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e outras questões perturbantes deste final de século
 
Medir Não é Numerar
 
O leitor já algum dia pensou que para medir qualquer coisa, se começa no zero? Pois é, para medir, por exemplo uma distância, parte-se do zero da régua, e vai-se até onde se pretende. Assim, o comprimento de uma mesa de 80 cm, medido com um metro de carpinteiro, começa no zero e acaba em frente de 80. Nada de original. Pegue numa régua, faça um traço de 3 cm, e observe o gráfico 1: o traço começa em zero e acaba em 3:
 
Gráfico 1
 
 
Note-se ainda este facto: seria possível com a caneta do grafico 1 traçar o mesmo risco de 3 cm partindo de 1 em vez de zero. Contudo, se assim fosse, os 3 cm traçados acabariam em frente do 4 da régua, e não do 3. O número de cm percorridos seria o mesmo (3 cm), mas a leitura da régua daria outra referência.
O leitor também já sabe que para numerar os dias do mês, começa-se em 1: dia 1, dia 2, dia 14, dia 23, etc. Mas não se começa em zero (não existe qualquer coisa como "dia zero de Janeiro"). Repare-se também que para numerar os meses do ano, começa-se no mês 1 (Janeiro) e não no mês zero... Pense ainda o leitor que para contar um conjunto de entidades, começa-se também em 1, e não em zero. Por exemplo, uma criança que divide 16 maçãs por 4 pessoas, nunca considera a existência de uma pessoa zero, começa logo na pessoa 1. Para contar 4 maçãs, conta uma, duas, três, quatro..., e não zero, uma, duas, três:
 
Gráfico 2
 
 
Para numerar um conjunto de objectos, a criança começa (e bem) em 1. Para medir o comprimento de uma mesa, o carpinteiro começa (e bem) em zero. Na mesma ordem de ideias, um professor mede a competência de um aluno começando em zero e acabando em 20. A nota mais baixa é mesmo zero, e não 1 (Contudo, para o aluno, pouca diferença faz).
 

 
Ano Zero, Km Zero e Tolerância Zero (?)
 
Face ao que acaba de se dizer, teríamos de concluir que as distâncias medem-se, e os anos numeram-se. A questão está pois em saber se a data é uma medição ou uma numeração. No primeiro caso, teria forçosamente que haver um ano zero, do qual se começa a medir os seguintes. Quando se chegasse ao ano 2000, teriam passado exactamente 2000 anos sobre o início da medição. Assim funciona o senso comum das pessoas...
 
Vamos comparar anos e metros. Imaginemos que vamos medir uma distância (por exemplo por meio do contador quilométrico de um carro), Esse contador, quando o carro ainda está parado, marca zero (obviamente). Ao fim de um metro percorrido, marca 1, ao fim de 2 metros marca 2, etc. Ao fim 2000 metros percorridos (2 km), o contador marca 2000, e entra no 3º km ou no 2001º metro.. Veja-se o gráfico 3:
 
Gráfico 3
 
 
Vamos agora imaginar que, por alguma razão, o tal contador quilométrico já marca 1 quando o carro ainda está parado (ou então imaginemos que os contructores automóveis não conhecem o zero, e os contadores começam sempre em 1). Nesse caso, ao fim de 1 metro percorrido, o contador marca 2, ao fim de 2 metros, marca 3, etc. E ao fim de 1999 metros percorridos, o contador já marca 2000. Note-se bem que o contador já indica o número 2000, mas o carro ainda não andou 2000 metros, só andou 1999 metros. Isso pode ser representado no gráfico 4:
 
Gráfico 4
 
 
Esta diferença é fundamental, e é frequentemente mal avaliada quando se refere este tipo de questão. Vamos repetir: se o contador começa em 1, só quando o contador do carro acaba de marcar 2001 é que se andou mesmo 2000 metros completos
 
Mas por que razão é que os constructores automóveis iriam vender carros novos com o contador já em 1?
 

 
O Calendário Juliano e os Bebés
 
Por razões de ordem histórica, o zero é o mais recente dos algarismos usados em aritmética. Embora o zero fosse usado precocemente em algumas civilizações orientais (India), só chegou ao Ocidente no século XIII graças ao matemático Italiano Fibonacci, por meio da Civilização Árabe. O Império Romano por seu lado desconhecia o zero, e toda a Era Cristã posterior, incluindo a Idade Média, também o desconhecia. No 1º século A.C., Júlio Cesar, Imperador romano, muito naturalmente fixou o início do seu calendário no Ano 1 da fundação de Roma. Ano 1, e não Ano zero, note-se... Na época de Júlio Cesar, o zero era desconhecido, e um ano zero seria inconcebível.
 
 
Na verdade, apesar do calendário juliano não ser perfeito (foi preciso o Papa Gregório XIII emendá-lo em 1582), é aquele que ainda hoje usamos. O calendário juliano, que foi adoptado pela Igreja, é assim marcado pela sua origem. Em 532, a Igreja Católica decide contar os anos da Era Cristã a partir do 1 de Janeiro consecutivo ao nascimento de Jesus (25 de Dezembro). Essa primeira ocorrência de um dia 1 de Janeiro é pois, para todos os efeitos, o dia 1 de Janeiro do Ano 1. Mas não se considera nenhum Ano zero!
 
(já agora, diga-se que os historiadores não têm a certeza que Jesus tenha mesmo nascido no ano 1. Para muitos, teria nascido 3 ou 4 anos antes da sua era começar. Contudo, o século XXI começa mesmo em 2001, pelo que a data real do nascimento de Cristo nada altera)
 
Note-se o paradoxo da decisão de 532: quando a Era Cristã começa (1 de Janeiro do Ano 1), Jesus só tem realmente 7 dias de vida, mas a sua idade legal é de 1 ano e 7 dias... Compare-se com a idade de um bébé "normal". Este último, ao fim de 7 dias, tem "zero anos e 7 dias", ou 0,7 anos, e só ao fim de 365 dias é que tem 1 ano. Assim é para a idade das pessoas em geral: quando o Paulo faz 20 anos, entra no seu 21º ano, e a Cristina tem 1 ano e meio quando faz 18 meses. Tudo isto porque se mede a sua idade desde o instante zero (o parto), e não pelo calendário. Não é o caso de Jesus, coitadinho...
 
 
 
 
O Ano Zero Não Existe, Nunca Ninguém o Viu
 
Esta questão está directamente na origem do nosso problema: a ciência moderna, toda a física, todos nós, estamos habituados a medir a partir do zero, pelo que seria legítimo que o Terceiro Milénio começasse afinal em 1 de Janeiro de 2000. O problema é que o calendário juliano não serve (não servia) para medir os anos mas para numerar os anos. De facto, o calendário, contrariamente à idade, mas do mesmo modo que todos os tipos de numerações, arranca em 1 e não em zero.
 
Não existe obviamente ano zero. Há várias maneiras de o verificar. A mais clara é que numa numeração de calendário é sempre possível substituir um número cardinal por um ordinal. Assim, podemos dizer que o dia 3 é o terceiro dia do mês, podemos dizer que Maio (o mês 5) é o quinto mês do ano, etc. O século XX é o vigésimo século da Era Cristã e o Milénio 2 é o Segundo Milénio. Mas nunca ninguém viu um dia zero, um mês zero, um século zero, um milénio zero, etc. Não faz sentido qualquer coisa como "o zeroº dia do mês", ou "o zeroº século da nossa Era". Por que haveria então de haver um ano zero?
 
O calendário não faz a medida do tempo que passa, mas conta uma sucessão de anos. Nisto, o calendário assemelha-se a outros tipos de numerações, como por exemplo os números de polícia das casas, ou as matrículas dos automóveis: obviamento, ninguém mora no número zero da Rua da Alegria, e ninguém pode ter uma matrícula do tipo 00-00-AA. Para contar, nunca se começa no zero. Até as crianças sabem isso.
 
Sendo assim, o 1999º ano da Era Cristã termina a 31 de Dezembro de 1999, e o 2000º ano dessa mesma Era só termina a 31 de Dezembro de 2000. Não fazia pois sentido celebrar a passagem do Milénio em 31/12/1999. Nesta data só se estava a celebrar a entrada para o último ano do século XX ou do Segundo Milénio. Uma passagem de ano banal... Veja-se o gráfico 5:
 
 
Gráfico 5
 
 
Ponto final até à data
Dentro da lógica aqui apresentada, voltemos à analogia inicial entre anos e metros. Como vimos, se o contador do carro começa em zero, marca muito justamente 2000 ao fim de 2000 metros percorridos. Se começasse em 1, então marcaria 2000 ao fim de 1999 metros percorridos, e esse mesmo contador marcaria 2001 ao fim de 2000 percorridos... Como mostra o gráfico 6, partindo de zero, o metro nº 2000 começa quando o contador marca 1999 e acaba quando o contador marca 2000. Nesse mesmo instante, acaba o 2º quilómetro e entra-se no terceiro:
 
 
Gráfico 6
 
 
 
Ora, se, como se sugeriu, o ano zero não existe, então estamos perante o calendário do mesmo modo que estaríamos perante um contador começando em 1. Isso pode ser sugerido no gráfico 7. Quando o contador de anos (o calendário) marca 2, estamos no fim do primeiro ano, quando marca 57 estamos no fim do 56º ano, etc. Quando o calendário marca 2000, estamos pois no fim do 1999º ano da Era Cristã. Só então começa o 2000º ano dessa Era, mas esse ano tem ainda que ir até ao fim (até 31/12/2000). O 2º Milénio não acabou pois em 31/12/1999 mas sim em 31/12/2000. No instante seguinte (1 de Janeiro de 2001, às 0h), começou o Terceiro Milénio:
 
Gráfico 7
 
 
 
Alguns factos para meditar
 
A Era Cristã começou em 1 de Janeiro do Ano 1, pelo que:
 
Em 1 de Janeiro de 2, passa 1 ano sobre o início da Era Cristã
Em 1 de Janeiro de 3, passam 2 ano sobre o início da Era Cristã
Em 1 de Janeiro de 1999, passam 1998 anos sobre o início da Era Cristã
Em 1 de Janeiro de 2000, passam 1999 anos sobre o início da Era Cristã
Em 1 de Janeiro de 2001, passam 2000 anos sobre o início da Era Cristã
 
O 2º século começou em 1 de Janeiro de 101
O 2º milénio começou em 1 de Janeiro de 1001
O 20º século começou em 1 de Janeiro de 1901
O 21º século começa em 1 de Janeiro de 2001
O 2º milénio acaba em 31 de Dezembro de 2000
 
A Expo 98 nunca foi a última exposição mundial deste século ou deste milénio. Essa honra cabe a Hannover 2000. A Expo 98 foi a penúltima.
Quem afirmar outra coisa não sabe contar.
 
O ano 2000 é no entanto mesmo assim extremamente importante: é o último do 2º milénio e é o último do século XX. Além disso, é um ano bissexto, e é o ano em que faço 41 anos...
 
Para mais informações:
Science et Vie nº979, p.70
L'Institut de mécanique céleste et de calcul des Éphémérides
L'Observatoire de Paris:
www.countdown2000.com
www.usnews.com/usnews/issue/27mill.htm
psyche.usno.navy.mil/millennium/whenIs.html
eix.com/english/godschurch/wn51.html
www.mohawk.net/~barbaria/millennium.html
webreview.com/wr/pub/98/12/18/frames/index.html
www.theatlantic.com/atlantic/issues/97jul/zero.htm
 
 
 
Para discussão, debate, insultos e ameaças, contacte-me
fmart@mail.ua.pt
 
 
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Last modified: 21-Mar-00