), e nota seguinte.
[95] O valor descritivo de (32) é considerável. Como mostrámos num trabalho anterior, esta teoria ajusta-se bem às Línguas Românicas, em que a ocorrência de elipses é comum e a frequência de constituintes flexionados alta. As Línguas Românicas mais flexionadas são, como seria de esperar, também as mais ricas em elipses. Nas Línguas Germânicas, só as morfologicamente pobres -caso do Inglês- são pobres em elipses.
[98] A ligação aos Clássicos é explícita em Chomsky (1994:403). Referindo o facto de alguns itens aparecerem regularmente deslocados da posição em que são interpretados, Chomsky nota: "it is also a central part of traditional grammar, descriptive and theoretical, at least back to the Port-Royal Logic and Grammar."
[99] Chomsky (1994:403) relativamente aos mecanismos de movimento e transformação, nota: "items commonly appear overtly «displaced» from the position in which they are interpreted at LF interface." Na realidade, os movimentos de constituinte devem ser em grande parte considerados supérfluos, na medida em que os elementos deslocados são sempre interpretados na sua posição de origem, podendo concluir-se que o movimento de constituintes não é motivado por mecanismos de interpretação, mas por razões independentes, de ordem morfológica -verificação de traços.
[100] Cf. A teoria "Copy Theory of Movement" de Chomsky (1995)
[101] Ver na linguagem humana uma "faculdade" natural, tese fundamental da gramática chomskyana actual, não deve ser considerado uma proposta original. Alguma tradição ocidental, de Aristóteles à Escolástica e à Lógica cartesiana, admite que todos os homens têm uma predisposição natural para a linguagem, uma faculdade geral comum à espécie, que se manifesta pelas várias línguas naturais -vulgares- existentes. O programa Minimalista é na realidade profundamente ligado à tradição, sendo o verdadeiro factor de inovação o cunho marcadamente biológico e evolucionista atribuído por Chomsky à FL. Cf. também Eco (1994).
[102] Para completar a análise, podemos referir a "fábula evolucionista" proposta por Chomsky (1998): considere-se um primata que possui já uma arquitectura mental e um sistema sensorio-motor tipicamente humanos, mas não possui ainda uma faculdade da linguagem: esse primata não teria possibilidade de expressar os seus pensamentos por meio de expressões linguísticas. Se se considerar então os requisitos que essa faculdade deveria verificar para, depois de inserida, permitir ao primata expressar verbalmente os seus pensamentos, deveria no mínimo fornecer um meio perfeito de interligar dados perceptíveis para o sistema sensorio-motor e elementos do sistema de pensamento.
[103] A haver imperfeições na FL, seriam determinadas por propriedades de certo modo alheias à essência da linguagem, como por exemplo, a morfologia flexional (concordância, caso, e os chamados traços não-interpretáveis) ou o movimento transformacional. (Cf. Raposo 1998)
[104] Uma consequência importante é que todos os mecanismos do modelo de Princípios e Parâmetros devem ser revistos em termos de propriedades a nível de LF ou PF, o que implica o abandono (de parte) da Teoria da Regência e da Ligação. Sobre a motivação para outras interfaces, ver parágrafo 3.3.
[105] "A natural version of this requirement is that the principles of UG should invoke only elements that function at interface level" (Chomsky (1994:392). Alem de aligeirar o modelo e remover dele aquilo que parece conceptualmente facultativo, o programa Minimalista procura sobretudo eliminar estipulações desnecessárias
[106] Como se compreende, esta eliminação deve ser entendida como uma vontade de simplificar (ver nota 105) e não invalidar o modelo anterior. Várias tentativas de elaborar uma teoria do vazio têm sido produzidas no âmbito do projecto Minimalista, algumas delas substituindo o modelo de pro por hipóteses sobre movimento e/ou apagamento de traços morfo-semânticos. Cf por exemplo, Manzini & Savoia (1997), "Null subjects without pro", UCL Working Papers in Linguistics, nº9.
[107] Chomsky (1994:435), nota 10.
[108] Os vestígios podem contudo surgir na representação como resultado da operação Mover.
[110] "[...] there are no conditions relating lexical properties and interface levels, such as the Projection Principle." (Chomsky (1994:390).
[111] Depois de Spell-out, o argumento interno pode subir na LF para [Spec,SFlex] para verificar o traço fraco.
[112] Cf. nota 93
[113] "Delete-alpha leaves the structure unaffected apart from some indication that alpha is not "visible" at the interface." (Chomsky 1994:400).
[115] O artigo definido, neste caso, seria um mero clítico do SPrep.
[117] As condições de reconstrução da posição elíptica podem em alguns casos remeter para factores de dependência semântico-lexical, como é sugerido para (37.a.b) em Martinho (1998b). A simetria semântica verde/branco, em contraste com a assimetria verde/bonito, parece estar na origem da posição elíptica assinalada, pelo que a classe semântica dos adjectivos envolvidos pode ser associada ao mecanismo de elipse.
[118] Observe-se que as derivações elípticas só podem fracassar na interface LF: a não aplicação do filtro de eliminação de material redundante em PF não teria resultado negativo para a derivação -a frase correspondente seria contudo, do ponto de vista estilístico, pleonástica, o que sugere talvez que, no quadro minimalista, aquilo que não é motivado por operações em LF, deveria ser considerado como "estilístico".
[119] A existência de mecanismos de ligação directa entre as interfaces PF e LF é frequentemente sugerida. Se a elipse for uma operação interfacial, as próprias interfaces devem poder marcar mutuamente as suas exigências por meio de regras de correspondência.
[120] A questão da arbitrariedade e da redundância levanta contudo dificuldades consideráveis. A aplicação da regra de elipse de constituintes, como vimos, não parece de facto ter um carácter obrigatório, o que sugere eventualmente que, ao contrário do sugerido, as operações envolvidas não participam internamente da FL. Contudo, no quadro minimalista, aquilo que não é justificado -teoricamente exigido- deveria ser eliminado da gramática. A elipse não seria então uma regra gramatical, baseada em propriedades da FL? Será um mecanismo a situar num plano distinto da FL?
[121] É possível invocar-se entidades como Sintagma Tópico, Sintagma Aspecto, etc.
[122] Por que existem elipses, por que são possíveis? A questão é legítima na medida em que a elipse pode estar ligada a casos de ambiguidade, seguramente uma situação indesejável na linguagem humana. Esse efeito pode ser facilmente ilustrado:
(i) O Paulo viu a Joana mas a Maria não.
A elipse corresponde em (i) a duas leituras possíveis, pelo que é criadora de ambiguidade. O facto de a elipse existir permite pois representações ambíguas. Por que é que a FL admite então a possibilidade de elipsar constituintes, e de que modo a existência de elipses pode ser integrada em princípios Minimalistas? Além de um mero argumento economicista ou estilístico, que 'interesse' -no sentido biológico e evolucionista da questão-haverá para a FL em tolerar uma regra de tipo Elipsar?

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Last modified: 21-Mar-00